Apelação no Código de Processo Civil de 1973

          O Código de Processo Civil de 1973, apesar de representar inequívoca opção por uma nova lei processual e ter realizado um pequeno enxugamento dos recursos no contexto processual, ainda apresenta resquícios do pensamento jurídico-processual tradicional do CPC de 1939. Isto porque, o legislador não estava inspirado pelas premissas metodológicas ligadas à efetividade do processo, que hoje orientam a doutrina processualista.

            Essas novas premissas metodológicas tiveram grande influência na própria Constituição Federal de 1988, que veio a consagrar as garantias e os princípios processuais fundamentais, necessários para assegurar a justa e eficiente prestação jurisdicional. Sobre tais pilares ergueu-se a dinâmica reformadora do Código de Processo Civil de 1973.

            No que se pode considerar como um primeiro momento da reforma processual tem-se como destaque o oferecimento, no ano de 1992, de onze propostas de reformas ao CPC/73, sob o incentivo do Ministério da Justiça, das quais apenas uma foi rejeitada.

            Dentre as alterações obtidas com essas reformas no recurso de apelação, podemos destacar as seguintes: (i) maior intensificação no exame dos pressupostos de admissibilidade da apelação; (ii) possibilidade de retratação do órgão a quo após proferida sua sentença, na específica hipótese de decisão de indeferimento da inicial; (iii) incentivo à conciliação; (iv) a criação de punição de ofício pelo juiz contra a litigância de má-fé; (v) algum desapego à formalidade; dentre outras mudanças; (vi) criação da possibilidade de o relator proferir decisão monocrática em sede de apelação; dentre outras. [1]

            Após a introdução desse “bloco” de reformas, leis esparsas no tempo ainda trouxeram consideráveis alterações, tais como a flexibilização da aplicação de sanção por deserção, quando o valor fosse recolhido a menor, bem como a possibilidade do relator negar seguimento ao recurso que fosse de encontro ao entendimento dominante nos tribunais superiores (STJ e STF).

            Porém, ainda assim é possível a caracterização de um segundo momento de reforma processual que trouxe conseqüências ao recurso de apelação. Essa fase teve início com o advento da Lei nº 10.352/01, que alterou alguns dispositivos referentes aos recursos e ao reexame necessário. Especificamente em relação à apelação a mais significativa mudança refere-se ao artigo 515, §3º, do CPC/73[2]. Essa inovação consagrou o julgamento per saltum, desde que o encerramento do processo tenha sido indevido e esteja a causa em condições de ser julgada no mérito.

            Outra grande alteração nesse segundo momento de reforma processual foi a introduzida pela Lei nº 10.352/01, que, através do artigo 520, elenca as hipóteses de recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo. Por meio dessa alteração iniciou-se a observância de grande discussão quanto à concessão do duplo efeito à todos os recursos de apelação.

            Esse segundo momento teve o seu encerramento com o advento da Lei nº 10.444/02, que tratou, basicamente, de aperfeiçoar os institutos da audiência de conciliação, da antecipação de tutela e das medicas executivas coercitivas.

            Por fim, pode-se destacar a existência de um terceiro momento - que pode perdura até os dias de hoje - teve sua origem o final do ano de 2004, quando o Presidente da República, Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do Senado Federal firmaram um Pacto por um Judiciário mais rápido e republicano. Para tanto, foram apresentados vinte e três projetos (alguns já convertidos em lei), com o objetivo de realizar alterações contundentes no processo civil, penal e trabalhista.

            Merece destaque que a conversão dos referidos projetos em lei foi precedida da edição da Emenda Constitucional nº 45/04, conhecida como a “reforma do Judiciário”, que tornou cláusula pétrea a garantia à duração razoável dos processos judiciais, ao introduzir um novo inciso no artigo 5º da Constituição Federal.

            Especificamente quanto ao recurso de apelação, pode-se destacar as seguintes alterações: (i) a chamada “súmula impeditiva de recursos”[3]; (ii) possibilidade de supressão de nulidades existentes no processo pelo próprio relator, sem que haja necessidade de remessa dos autos ao orgão a quo para renovação do ato processual; (iii) estipulação de prazo de 10 dias para que o juiz de segunda instância que tenha pedido vista dos autos os devolva para prosseguimento do julgamento; dentre outras alterações.

