Gleica Laísa Ribeiro Araújo Ferreira[1]

Aline Leal Gouveia Carvalho[2]

Francisco Alberto Carvalho Lima Filho[3]

RESUMO

 Recentemente, no julgamento da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”), várias teses foram objeto de debate entre os Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), dentre elas, a polêmica Teoria do Domínio do Fato. 

Sendo assim, funda-se a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre a Teoria do Domínio do Fato e a possibilidade de aplicação desta em crimes dessa natureza, ou seja, crimes decorrentes da administração pública.

Desse modo, o presente trabalho, justifica-se pela importância de se estudar as várias facetas apresentadas pelo tema, bem como fazer uma análise reiterada dos posicionamentos doutrinários e fundamentações quanto a sua aplicabilidade.

Buscando desta forma, apontar quando e qual a melhor forma de aplicação da teoria em análise no caso concreto. 

Palavras – Chave: Teoria do domínio do fato-Crimes decorrentes da administração pública-Ação Penal 470

INTRODUÇÃO

No campo do direito penal, uma das questões mais complexas encontra-se na construção de critérios de distribuição da responsabilidade em crimes praticados em concurso de agentes, em especial, quando esses delitos são cometidos em instituições e empresas. O questionamento gira em torno de como deve ser feita a distinção entre autor e partícipe, dentre aqueles que agiram dolosamente para o ato.

Surge em 1939, a Teoria do Domínio do Fato ou Teoria do Domínio do Facto, elaborada por Hans Welzel e desenvolvida em 1963 Claus Roxin, tal teoria defende que o autor não é só aquele que executa o crime, mas também aquele que possui o controle final da ação dirigida ao resultado típico.   

Recentemente, essa teoria foi mencionada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em debates da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”), causando grande polêmica.

Desta feita, abre-se o questionamento: seria então cabível a sua aplicação em todos os crimes decorrentes da administração pública?

Deste modo, o presente trabalho, utilizando do método de pesquisa bibliográfica, visa realizar uma análise sobre a aplicabilidade da teoria anteriormente citada em crimes decorrentes da administração pública, como assim ocorreu na Ação Penal 470. 

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA

Sabe-se que, em regra, a prática delituosa firma-se na intervenção de um sujeito por meio de uma conduta comissiva ou omissiva. A primeira trata-se da ocorrência de uma conduta positiva que por sua vez desatende a preceitos proibitivos, ou seja, a norma determina que não o faça e o agente faz.  Já a segunda trata-se da não realização de um comportamento finalista, que por sua vez desatende a mandamentos imperativos, isto é, a norma manda agir e o agente não o faz.

Entretanto, tal feito, com alguma frequência, não é ato de um só sujeito, mas sim resultante de várias condutas referentes a diversos sujeitos. Tais pessoas, por diversos motivos, unem-se e dividem tarefas das quais compõem a figura delitiva. Nesta situação, quando diversos sujeitos concorrem para prática de uma infração penal, estamos diante de um “concurso de pessoas”, como assim emprega o nosso Código Penal em seu Título IV (Art. 29). 

Em face da existência de crimes monossubjetivos (crimes praticados por um só sujeito) e plurissubjetivos (exigem pluralidade de agentes), há duas espécies de concurso, o necessário e o eventual.

No tocante à autoria, via de regra, entende-se como autor aquele que executa a figura típica descrita na lei, ou seja, autor é aquele que, por exemplo, subtrai (art. 155 do CPB), constrange (art.158 do CPB), mata (art. 121 do CPB). Não obstante, é também autor aquele que pratica o ato por meio de outrem ou o comanda intelectualmente.

Logo, há três teorias sobre a autoria: teoria restritiva (considera que autor é quem realiza a conduta típica); teoria extensiva (ver o autor como aquele que dá causa ao evento, ou seja, aquele que de qualquer forma contribui para a produção do resultado) e a teoria do domínio do fato, objeto de estudo. Teoria esta elaborada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida em 1963 por Claus Roxin, a qual considera que autor não é só aquele que realiza a conduta típica, mas também é autor aquele que detém o controle final do fato, ou seja, aquele que possui o controle final da ação dirigida ao resultado típico.  

