Bárbara Fischer Caldas

 

 

RESUMO:

 

O presente texto tem o desiderato de analisar, de forma não exaustiva, a situação da execução penal no Brasil e as condições carcerárias existentes no nosso país com atenção voltada para a implantação da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).

Tal situação deve ser analisada à luz da constituição e da questão acerca da privatização ou terceirização do sistema carcerário, debruçando-se sobre a possibilidade jurídica de tal realidade e do enquadramento da APAC nesta realidade jurídica.

 

PALAVRAS-CHAVES:

 

Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC. Privatização no sistema carcerário. Função da pena. Modelo americano.

 

1. INTRODUÇÃO:

 

A atual situação do sistema carcerário brasileiro pode ser claramente traduzida pelos números que a traduzem.

 

O Conselho Nacional de Justiça implantou, recentemente, uma ferramenta na internet que fornece as informações acerca dos estabelecimentos prisionais no país. Tal sistema foi nomeado por Geopresidios[1].

 

De acordo com este sistema, adotando apenas uma análise de relação entre preso x vagas, no Brasil não há nenhuma unidade da Federação que possua uma relação positiva neste índice.

 

Observando atentamente constata-se que o Estado que possui o relação menos deficitária é o Estado do Piauí, onde faltam, atualmente, 972 vagas para acomodar os presidiários.

 

No Estado de Minas Gerais, segundo o site disponibilizado pelo CNJ, a relação entre preso e vaga está negativa em 13.515.

 

Portanto, adotando meramente uma análise de relação entre quantidade de vagas e número de detentos a situação brasileira é claramente calamitosa e falida.

 

Todavia é importante observar que a análise sobre a aplicação da pena não pode ser restrita unicamente na relação de vagas em presídios ou a construção de novos estabelecimentos. Tal análise deve ser realizada, também, averiguando se a aplicação das penas atinge o objetivo para o qual foram criadas.

 

O sistema normativo brasileiro adotou como pena máxima das infrações das normas vigentes a restrição de liberdade. Esta restrição objetiva a produção de duas situações na sociedade e no indivíduo.

 

Em primeiro lugar a restrição de liberdade tem o desiderato de ressocializar o infrator da norma penal. Restringindo o seu direito de ir e vir e, através de medidas que deveriam ser adotadas pelos estabelecimentos carcerários, o Estado tem por fim possibilitar que este criminoso possa, posteriormente, ser reintroduzido na sociedade de forma a não mais cometer os delitos que o levaram a ser condenado em uma sanção penal.

 

O segundo objetivo da pena é servir como claro inibidor da conduta tipificada no ordenamento penal. O êxito neste ponto é de tal forma necessário que ele é capaz de fazer com que ocorra consideráveis quedas nos índices de ingresso nos estabelecimentos carcerários.

 

A situação no caso da aplicação de penas no Brasil se torna mais preocupante quando se observa que, diante da ausência de vagas como citado anteriormente, há um alto índice de reincidência dos presos.

 

Não se olvide que toda esta situação ainda está permeada pela complicada situação do ingresso e saída de presidiários do sistema.

 

Em observação aos princípios constitucionais, no sistema normativao pátrio, temos o princípio da oficialidade que rege a atuação do Estado nas questões afetas ao direito penal.

 

Nos casos de crimes que se enquadram na situação de ação pública incondicionada o Estado é, além de julgador e executor da sentença, o autor da ação penal.

 

O que se observa, portanto, é um aporte de demandas judiciais muito superior aquelas que são solucionadas, bem como o número de indivíduos que são reintegrados à sociedade de forma satisfatória.

 

Diante deste quadro que se apresenta muitas são as propostas apresentadas para tentar solucionar a falida situação carcerária brasileira. Dentre aquelas apresentadas uma das que mais se destaca é a APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), a qual será o tema do presente trabalho.

 

2. A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO.

 

O descaso dos governantes, tem gerado todo o caos carcerário. Para muitos a intervenção da iniciativa privada seria a solução para que a atual situação seja mudada, e o sistema prisional cumpra com a sua função precípua, a recuperação efetiva do condenado, através da humanização da pena e valorização da pessoa humana.

 

A parceria pública privada, método no qual os recursos privados são utilizados para construção e operacionalização do serviço público, tem sido uma boa alternativa para a recuperação do sistema prisional brasileiro. Essa parceria torna-se essencial a partir do momento em que se vê a impossibilidade de investimento pelo Estado na infraestrutura das penitenciárias em todo o país.

 

Nessas parcerias, as entidades privadas se encarregam da gestão diária dos presídios e da reabilitação dos presos, e o Estado assume a responsabilidade de controlar a disciplina e de promover a segurança das unidades prisionais.

 

Muito tem se discutido pelos doutrinadores a respeito das parcerias público-privadas no que tange o sistema penitenciário brasileiro, conforme se verá abaixo.

