Aplicabilidade de práticas locais para previsão de cheias como ferramenta de adaptação as mudanças climáticas: Caso da comunidade de Muriwa no Distrito de Mopeia, 2000 à 2011, em Moçambique

Resumo: O artigo versa uma investigação de licenciatura sobre Aplicabilidade de práticas locais para previsão de cheias como ferramentas as mudanças climáticas: caso das comunidade de Muriwa no Distrito de Mopeia, 2000 à 2011em Moçambique. Este estudo procurou compreender a aplicabilidade de práticas locais usadas nas comunidades de Muriwa que directa ou directamente ajudam na previsão de cheias. O estudo de carácter qualitativo cruzado a quantitativo, com método de estudo de caso, utilizando-se a documentação, observação in loco, questionário e conversas com alguns influentes da comunidade em estudo.Os resultados da pesquisa demonstraram a existência de uma correlação forte entre as duas informações com nível de significância 0,05, ou seja, as informações oficiais assim como práticas locais contribuíram bastante na prevenção das cheias e inundações  ocorridas no período de 2000 à 2011.Dai se conclui que as práticas locais para previsão de cheias podem ser usadas com confiabilidade na comunidade de Muriwa, assim como em todo distrito de Mopeia, visto que o grau de confiança entre as informações científicas e locais são iguais e recomenda-se a inclusão nas mensagens de aviso prévio de cheias/inundações vigente em Moçambique.

Palavras-chave: Sistema de aviso de cheias, práticas locais e Cheias.

Introdução

A eclosão de cheias que tendem a transformar-se em calamidades na comunidade de Muriwa deve-se o facto da sua localização geográfica. Entretanto, na comunidade em estudo a população desenvolveu várias práticas que usam para previsão de cheias,desde: surgimento de ratos, formigas e pulgas no interior das residências, aparecimento de vários pássaros sobrevoando a poucos centímetros da linha de água do rio Zambeze da montante a jusante por vários dias no período da tarde, passarinhos construindo ninhos nas margens do rio, floração de mangueiras com maior incidência por toda copa, grande quantidade de quedas pluviométricas no mês de Fevereiro e ventos soprando do continente para o oceano.

Contudo, a previsão de fenómenos extremos, em particular as cheias é um processo que consiste em alertar as comunidades a iminência de um perigo em que a ocorrência de tal fenómeno é provável. Entretanto, a população de Muriwa no Distrito de Mopeia,Provincia da Zambézia em Moçambique consegue prever a aproximação dos períodos de cheias a partir de sinais locais usados desde os tempos dos ancestrais, para além da valiosa informação fornecida a partir do sistema oficial de alerta de cheias.

Em contrapartida, o grau de exposição e fragilidade em que a comunidade, ambiente, infra-estrutura, serviço e área geográfica se encontra com capacidade de conter e minimizar o impacto das cheias/inundações, usando sinais locais para previsão deste evento extremo, encorajou o desenvolvimento do estudo na comunidade de Muriwa. Mas também a exposição da comunidade a cheias coloca o sistema ou os seus elementos em situação de vulnerabilidade, sendo assim, pertinente compreender a percepção da população, face a prevenção do risco.

Muito embora com informações de previsão de cheias expandida na comunidade, quando este mal acontece tem registado elevadas vítimas humanas e refugiados climáticos, ou seja, deslocação de pessoas de zonas de risco para zonas seguras, devido a eminência do perigo.Visto que muitos ignoram os sinais locais e informações oficiais. Assim chegou se a aprofundar o estudo da temática compreendendo os períodos que aquela comunidade iniciou a usar e a aplicabilidade destas práticas locais na interação que se estabelece com os avisos oficiais difundidos a nível Provincial pelo instituto Nacional de Gestão de Calamidades(INGC).

O trabalho tem como balizas cronológicas os anos de 2000 à 2011, visto que as comunidades guardam na sua memória lembranças trágicas de grandes cheias que ocorrerão neste período em estudo.