            Além dessas alterações que atingem de maneira específica o recurso de apelação, merece destaque a criação do instituto das Súmulas Vinculantes, introduzida pela Lei nº 11.417/06, bem como as alterações realizadas nas execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, introduzidas pelas Leis nº 11.232/05 e 11.382/06, que também acabam por influir nos recursos de apelação.

            No entanto, o que merece maior realce no presente estudo e que se encontra neste terceiro momento é o anteprojeto para um novo Código de Processo Civil, que, se aprovado, trará profundas modificações na sistemática processual civil brasileira e, sobretudo, no recurso de apelação.

Apelação no Anteprojeto do novo CPC

            A proposta do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil apresentará grandes alterações para as relações processuais civis brasileiras. No presente tópico prender-me-ei ao exame das alterações que este anteprojeto trará especificamente ao recurso de apelação.

            As principais alterações trazidas por este anteprojeto são: (i) a regra será o recebimento das apelações no efeito devolutivo apenas, sendo exceção o recebimento da apelação no efeito suspensivo, o que, diga-se, ficará a critério do juiz da causa; (ii) em regra, as decisões interlocutórias não mais serão alvo de agravo de instrumento, entretanto, em havendo qualquer irresignação quanto a estas, o interessado deverá suscitar seu inconformismo no recurso de apelação, sendo certo que será extinto o instituto da preclusão no primeiro grau de jurisdição quanto às matérias decididas por meio de decisões interlocutórias; (iii) o juízo de admissibilidade formal do recurso de apelação será exclusivo à superior instância.

Ausência de efeito suspensivo como regra no recebimento do recurso de apelação

 

            A partir de tais alterações, mostra-se clara a intenção do legislador de tornar o recurso de apelação mais célere em nosso ordenamento, e em muito se aproximando do procedimento do recurso ordinário já existente na Justiça do Trabalho, em que as decisões interlocutórias são discutidas tão-somente no momento do julgamento do referido recurso.

            Ainda, merece destaque que a tendência do processo civil em tentar se aproximar dos procedimentos adotados pela processualística da área laboral, na busca por uma maior celeridade processual, já vem sendo adotada em outras reformas já realizadas. A esse respeito, cabe transcrever as palavras do Professor Sergio Pinto Martins:

“[...] O procedimento sumário do processo civil não deixa de ser uma maneira da aplicação do princípio da economia processual, de forma a proporcionar maior rapidez. O juizado de pequenas causas idem. O procedimento sumário previsto no processo civil foi copiado do processo do trabalho, da audiência una, da apresentação da contestação em audiência, tanto escrita como oral, como se verifica no artigo 278 do CPC. O atual §2º do artigo 278 do CPC, de acordo com a redação da Lei nº 9.245, de 26.12.95, estabelece que se houve necessidade de produção de prova oral sera designada outra audiência para data próxima, que não poderá exceder  trinta dias, o que se observa no processo do trabalho naquelas Juntas que fazem a audiência inicial (para apresentar contestação), a de instrução e a de julgamento. A decisão teoricamente deveria ser mais rápida, no prazo de noventa dias, como se verificava da antiga redação do artigo 281 do CPC. Na atual redação do artigo 281 do CPC estabelece-se que os debates são orais – como ocorre no processo do trabalho – sendo que o juiz proferirá sentença na própria audiência ou no prazo de dez dias. [...]

Vem se modernizando, entretanto, o Direito Processual Civil, conforme as reformas que foram feitas, utilizando certos procedimentos que foram novidades no processo do trabalho (perito único, audiência uma, citação postal e etc.). Está o processo civil se aproximando do Direito Processual do Trabalho, nos seus procedimentos de vanguarda [...]”[4]

            O anteprojeto deixa de prever quais as hipóteses em que a apelação será recebida apenas no efeito devolutivo - o que é feito hoje pelo artigo 520 do CPC - com o claro intuito de tornar como regra o recebimento do recurso somente no efeito devolutivo e a exceção ser o recebimento no duplo efeito.

