Por Larissa de Souza Gregolin, acadêmica de Direito da Faculdades da Indústria.


            Traça-se, no atual cenário do Direito Civil brasileiro,  a ideia de “repersonalização do Direito Civil”[1], ideia esta que, objetiva um aprofundamento interdisciplinar voltado para a preocupação com a pessoa humana e a sua dignidade, e não mais de modo abstrato como outrora.          
            O valor desta tutela está amparado em nossa Constituição Federal de 1988, com o expresso princípio da República Federativa do Brasil em seu artigo primeiro : “dignidade da pessoa humana”.          
            Com esta base, o direito das obrigações, tende a assegurar um equilíbrio entre a patrimonialização e o ser humano. Nas palavras de Paulo Lôbo[2], tem-se o “sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, ficando o patrimônio a seu serviço”.            
            São os princípios fundamentais de direito contratual: a autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. Neste parâmetro, o que se espera é a correta aplicação da lei, mantendo a dignidade da pessoa humana e o contrato vinculado a sua função social, para que não seja abusivo e desleal.
            Para a viabilização destes conceitos e, para propiciar o entendimento e reflexão sobre direito das obrigações atualmente, expõe-se à analise de um julgado.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em novembro do ano 2013, julgou[3] ação que compreende um contrato de compromisso de compra e venda de uma motocicleta Honda, mediante o preço de R$ 6.049,50.
No aludido contrato, ficou estipulado que o descumprimento do pagamento do financiamento implicaria em imediata rescisão do contrato, sendo possível a vendedora requerer a imediata reintegração de posse sobre o bem.
Houve atraso do pagamento da parcela de n.º 35 do contrato de financiamento. Ante o inadimplemento contratual, a vendedora propôs ação de reintegração de posse, objetivando seu restabelecimento na posse da motocicleta.
No entanto, o réu negou o inadimplemento contratual, sob a alegação do pagamento retardado da parcela n.º 35, pago à credora 3 dias (22/11/2010) antes do ajuizamento da ação (25/11/2010). Foi julgado improcedente o pedido de reintegração de posse, e tido o recurso como desprovido.
            Em tal caso, há-se a caracterização de mora por parte do devedor, respaldado pelo disposto no Art. 397, do Código Civil:  “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”, caracterizando-se o inadimplemento relativo culposo (mora).                      Inadimplemento relativo culposo nas palavras de Pablo Stoze[4] figura  “prestação, ainda possível de ser realizada”, ou seja, mesmo que não tenha sido cumprido o pagamento no tempo, lugar e forma convencionados, ainda é possível a purgação da mora e, uma vez que for efetuado o pagamento ao credor da prestação devida, o devedor não é mais caracterizado como inadimplente.

               Dispõe o artigo 401, I, CC: “Purga-se a mora: I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;”. Ainda, é cabível ao sujeito em mora obrigação de indenizar pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento tempestivo, se no decurso de tempo entre o vencimento da obrigação e a emenda da mora correrem juros, estes serão devidos, conforme o disposto no artigo. 402, CC.         
               Nos contratos é importante manter uma relação, na medida do possível, equilibrada entre as partes, para que não se tenha uma desigualdade muito grande quando da execução do contrato. Frente à clausula expressa no contrato, referente a reintegração de pose, a mesma é abusiva, por haver a possibilidade de purgação da mora, assim manter a relação contratual,  que por fim também encontra amparo no decreto-lei nº 911, art. 3º, § 2o.     
               Concluindo, portanto, a aplicação da lei manteve o respeito a essência do direito das obrigações, na forma preconizada por Paulo Lôbo; por ser configurado inadimplemento relativo, cessando antes da ação de reintegração.            
               O pagamento, mesmo que atrasado da parcela n.º 35 do financiamento, foi proveitoso,  cessando os efeitos do inadimplemento relativo, e não sendo devida a restituição do objeto à vendedora (autora).
               O julgado reflete a observância ao art.421, Código Civil, mantendo-se a relação societária para que se cumpra a função social do contrato, e não haja enriquecimento ilícito (art. 884, CC).



[1] SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. A Repersonalização do Direito Civil em uma sociedade de indivíduos: o exemplo da questão indígena no Brasil. p.2769-2789. XVI Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI, 2007. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/jose_carlos_moreira_da_silva_filho.pdf>. Data de acesso: 25/05/2015.

[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 17.

[3] nº 0004086-76.2010.8.26.0062/ TJSP. Relator(a): Gilberto Leme; Comarca: Bariri; Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/11/2013; Data de registro: 05/12/2013. Disponível na Internet: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1>

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de direito civil: Obrigações. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 311.