 Como assim se confirma nas sábias palavras de Damásio E. Jesus (2003, p. 407):

Welzel, em 1939, ao mesmo tempo em que criou o finalismo, introduziu no concurso de pessoas a “teoria do domínio do fato”, partindo da tese restritiva e empregando um critério objetivo-subjetivo:autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente   o decurso do crime e decide sobre sua prática, interpretação e circunstâncias (“se”, “quando”, “onde”, “como”, etc.).

Tal teoria funda-se em princípios relacionados à conduta e não ao resultado, afastando desta forma a figura do partícipe, vez que este não tem o domínio do fato, apenas coopera , incita, induz, etc. Fundamenta tese restritiva, aplicando-se o critério objetivo-subjetivo, considerada assim mista.

Nas palavras de Damásio E. de Jesus (2003, p. 408), partidário desta teoria,  esta não exclui a restritiva, trata-se aquela de um complemento desta:                         

É a teoria que passamos a adotar. Em outras palavras, nossa posição adere à teoria do domínio do fato, que é uma tese que complementa a doutrina restritiva formal-objetiva, aplicando critério misto (objetivo-subjetiva). De notar-se, pois, que a teoria do domínio do fato, não exclui a restritiva. É um complemento. Unem-se para dar solução adequada às questões que se apresentam envolvendo autores materiais e intelectuais, chefes de quadrilha, sentinelas, aprendizes, motoristas, auxiliadores, indutores, incentivadores, etc. Sob rigor científico, é mais um requisito da autoria do que uma teoria do concurso de pessoas.

Não compartilha do mesmo posicionamento Fernando Capez:

O conceito unitário deve ser rechaçado de plano, pois não se pode equiparar aquele que realiza a conduta principal com o que coopera acessoriamente, como se ambos tivessem igualmente dado causa ao crime. Quem empresta a faca não está no mesmo patamar de quem desfere golpes. A teoria extensiva padece do mesmo vício e tenta remediar a injusta equiparação unitária, com um subjetivismo perigoso todos são autores, mas, no caso concreto, se uma conduta não se revelar tão importante, aplica-se a causa de diminuição de pena. Ora, não é mais fácil separar autor de partícipe? A posição mais correta é a restritiva. Dentro dela, o critério formal-objetivo, ainda que padecendo de certas deficiências, é o que mais respeita o princípio da reserva legal. (2007,p. 338).

Em sua obra Luiz Regis Prado faz a seguinte observação, (2008.p. 446):

De sua vez, Roxin faz a seguinte distinção no tocante à autoria: nos delitos de domínio- em sua maioria doloso-, autor é quem tem o domínio do fato (conceito finalista de autor);nos delitos que pressupõe a infração  de um dever- delitos omissivos impróprios, culposos e funcionais-, autor é todo aquele a quem  ser endereça o respectivo dever; por fim, nos delitos de mão própria, autor é aquele que realiza pessoalmente a ação típica (conceito restritivo ou objetivo- formal de autor).

Damásio E. de Jesus lista em sua obra grandes nomes que adotam a teoria:

Apresentando a finalidade como fundamento, como na teoria finalista da ação, é amplamente adotada pela doutrina: Welzel, Stratenwerth,Maurach, Wessels, Roxin, Schroder, Jescheck, Gallas, Blei, Zaffaroni, Muñoz Conde, Córdoba Roda, Rodríguez Devesa, Mir Puig, Bacigalupo, Enrique Cury e Bockelman; no Brasil: Manoel Pedro Pimentel, Alberto Silva Franco, Nilo Batista, Luiz Régis Prado, Cezar Bittencourt, Pierangelli e Luiz Flávio Gomes. (2003, p. 407/408).

Vale destacar que só há aplicabilidade da teoria em estudo nos crimes dolosos, quer sejam materiais, formais ou de mera conduta, vez que nos crimes culposos, inexiste distinção entre autoria e participação.

O Código Penal pátrio adotou a teoria restritiva, já que os arts. 29 e 62 fazem distinção entre autor e partícipe.