  1. 1.Cheia/Inundações

Na comunidade de Muriwa as cheias / inundações são resultantes de chuvas intensas a montante e descargas de água na estação hidroeléctrica de Cahora Bassa. Estes factores levam o caudal do rio Zambeze a aumentar até ultrapassar as suas margens topográficas, inundando os terrenos adjacentes.

Segundo Egídio (1989) cheia é qualquer nível de água ou qualquer caudal, relativamente alto, acima de um nível ou caudal. Pode-se assumir outra definição que se entende mais simples embora não se deferindo muito da primeira defendida por Administração Regional de Água (Ara) – Sul (2008) cheia é a ocorrência natural caracterizada por uma subida acentuada dos escoamentos nos recursos hídricos e expectativas de alturas hidrométricas.

O mesmo autor Ara-sul (2008) considera cheia:

Sempre que as alturas hidrométricas igualarem ou superarem os níveis considerados de alerta nas estações do sistema de aviso de cheias. Deste modo o nível de alerta assumido, quando a água do rio atinge a cota superior das margens normais do rio e começa a inundar as regiões vizinhas. O nível de alerta considerado na estação de sistema de aviso de cheia na bacia do rio Zambeze é de 6.000 metros cúbicos(Ara-Sul, 2008, p.12).

A subida do nível de um rio resulta quase sempre da ocorrência de precipitação abundante. No entanto, há outros factores relacionados com a ocorrência de cheias, que estes podem ser naturais tais como: ocorrência de precipitação intensa num curto período de tempo, ocorrência de precipitação intensa de forma contínua, degelo das calotes polares associado a alterações climáticas e/ou aquecimento global, saturação de solos entre outros (Saraiva et all., 1988,p.12).

  1. 2. Aumento da resiliência das comunidades frente aos desastres

Todos os anos, a comunidade de Muriwa devido a sua localização geográfica é ameaçada por vários eventos extremos em particular as cheias/inundações. Apesar desta população ter consciência dos acontecimentos que lhe têm abalado, estas vêm prevenindo mediante iniciativas locais para redução de riscos de desastres.

Segundo Rocha (1995) os conhecimentos locais de previsão de cheias fazem parte das estratégias implementação de marco de hyogo. Assim a partir de conhecimentos locais a população da ilha de Simeleu, situada na frente das costas da Sumatra, de uma população de 83.000 habitantes, somente 07 morreram durante o tsunami do oceano Índico em 1998. Em Aceh, uma zona continental próxima, 100.000 pessoas morreram. A população de Simeleu mantém seu próprio conhecimento local sobre terramotos, que chamam de “smong”. Cada geração constrói sinais locais de alerta prévio de ameaças naturais, aquela população usou como conhecimento local “a observação da praia, quando está apresentase maré baixa, interpretavam a aproximação ou previsão de um smong ou tsunami, e logo tomavam mediadas de retirar se para zonas mais altas”.

Para a Organização pan-americana da saúde (2008) as respostas do Homem aos fenómenos de variabilidade climática podem ser de adaptação ou de mitigação. Ainda segundo mesmo autor adaptação é o conjunto de acções necessárias para ajustar-se a mudança climática, ou seja, acções para lidar com as consequências das mudanças climáticas.

Segundo Ribeiro & Dolores (2007) o conceito de resiliência não é novo e, no que concerne à sua aplicação aos recursos hídricos, este conceito migrou da ecologia para este domínio, o mesmo autor defende o conceito de resistência ou capacidade de um sistema resistir e se recuperar face a um evento que coloca em causa o seu modo de funcionamento, e essa capacidade permite que o sistema recupere sem alterar as suas principais características.

Tendo em conta o anteriormente exposto, assume-se que a resiliência é uma característica que se traduz pela capacidade de um sistema se adaptar às alterações ocorridas ao nível dos seus subsistemas, para que o sistema mantenha uma distância adequada entre o seu estado e um começo considerado crítico, conseguindo recuperar rapidamente o equilíbrio e dos danos provocados por eventos inesperados e extremos(Saraiva et all., 1988,p.75).

