Aplicabilidade da repersonalização do Direito Civil Brasileiro
Publicado em 03 de junho de 2015 por Larissa de Souza Gregolin
Por Larissa de Souza Gregolin, acadêmica de Direito da Faculdades da Indústria.
Traça-se, no atual cenário do Direito Civil brasileiro, a ideia de “repersonalização do Direito Civil”[1], ideia esta que, objetiva um aprofundamento interdisciplinar voltado para a preocupação com a pessoa humana e a sua dignidade, e não mais de modo abstrato como outrora.
O valor desta tutela está amparado em nossa Constituição Federal de 1988, com o expresso princípio da República Federativa do Brasil em seu artigo primeiro : “dignidade da pessoa humana”.
Com esta base, o direito das obrigações, tende a assegurar um equilíbrio entre a patrimonialização e o ser humano. Nas palavras de Paulo Lôbo[2], tem-se o “sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, ficando o patrimônio a seu serviço”.
São os princípios fundamentais de direito contratual: a autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Neste parâmetro, o que se espera é a correta aplicação da lei, mantendo a dignidade da pessoa humana e o contrato vinculado a sua função social, para que não seja abusivo e desleal.
Para a viabilização destes conceitos e, para propiciar o entendimento e reflexão sobre direito das obrigações atualmente, expõe-se à analise de um julgado.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em novembro do ano 2013, julgou[3] ação que compreende um contrato de compromisso de compra e venda de uma motocicleta Honda, mediante o preço de R$ 6.049,50.
No aludido contrato, ficou estipulado que o descumprimento do pagamento do financiamento implicaria em imediata rescisão do contrato, sendo possível a vendedora requerer a imediata reintegração de posse sobre o bem.
Houve atraso do pagamento da parcela de n.º 35 do contrato de financiamento. Ante o inadimplemento contratual, a vendedora propôs ação de reintegração de posse, objetivando seu restabelecimento na posse da motocicleta.
No entanto, o réu negou o inadimplemento contratual, sob a alegação do pagamento retardado da parcela n.º 35, pago à credora 3 dias (22/11/2010) antes do ajuizamento da ação (25/11/2010). Foi julgado improcedente o pedido de reintegração de posse, e tido o recurso como desprovido.
Em tal caso, há-se a caracterização de mora por parte do devedor, respaldado pelo disposto no Art. 397, do Código Civil: “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”, caracterizando-se o inadimplemento relativo culposo (mora). Inadimplemento relativo culposo nas palavras de Pablo Stoze[4] figura “prestação, ainda possível de ser realizada”, ou seja, mesmo que não tenha sido cumprido o pagamento no tempo, lugar e forma convencionados, ainda é possível a purgação da mora e, uma vez que for efetuado o pagamento ao credor da prestação devida, o devedor não é mais caracterizado como inadimplente.
Dispõe o artigo 401, I, CC: “Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;”. Ainda, é cabível ao sujeito em mora obrigação de indenizar pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento tempestivo, se no decurso de tempo entre o vencimento da obrigação e a emenda da mora correrem juros, estes serão devidos, conforme o disposto no artigo. 402, CC.
Nos contratos é importante manter uma relação, na medida do possível, equilibrada entre as partes, para que não se tenha uma desigualdade muito grande quando da execução do contrato. Frente à clausula expressa no contrato, referente a reintegração de pose, a mesma é abusiva, por haver a possibilidade de purgação da mora, assim manter a relação contratual, que por fim também encontra amparo no decreto-lei nº 911, art. 3º, § 2o.
Concluindo, portanto, a aplicação da lei manteve o respeito a essência do direito das obrigações, na forma preconizada por Paulo Lôbo; por ser configurado inadimplemento relativo, cessando antes da ação de reintegração.
O pagamento, mesmo que atrasado da parcela n.º 35 do financiamento, foi proveitoso, cessando os efeitos do inadimplemento relativo, e não sendo devida a restituição do objeto à vendedora (autora).
O julgado reflete a observância ao art.421, Código Civil, mantendo-se a relação societária para que se cumpra a função social do contrato, e não haja enriquecimento ilícito (art. 884, CC).
[1] SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. A Repersonalização do Direito Civil em uma sociedade de indivíduos: o exemplo da questão indígena no Brasil. p.2769-2789. XVI Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI, 2007. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/jose_carlos_moreira_da_silva_filho.pdf>. Data de acesso: 25/05/2015.
[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 17.
[3] nº 0004086-76.2010.8.26.0062/ TJSP. Relator(a): Gilberto Leme; Comarca: Bariri; Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/11/2013; Data de registro: 05/12/2013. Disponível na Internet: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>
[4] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de direito civil: Obrigações. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 311.