            A supressão do efeito suspensivo como regra se harmoniza com a idéia de celeridade na execução - ainda que provisória -, serve de instrumento de combate contra recursos procrastinatórios e, ainda, valoriza o juiz da inferior instância.

            Por fim, merece destaque que o juízo de admissibilidade formal será realizado somente na superior instância, ao contrário do que ocorre na sistemática vigente, em que o juízo de admissibilidade ocorre perante a inferior instância.

            Assim, o juízo de admissibilidade ficará restrito a uma única análise, diferentemente do que ocorre hoje, em que se tem o juízo de admissibilidade tanto na inferior instância quanto na superior instância. Tenho para mim que essa medida trará ínfima melhora da morosidade processual, já que a simples análise da admissibilidade não se apresenta como grande causa da morosidade vista hoje na tramitação dos processos.

Reforma como solução da morosidade no processo civil

            Conforme já exposto no presente capítulo, o anteprojeto para o Novo Código de Processo Civil tem como objetivo causar profundo impacto no processo civil brasileiro, tentando simplificar o procedimento, e, assim, muito se aproximando ao direito processual do trabalho. No que concerne ao recurso de apelação, a sistemática deste recurso se aproximará consideravelmente à sistemática do recurso ordinário trabalhista.

            Inobstante, a dúvida que surge é se será esta a solução para se combater a morosidade hoje encontrada no judiciário brasileiro. Ao que tudo indica, e considerando que, embora mais célere que as demais, a própria justiça do trabalho ainda apresenta enorme lentidão nos processamentos e julgamentos de suas causas, não parece ser esta a solução definitiva para o problema da patente morosidade da justiça nacional.

            Hodiernamente, inúmeras são as críticas à grande lentidão no processamento e julgamento das causas trabalhistas. Assim é que até na área em que a justiça apresenta maior celeridade, esta não se mostra suficiente ao clamor da sociedade. O Professor Roberto Davis trata com precisão do assunto:

“[...] Ao revés do que possa parecer a certos espíritos céticos ou desiludidos com nossa algaravia jurídica, a celeridade no Processo do Trabalho, a exemplo daquela aspirada pelo direito adjetivo comum, londe de ser um mito, corresponde a uma premente necessidade social, melhor dizendo, configura inarredável objetivo político, que pode e deve ser alcançado. Do qual, aliás, teve nítida percepção o incipiente legislador que instituiu os primeiros mecanismos estatais de composição dos conflitos ocorridos entre as forças de produção.

Não obstante, com o passar do tempo, tal meta se foi distanciando, cada vez mais, da nossa realidade forense. Por força de sucessivos fatos e circunstâncias que nos levaram à deplorável situação em que o dispendioso aparelho montado para solucionar, com agilidade e firmeza, os dissensos trabalhistas, revela-se incapacitado de satisfazer sua finalidade.

Porém, reverter tal situação, que desalenta os trabalhadores, sacrifica o erário e desprestigia as instituições, contaminando a paz social e obstruindo o próprio desenvolvimento econômico da Nação, já configura, felizmente, unânime consenso de todos quantos ansiam a materialização de uma justiça trabalhista rápida, eficaz e qualitativamente perfeita.[...]”[5]

            Ao que parece, a idéia de simplificação do procedimento por meio de reforma legislativa para consecução da efetividade do processo mostra-se louvável, já que significa que os operadores do direito não estão inertes e buscam alcançar os anseios da população como um todo.

            No entanto, a mudança na lei não deve ser a única forma de se combater a demora na prestação jurisdicional. É possível dizer que essa idéia – de mera reforma legislativa - tem se mostrado constantemente ineficaz pela prática forense, já que reforma após reforma legislativa, em que são propostas “soluções” para todos os males, a lentidão dos procedimentos judiciais persiste.