Assim quanto mais resiliênte for um sistema, menor é a probabilidade de um evento extremo provocar um dano irreparável. A resiliência pode ser vista como uma estratégia operacionalizáveis através de medidas de mitigação/adaptação. (Domingos, 2006, p.39)

2.1. Sistema de aviso de cheias

A incorporação de conhecimentos locais na previsão de cheias para além de fazer parte das estratégias implementação de marco de hyogo é também em parte, um assunto que tem despertado actualmente, maior interesse a vários níveis, pelo facto ultimamente as cheias serem frequentes no país, e maior parte da população encontra-se exposta a riscos de cheias. Assim dentre os vários autores consultados, não foi possível encontrar algum que abordam o conceito de práticas locais na previsão de cheia, embora muitos deles se refiram com frequência ao assunto. No entanto, tentou-se enquadrá-los na temática com base num conhecimento geral e informações colhidas no campo.

A necessidade de as comunidades terem a informação atempada de aviso prévio e o conhecimento de acções a tomar com base na informação recebida poderá reduzir as perdas tanto de vidas humanas bem como de propriedades que actualmente se registam quando ocorrem eventos ambientais extremos (Maroun, 2007, p.27).

Diante deste pensamenteo, Segundo o INGC (2003) o sistema de alerta ou aviso prévio:

São medidas técnico científicos multi-sectoriais e pluridisciplinares visando prevenir, através de informações claras, multiformes de uma determinada área o grau de sua intensidade numa perspectiva de reduzir o seu impacto. Neste caso, os alertas são accionados tendo como critério de decisão determinados parâmetros ou níveis críticos compreendendo dados de precipitação, caudais dos rios, velocidade do vento, áreas afectadas entre outros.

Para Lumbroso (2000), sistema de alerta de cheias normalmente, referem-se aos que neste trabalho designa-se de sistema de avisos de cheias. Mas também o mesmo autor diz que o sistema de alerta se entende por comunicação de aproximação de perigo, com iminência inferior à da mensagem de aviso, isto é, quer se trate de cheias, ciclone entre outros, o alerta, não deixa de ser um aviso.

Deste modo, para colmatar estas divergências literárias, Direcção nacional de água (2002) define sistema como sendo o conjunto de órgãos coordenados, onde cada elemento tem funções, meios e processos específicos que são empregados para produzir um determinado resultado. Ainda a partir da mesma fonte, o sistema de aviso de cheias é produzido a partir de vários órgãos coordenados, consistindo em elaborar dados ou informações para o aviso de aproximação ou ocorrência de cheias numa certa região ou bacia hidrográfica, o aviso pressupõe, a difusão de mensagem que assinala um perigo eminente, podendo incluir recomendações sobre protecção.

Como se pode ver a literatura não clarifica os conceitos de sistema de alerta ou aviso prévio, neste trabalho considera-se “o aviso” e “o alerta” apenas a um nível de acção no âmbito do sistema de aviso de cheias que é o acto de difusão da informação como aviso de cheias e que é sempre emitido após a previsão da proximidade de ocorrência de cheias. Vários autores afirmam que as medidas foram criadas para alguns dos grandes rios do pais, com a criação de sistema de aviso de cheias. Os primeiros sistemas permitiam apenas identificar os valores de precipitação a montante que ocasionavam cheias em secções mais a jusante (Massavanhane, 2008, p.24).

Para Instituto nacional de meteorologia (2009), aviso prévio é a advertência as comunidades muito antes da eclosão de um determinado evento climático. O mesmo termo foi defendido por INGC (2003) comunicação antecipada a uma determinada comunidade sobre a ocorrência de um fenómeno natural.

Assim uma atitude proactiva em relação aos desastres naturais, passa necessariamente por um conhecimento profundo sobre o tipo e qualidade das condições ambientais em que se vive. Logo, o sucesso dos planos de sistema de alerta é a minimização dos efeitos advindos de fenómenos ambientais, isto porque a população têm conhecimentos suficientes para prevenção do mesmo fenómeno ambiental. Segundo Benessene (2002), o domínio e a educação pública sobre os métodos de prevenção de fenómenos ambientais são importantes na gestão dos desastres no âmbito de adaptação às mudanças climáticas.