Para teoria em estudo, a autoria engloba quatro “tipos” de autoria, quais sejam:

a)- autoria propriamente dita, nesta  autor pratica  sozinho a conduta típica, neste cenário não há indutor, auxiliar ou instigador.

b)- autoria intelectual, trata-se daquele que programa a ação delitiva, ou seja é o mentor do crime.

c)- autoria mediata, aqui um sujeito serve-se de outrem para praticar o crime, aquele por sua vez tem o domínio da vontade executor.

d)- co-autoria, forma de autoria, considera co-autor como aquele que pratica o verbo do tipo penal. Trata-se da prática de um crime em cooperação, onde todos os integrantes detém o domínio da consumação do delito, existindo ou não uma divisão de tarefas. Sendo positiva, estamos diante de uma co-autoria parcial ou funcional, onde os atos executórios do crime é distribuído entre diversos autores, de modo que inexistindo o somatório das condutas  destes impossibilitaria a consumação do crime, deste modo o    delito é resultado das condutas divididas. Sendo negativa, a divisão, estamos diante de uma co-autoria direta, onde todos os agentes realizam a conduta típica. Ainda a podemos dividi-las em simples, quando dois ou mais executam a conduta típica ou complexa, quando um executa e o outro tratar-se de co-autor intelectual.

Autor, como dito anteriormente, é aquele que pratica o verbo da conduta a figura típica descrita em lei. Já partícipe é aquele que coopera de alguma maneira para que o crime aconteça, é aquele que induz, instiga (art. 62,II,III, do CPB).

Luiz Regis Prado assim conceitua participação, (2008, p. 450):

Entende-se por participação stricto sensu a colaboração dolosa em um fato alheio. É a contribuição dolosa- sem domínio do fato- em um fato punível doloso de outrem. Cuida-se de um conceito referencial, já que a participação é sempre acessória ou depende de um fato principal-teoria da acessoriedade mínima (conduta típica do autor).

Para quem concebe o tipo como conjunto de elementos que fundamentam uma determinada figura de delito (conceito pessoal de injusto), como aqui já gizado, é suficiente que a ação ou omissão do autor sejam típicas para que se possa responsabilizar também o partícipe. De conformidade com a concepção pessoal do injusto que distingue entre um desvalor da ação e um desvalor do resultado é suficiente o critério da acessoriedade mínima. A punição do partícipe depende de que o autor tenha executado uma ação típica.

 Entretanto tal distinção não é suficiente em determinadas situações, como por exemplo, o da autoria imediata, em que o sujeito vale-se de outrem para cometer o crime.

 Diante das referências citadas anteriormente, constata-se que a aplicabilidade da teoria do domínio do fato é objeto de divergência entre grandes nomes da doutrina brasileira, uns a afastam totalmente, já outros a dão uma interpretação exacerbada, tal cisão ganhou maior repercussão quando aplicada a teoria mencionada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em debates da Ação Penal 470 (conhecida popularmente como o “Processo do Mensalão”). Evidenciando desta forma a importância de uma pesquisa no sentido de analisar a aplicabilidade da teoria do domínio do fato nos crimes previstos no Título XI, arts. 312 a 359-H (Dos Crimes contra a Administração Pública) do nosso Código Penal.

 Objetivando averiguar se necessitaria a doutrina socorrer-se da teoria do domínio do fato para dar adequação necessária aos casos concretos da prática dos crimes anteriormente mencionados, atentando-se sempre na apreciação caso a caso em face da descrição do crime.

 REFERÊNCIAS 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral (arts. 1º a 120). – 11. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.1

JESUS, Damásio E. de, 1935 – Direito Penal. – São Paulo. Saraiva, 2003.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia de pesquisa no direito. São Paulo: Saraiva, 2003.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120– 8 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. – (Curso de direito penal brasileiro; v. 1). 

QUEIROZ, Maria Isaura de Pereira. Reflexões sobre a pesquisa sociológica: São Paulo, 1992.

VERGARA, Sylvia Constant. Pesquisa bibliográfica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

[1] Graduanda em Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte - CE, [email protected].

[2] Graduanda em Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte - CE, . [email protected].

[3] Graduando em Direito da Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE — Juazeiro do Norte – CE, albertoclf@hotmail.com.