            Renomados autores já asseveram que um bom método de se tentar combater a demora na prestação jurisdicional seria investigar, nos órgãos que compõem o aparelho judiciário, por meio de análise estatística, os serviços dos agentes que prestam os serviços públicos de jurisdição à população, sejam eles magistrados, técnicos ou analistas, de modo que seja possível identificar as reais necessidades de cada órgão como forma de destrinchar o problema da morosidade.

            Urge enfrentar e analisar não apenas a lei em si, mas também o impacto entre a ação das partes que postulam a prestação jurisdicional e a conduta dos órgãos encarregados de realizá-la. E o que empiricamente se constata é que, malgrado as sucessivas alterações das leis processuais, a Justiça continua rotineira e ineficiente, apegada a métodos arcaicos e que, faltamente, redundam em julgamentos tardios, que mais negam do que distribuem a verdadeira justiça.

            Fato é que, em verdade, o retardamento dos processos decorre não só das diligências e prazos determinados pela lei, mas, precipuamente, das etapas mortas, do tempo consumido pelos agentes da Justiça para praticar os atos que lhes competem.

            Assim é que, indubitavelmente, o processo demora muito em função da inércia, e não apenas de má-escolha legislativa – considerado, nesse ponto, o excessivo número de recursos existentes em nosso ordenamento . Acerca do tema, vale transcrever trecho retirado de artigo escrito pelo professor Humberto Theodoro Júnior.

 

“[...]Que adianta fixar a lei processual um prazo de três ou cinco dias para determinado ato da parte, se, na prática a secretaria do juízo gastará um mês ou dois (e até mais) para promover a respectiva publicação no diário oficial? Que adianta a lei prever prazo de noventa dias para encerramento do feito de rito sumário se a audiência só vem a ser designada para seis meses após o aforamento da causa, e se interposto o recurso de apelação, só nos atos burocráticos que antecedem a distribuição ao relator serão consumidos vários meses ou até anos?.[...]”[6]

            Dessa forma, é evidente que a mera reforma na legislação não será capaz de tornar realidade o acesso à justiça e a efetividade o processo, eis que, para isso, há de se ter reforma não apenas nas leis, mas na justiça como um todo. Não restam dúvidas que a lei deve e tem que simplificar o procedimento, para que este se torne clarividente. Da mesma forma, é inquestionável que o processo civil vigente apresenta um número excessivo de recursos, que, por óbvio, retardam a marcha dos processos.

            Todavia, de nada adianta uma profunda reforma na lei se o Poder Judiciário não apresentar um número suficiente de juízes, promotores, defensores públicos ou dativos, técnicos, analistas e auxiliares da justiça de uma forma geral. Ademais, é imperioso que o Poder Judiciário procure, cada vez mais, valer-se de métodos modernos, com investimento maciço e o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis.

            Igualmente, precisa-se de uma reforma dos serviços judiciários e do aperfeiçoamento de seus operadores em todos os níveis. Afinal, sem aprimorar os homens que irão manejar os instrumentos jurídicos, qualquer reforma legislativa será ineficaz para subjugar o deficiente acesso à justiça que a Justiça hoje proporciona.

            Por todo o exposto, não há que se negar que a aproximação com a sistemática processual trabalhista trará benefícios à sua celeridade processual no processo civil. Porém, mas que isto, faz-se necessário que os operadores do direito assumam postura de maior ousadia e criatividade e não se atenham apenas à reforma no CPC.



[1] Alterações obtidas por meio das leis: Lei nº 8.950/94; Lei nº 8.952/94; Lei nº 9.135/95

[2] Art. 515, §3º, do CPC: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

[3] A Lei nº 11.276/06 acrescentou ao artigo 518 do CPC o parágrafo primeiro, que assim dispõe: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 22ª edição, Editora Atlas, 2004, p. 123.

[5] DAVIS, Roberto. A celeridade no processo do trabalho: estratégias para alcançá-la. Revista de Direito do Trabalho, Brasília, v. 1, n. 05/95, 05/95, p. 45.

[6] JUNIOR, Humberto Theodoro. Celeridade e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Insuficiência a Reforma das Leis Processuais. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6, n. 36, p. 19-37, jul./ago. 2005