  1. 3. O Desafio das mudanças climáticas

De princípio, segundo Lumbroso (2000),é importante destacar que na história da Humanidade, o clima da Terra esteve, sempre sujeito a mudanças, com origem explicadas por processos naturais, ligados as alterações no eixo de rotação da terra, explosões solares e dispersão de aerossóis emitidos por vulcões. Assim nos tempos actuais o aquecimento global e as alterações climáticas continuam a se fazer sentir.

De acordo com IPCC (2007) “as mudanças climáticas podem ser entendidas como qualquer mudança no clima ao longo dos anos, devido a variabilidade natural ou como resultado da actividade humana. Ainda a mesma fonte divulgou recentemente que há 90% de chance do aquecimento global observado nos últimos 50 anos ter sido causado pela actividade humana, através do aumento das emissões de gases de efeito estufa. Esse aumento nas emissões de gases estufa poderá induzir um aquecimento da atmosfera, o que pode resultar em uma mudança no clima mundial a longo prazo. Todavia as mudanças climáticas reflectem o impacto de processos sócio económicos e culturais, como o crescimento populacional, a urbanização, a industrialização e o aumento do consumo de recursos naturais e da demanda sobre os ciclos biogeoquimicos”.

Enquanto isso, o Quadro da Convenção sobre as Mudanças Climáticas das Nações

Unidas (UNFCCC) considera “mudanças do clima atribuídas directa ou indirectamente às actividades humanas que alteram a composição global da atmosfera e que se adicionam às mudanças/variabilidades naturais observadas num período comparado”.

Como se pode constatar, as mudanças climáticas são causadas por factores ou processos intrínsecos do próprio sistema solar e forças extrínsecas, principalmente as que são promovidas pelas actividades do Homem na Terra. Estas duas causas não são mutuamente exclusivas mas sim se apresentam como complementares, proporcionando um agravamento à natural dinâmica global do estado climático (Benessene, 2002,p.71).

Segundo Sarmento (2004) não há mais dúvidas sobre as enormes mudanças que o nosso planeta irá sentir como um resultado do aquecimento global e das mudanças climáticas. As mudanças têm sido claramente registadas em todos os continentes. Entretanto, o continente Africano será muito atingida por chuvas irregulares, cheias/inundações, desertificação, doenças que afectam as plantas, os animais e seres humanos serão espalhadas por novas regiões, pelo aumento do nível do mar, do número de refugiados e dos conflitos sociais, como resultado das mudanças ambientais. Ainda de acordo com mesmo autor, cada nação, população e comunidade desenvolve estratégias de adaptação as mudanças climáticas. Contudo se a mitigação conseguir manter os impactos das alterações climáticas em níveis razoáveis, a adaptação será capaz de lidar com os impactos do perigo.

Conforme Maroun (2007) a adaptação às mudanças climáticas é um ajustamento nos sistemas naturais ou humanos em resposta a estímulos climáticos prevalecentes ou esperados ou os seus efeitos, que moderam os prejuízos ou exploram as oportunidades benéficas. O mesmo termo é defendido por IPCC (2007) como um processo com enfoque na redução da vulnerabilidade, que usualmente envolve a criação de capacidade adaptativa, particularmente das pessoas mais vulneráveis.

Nalguns casos ela também envolve a redução da exposição ou sensibilidade aos impactos das mudanças climáticas. De facto, a adaptação é mais do que reduzir a vulnerabilidade, trata-se de certificar que as iniciativas de desenvolvimento não aumentam inadvertidamente a vulnerabilidade. Assim a adaptação as mudanças climáticas sob ponto de vista dos dois autores convergem em criação de capacidades adaptativas nas comunidades vulneráveis (Sarmento, 2004,p.11).

3.1. Mudanças climáticas e riscos de desastres

Nota-se que perigos climáticos e riscos de desastres muitas vezes se interpenetram. Contudo, a maior diferença entre os dois é que riscos climáticos são relativos a consequências de mudanças climáticas, incluindo perigos repentinos e imprevisíveis (Sarmento,2004,p.67). Entretanto, riscos de desastre incluem todos os perigos relativos ao meio ambiente. Mesmo não sendo importante para a população local se um risco de desastre é relativo às mudanças climáticas ou não, esta informação é importante para a análise (Benessene, 2002, p.10).

Logo, diante deste pensamento o desflorestamento causa uma diminuição da capacidade de retenção de água de chuva e um aumento proporcional do escoamento superficial dessas águas pelos rios. Em suma, aumenta a variabilidade da vazão de rios. Essa mudança de regime de rios pode ser sentida pela ocorrência de enchentes numa dada região. Também do ponto de vista da termodinâmica, o processo de aquecimento global pode ser assumido como uma acumulação de calor, não só pela atmosfera, mas também na água e solo. Essa energia pode ser mobilizada e dissipada de forma rápida e concentrada, gerando eventos extremos (MAROUN, 2007, p.31).

Segundo Jacinto (2009) o risco é o resultado da “interacção homem - meio, no entanto em cada área, e devido às suas características naturais específicas, existe maior ou menor propensão para determinado tipo de eventos extremos.” A definição oficial dos termos utilizados na avaliação de riscos foi estabelecida numa convenção internacional organizada pela United Nations Disater Relief Co-ordinator (UNDRO, 1979) ”, segundo a qual “o risco exprime a possibilidade de ocorrência de um perigo, e a respectiva quantificação em termos de custos, de consequências gravosas, económicas ou mesmo para a segurança das pessoas, em resultado do desencadeamento de um fenómeno natural ou induzido pela actividade antrópica”.

Uma das formas de minimização os efeitos dos riscos sejam elas de origens diferentes é conhecer a sua localização no espaço, assim segundo Tueros & Langa (1999) a vulnerabilidade é um indicador das consequências ou perdas num sistema (sociedade) resultantes do impacto de um evento extremo. “Pode ser avaliada de diferentes modos, desde o valor económico-financeiro dos prejuízos (análise custo-benefício) e a quantidade de energia necessária para reparar as perdas e danos, às chamadas técnicas multicritério em que se conjugam diversos destes elementos.

O mesmo termo é defendido por Dgotdu (2009) como sendo conjunto de condições e processos que resultam das diferentes dimensões, física/ambiental, social e econômica que aumentam a susceptibilidade da sociedade/sistema a impactos. Um sistema é tanto mais vulnerável, quanto mais elementos estiverem expostos ao risco e menor for a sua capacidade de resistência.

A vulnerabilidade, tal como refere Jacinto (2009) está relacionada com o grau de perda resultante da ocorrência de um evento com determinada magnitude. O grau de perda, ou vulnerabilidade, pode ser reduzido através de medidas de mitigação do risco ou de adaptação, que promovam a resiliência.Logo, a capacidade adaptativa é o domínio de actuação a privilegiar, com vista ao aumento da resiliência e à diminuição da vulnerabilidade duma dada comunidade ou sociedade (Langa, 1999,p.26).

  1. 4.Metodologia

4.1. Localização geográfica

Comunidade de Muriwa localiza-se ao longo do rio Zambeze, a Oeste da sede do Distrito de Mopeia no regulado Chamanga, região central de Moçambique na província da Zambézia tendo como limites: a Norte a sede do distrito de Mopeia, a Sul o distrito de Marromeu separando-se pelo rio Zambeze, Este comunidade Mazaro e Este a comunidade de Cocorico.

A comunidade é habitada maioritariamente por pessoas oriundas do distrito de Marromeu,província de Sofala, Namacurra, província da Zambézia e Malawi. Portanto a pesca artesanal é a actividade que atrai as populações, provocando deste modo a migração das suas zonas de origem para se instalarem naquela comunidade ao longo do rio Zambeze (Perfil do distrito de Mopeia, 2005, p. 43).

Entretanto, devido a exiguidade de fontes escritas sobre a temática em particular da região em estudo, o inquérito foi utilizado com bastante realce nesta abordagem. A pesquisa de campo baseou-se num questionário estruturado com perguntas abertas e fechadas na sua maioria, procurando obedecer uma lógica que permitiu responder ao problema levantado e alcançar os objectivos.

Portanto, o inquérito incidiu numa amostra representativa de 203 habitantes, com idades compreendidas entre 15 aos 69 anos, de ambos os sexos seleccionados duma forma aleatória, podendo ou não todos terem a mesma probabilidade de pertencer a amostra, num universo de 750 habitantes residente na comunidade de Muriwa. O motivo da escolha das idades para o estudo, foi uma forma de perceber até que ponto as crianças e adolescentes percebem a vulnerabilidade da sua comunidade face ao risco de cheias.

Diante deste ponto, fez se a análise e interpretação dos dados com auxílio de SPSS 17 (Social Package Statistical Science) e Excel. Este processo teve a seguinte ordem: Classificação dos dados, análise e interpretação. Na classificação seguiu-se o processo elementar de organização de dados quantitativos, a criação de tabelas de distribuição de frequências agrupadas. Isto consistiu na distribuição de frequências não agrupadas apenas listando-as, numa coluna, todos os valores distintos da variável e, numa segunda coluna, as contagens das frequências de cada valor.

Enquanto na classificação qualitativa se baseou na caracterização por palavras ou categorias, sendo relativamente simples a forma de os organizar. Na análise e interpretação procurou-se compreender o sentido mais amplo das respostas, por sua ligação com outros conhecimentos já obtidos e teorias. 

  1. 5. Resultados e discussão

5.1.Caracterização do comportamento de cada prática local na previsão de cheias

Após o levantamento de todas as práticas usadas para previsão de cheias na comunidade, seguiu-se a fase de caracterização de todas elas, de modo a perceber a distinção das práticas.

O surgimento de ratos, formigas e pulgas no interior das residências este sinal local surge na maioria das vezes não só no interior das residências, mas também nos campos agrícolas em toda parte dos locais residenciais, os ratos apresentam uma agressividade no ataque de alimentos nos celeiros e nas machamabas chegando a destruir quase a metade do produto no celeiro e no campo. As formigas apresentam uma trajectória das zonas baixas para as altas, criando grandes buracos onde se instalam, por conseguinte transportando alimentos para a sua sobrevivência no período crítico, especificamente em épocas de cheias.

As pulgas surgem em locais empoeirados na maioria das vezes, mas nesta situação, observando o tipo de solo da comunidade em estudo, estas surgem em toda a parte nomeadamente em locais residenciais, chegando a atacar animais como as aves, suínos e caprinos, finalmente chegando a provocar parasitas que atacam o homem.

O aparecimento de vários pássaros sobrevoando a poucos centímetros da linha de água do rio Zambeze da montante a jusante por vários dias no período da tarde é um dos sinais usado também na previsão de cheias, segundo indivíduos fluentes na comunidade, dizem que este sinal, por se tratar de aves, acreditam que estes quando aparecem dão o maior sinal que o rio Zambeze irá transbordar grandes quantidades de água que poderá provocar cheias, visto que em alguma das vezes o tipo de passarinho não tem sido habitual da comunidade, mas sim, um tipo que só aparecem uma vez em cada ano nas vésperas de um fenómeno hidrológico.

O surgimento de vários passarinhos construindo ninhos nas margens do rio Zambeze também faz parte de algum sinal de previsão de cheias, mas segundo informações locais através dos inquiridos, este sinal da previsão de ocorrência de cheias com menor intensidades.

A floração de mangueiras com maior incidência por toda copa faz parte de maior sinal de previsão de cheias, e assim quando acontecem as populações naquele ano que isto acontece, preparam as suas residências em zonas seguras, assim acontece com a localização dos campos agrícolas, onde alguns campos preparam nas zonas seguras, ou seja, zonas altas e outros em regiões baixas mas em áreas menores.

As quedas pluviométricas no mês de Fevereiro acima da normal, provocando pequenas inundações em alguns rios e campos agrícolas faz parte também de sinais de previsão de cheias, assim maior parte da população inicia com a colheita de culturas produzidas nas zonas baixas ou de risco, como forma de minimizar perdas de alimentos.

O sopro do vento do continente para o oceano e do oceano ao continente acompanhado com pássaros é um dos sinais de previsão de cheias de menor intensidade, mas chegando a inundar campos agrícolas e alguns locais residenciais com cotas menores.

Todavia este sinal, observa-se nos períodos da tarde, principalmente nos meses de Setembro a Outubro, por vezes prolonga-se até o mês de Dezembro.

A cobertura de luar com nuvens faz parte de um dos sinais que os habitantes daquele local consideram muito, alguns habitantes chegaram a afirmar que este sinal observouse nos finais de 2000, provavelmente a comunidade não tenha dado muita importância, porque trata-se de um sinal muito antigo. Segundo um ancião da comunidade, sinal da mesma natureza aconteceu antes das cheias de 1954, ainda o mesmo afirma que em 2000 quando surgiu por 4 vezes nos meses de Janeiro e Dezembro, alguns populares interpretaram que a campanha agrícola seria de muita produção.

O mesmo ancião declarou que desde o passado a partir destes sinais conseguiam fazer previsão de cheias, e em caso de ocorrência não causava danos avultados, isto porque quando surgisse qualquer sinal era motivo de cada agregado preparar seus bens para zonas seguras.

5.2.Correlação de Praticas locais e informações cientificas para previsão de cheias e inundações

A abordagem metodológica permitiu a realização de inquérito aos habitantes da comunidade de Muriwa, a partir de um questionário com vista a estabelecer um padrão social dos inquiridos, juntamente com informações secundárias advindas de literaturas.

Neste caso, procurando relacionar as informações oficiais difundidas pelos órgãos responsáveis pelos sistemas de aviso prévio e as práticas locais, segundo informações dos inquiridos, maior parte da população declarou que as informações locais de previsão de cheias tem ajudando muito, principalmente desde 2001.

Contudo, para analisar a correlação das práticas locais e informações científicas de previsão de cheias, fez-se o cruzamento entre as respostas das perguntas 7, 8 e 10, onde na pergunta 7, todos inquiridos responderam que a sua comunidade tem sido fustigada por cheias, na pergunta 8, 192 inquiridos correspondendo a 94,6%, responderam que entre 2000 à 2011 receberam avisos de previsão de cheias e 11 habitantes que corresponde a 5,4 %, responderam que não tiveram conhecimento de ocorrência de cheias. Na pergunta 10, dos 203 habitantes envolvidos no estudo, 87,1% responderam que tiveram conhecimento de ocorrência de cheias a partir dos sinais locais, e 12,9% a partir de informações científicas.

Assim a correlação de grau de confiabilidade entre as informações científicas e práticas locais na previsão de cheias do período em estudo, segundo as analises realizadas a partir do método Skewnes a correlação é forte, porque o coeficiente de correlação entre as variáveis em análise é de 0.892, isto é, esta próximo de 1, equivalendo a 79.8% de grau de associação entre as práticas locais e informações oficiais, com um nível de significância igual a 0.05.

A correlação de convergência das práticas locais e informações científicas, para este cenário observou-se um coeficiente de correlação de 0.791, que corresponde a uma

forte correlação, com um nível de significância igual a 0,05. Assim nos faz entender que pode-se usar em paralelo as práticas locais e informações científicas para previsão de eventos extremos, em particular de origem hidrológico.

  1. 6. Conclusão

Pelos resultados obtidos, verificou-se que dos 203 habitantes inquiridos, 70,94% usaram práticas locais para previsão de cheias que ocorreram no período compreendido entre 2000 à 2011 e 29,06% não usaram práticas locais para prever cheias no período em estudo.

Portanto, dentre várias práticas que a comunidade desenvolveu, o presente trabalho na base de inquéritos realizados, verificou-se o uso com mais frequência, surgimento de ratos, formigas e pulgas no interior das residências 33,3%, aparecimento de vários pássaros sobrevoando a poucos centímetros da linha de água do rio Zambeze da montante a jusante 19,6%, floração de mangueira com maior incidência em toda a copa 16,5%, cobertura da lua com nuvens no período nocturno 18,8% e grande quantidade de quedas pluviométricas no mês de Fevereiro 11,8%.

As ocorrências dos sinais variam dentro do ano, sendo assim em Setembro se fazem sentir os surgimentos de ratos, formigas e pulgas no interior das residências, aparecimento de vários pássaros sobrevoando a poucos centímetros da linha de água do rio Zambeze da montante a jusante e ventos soprando do continente para o oceano, Julho, Passarinhos construindo ninhos nas margens do rio, Junho, Floração de mangueiras com maior incidência por toda copa e no mês de Janeiro, cobertura da lua com nuvens no período da tarde.

Quanto ao grau de confiabilidade entre as práticas locais e informações científicas na previsão de cheias de 2000 a 2011, com base na análise de dados nos forneceram um coeficiente de correlação igual a 0.892, com nível de significância de 0,05, ou seja 5% isto permite-nos afirmar que houve uma forte correlação entre as duas informações de previsão de cheias.

Com vista a perceber a intensidade ou força da convergência das práticas locais e informações oficiais de previsão de cheias, obteve-se o resultado que o coeficiente de correlação foi de 0.791, significando uma correlação forte entre as duas informações com nível de significância 0,05, ou seja, as informações oficiais assim como práticas locais contribuíram bastante na prevenção das cheias ocorridas no período de 2000 à 2011.

Referências Bibliograficas

ARA-SUL. Aplicação do Fews Sream Flow Model para a bacia de Incomáti, Maputo, 2008.

BENESSENE, Mário Vicente. Manual para interpretação da Previsões Sazonais, Vol.I, Maputo, 2002.

DGOTDU. Alterações climáticas e desenvolvimento urbano. Lisboa, Europress, Editores e Distribuidores de Publicações, Lda., 2009.

DOMINGOS, Salvador. Hidrometeorologia: Eventos extremos e aviso Prévio em Moçambique, Maputo, 2006.

Direcao Nacional de Água. Previsão de cheias, vol. III, Editora: Centro de formação profissional de água e saneamento, Maputo, 2002.

EGIDIO,Nuno M. Impacto da albufeira de pequenos Libombos no amortecimento de cheias no baixo Umbeluzi. Tese de licenciatura em Geografia, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, 1989.

Governo de Mopeia. Perfil do Distrito de Mopeia, Moçambique, 2005.

INAM. Sistema de aviso de cheias: bacia dos rios Umbeluzi, Incomáti e Limpopo. Relatório № 29/09, Maputo, 2009.

Instututo Nacional de Gestão de Calamidades. Plano de Contingência: Época Chuvosa e de Ciclones 2003/2004, Maputo, 2003.

Intergovernmental Panel on Climate Change. Summary for Policymakers. In: Intergovernmental Panel on Climate Change Special Report on Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation [Field, C. B. Barros, V., Stocker, T.F., Qin, D., Dokken, D., Ebi, K.L., Tignor, M. and P. M. Midgley], 2007.

JACINTO, R. As cheias na Cidade de Leiria: Contributo dos SIG para o Ordenamento do Território. Departamento de Geografia, Universidade do Porto. Mestrado, 2009.

LUMBROSO, Fernando, G. Dimensão socioeconómica e culturas das cheias: caso da província de Gaza. Maputo: ARPAC.2000.

MAROUN, Maria Regina. Adaptação Às Mudanças Climáticas. dissertação de mestrado em ciências e planeamento energético, universidade federal do rio de Janeiro. Brasil, 2007.

MASSAVANHANE, Rosa Paula Lucas. Avaliação do Impacto do sistema de aviso prévio nas comunidades do vale do Incomáti: Estudo de caso do Distrito de Manhiça, 1977-2000. Tese de licenciatura em Historia, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, 2008.

RIBEIRO, Daniel & DOLORES, Sílvia. Gestão da Bacia Hidrográfica do Médio e Baixo Zambeze em Períodos Críticos, Editor Justiça ambiental, Maputo, 2007.

SARAIVA, M. et, all. Recomendações para protecção e estabilização dos cursos de água. Ministério do Ambiente, Secretaria de Estado dos Recursos Naturais, INAG, Brasil, 1988.

SARMENTO, Francisco Jácome. Mudanças Climáticas: Impactos sociais, econômicos e ambientais no semi-árido brasileiro, Brasil, 2004.