 

Para Júlio Fabbrini Mirabete, na privatização, deve-se separar as atividades inerentes à execução, podendo ser atribuídas às entidades privadas as atividades administrativas e atividades de execução material, sendo inaceitáveis a privatização das atividades jurisdicionais, bem como a atividade administrativa judiciária.

 

Damásio de Jesus, argumenta sobre o tema cautelosamente:

 

“A privatização é conveniente desde que o poder de execução permaneça com o Estado. O que é possível é o poder público terceirizar determinadas tarefas, de modo que aqueles que trabalham nas penitenciárias não sejam necessariamente funcionários públicos. Mas advirto: se fizermos isso, não se abrirá caminho para a corrupção”.

 

Em contrapartida, Hely Lopes Meirelles argumenta que os serviços públicos propriamente ditos, cuja Administração está diretamente ligada a comunidade, devido ao seu caráter eminentemente essencial e necessário para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Sendo assim, tão serviços são considerados privativos do Poder Público, sendo que só a Administração deve prestá-lo sem delegação a terceiros.

 

Após muito se debater do presente tema, vê-se que o quadro atual do sistema prisional brasileiro jamais conseguirá ser revertido pelo método aplicado atualmente. A modernização da Administração Pública aliada à iniciativa privada tem sido o mais sensato em termos de mudanças nas penitenciárias brasileiras.

 

2.1. MODELO DE PRIVATIZAÇÃO AMERICANO.

 

Nos Estados Unidos, a privatização denominada de contratos de aquisição de serviços, exerce um papel de destaque no sistema americano. A Súmula 1981 da Suprema Corte americana determina que não haja obstáculos que impeçam a implementação da implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado averiguar a possibilidade de implantação em relação à qualidade e segurança da execução penal.

 

A rapidez e a baixa nos custos na implantação de novas unidades tornam o investimento interessante, considerando a escassez de vagas nas penitenciárias públicas.

 

Importante informar ainda que nos Estados Unidos a privatização do sistema prisional chega a 100%, sendo que nos estados onde há pena de morte até a execução desta é feita pelo ente privado[2].

 

Vale ressaltar que no Brasil, a privatização utilizaria instrumentos normativos já existentes, como a Leis de Licitações e as PPP’s. Os condenados continuaram a gozar os mesmo direitos previstos na Codificação Penal brasileira. A privatização se daria por meio de um contrato.

 

3. APAC - HISTÓRICO E CONSIDERAÇÕES

 

A Associação de Proteção e Assistência ao Condenado foi uma metodologia surgida em 1972 pelo advogado paulista Mário Ottoboni.

 

O referido advogado era membro da pastoral carcerária e inicialmente idealizou o referido método que outrora era denominado como “Amando ao Próximo Amarás a Cristo”.

 

A associação possui uma organização não governamental e se configura como uma entidade civil direito privado, juridicamente estatuída nos moldes previstos no Código Civil.

 

A APAC, portanto, possui uma proposta de atuar com o presidiário de uma forma diversa daquela adotada pelo Estado. A associação está alicerçada sobre 12 elementos essenciais, conforme relacionados na cartilha veiculada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que são participação da comunidade, recuperando ajudando o recuperado, trabalho, religião, assistência jurídica, assistência à saúde, valorização humana, família, voluntariado, Centro de Reintegração Social, mérito e jornada de libertação em Cristo.

 

A APAC, por sua vez, opera como mera entidade auxiliar dos Poderes Judiciário e Executivo na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade em todos os regimes existentes na lei de Execução penal.

 

Importante observar que o modelo criado pela APAC foi reconhecido pela Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que se caracteriza por ser o órgão consultivo da Organização das nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários.

 

Outro fator importante que se deve destacar da diferença entre a APAC e o sistema convencional penitenciário é o índice de reincidência.

 

De acordo com notícia veiculada no STJ e extraída do trabalho acadêmico de Lucas Costa intitulado "APAC: alternativa na execução penal" de 2007:

 

Hoje, segundo o Superior Tribunal de Justiça-STJ- (2002), se tem mais de cem unidades pelo Brasil e em diversos países no mundo, tais como Canadá, Argentina, Estados unidos dentre outros. O STJ (2002) e Alves (2005) dizem que o índice de recuperação dos que se submete ao método APAC é de  91%. Já nos modelos tradicionais o índice é de 15% de recuperação. E, segundo o STJ (2002), nunca foi registrada nenhuma rebelião nos presídios adotantes do método APAC.

 

Portanto, a disparidade e efetividade observada entre os dois sistemas de gerencia dos estabelecimentos carcerários é gritante e sempre a favor do APAC.

 

4. CONCLUSÃO

 

A conclusão que se extrai de toda a situação apresentada é que a manutenção do sistema carcerário atual significa permanecer em uma situação que está claramente demonstrando sinais de ineficácia e não cumpre com os princípios constitucionais, sendo que ataca frontalmente os princípios da dignidade humana.

 

Observa-se ainda que no Brasil há uma alternativa viável, que já se encontra implantada em alguns estados, sendo esta metodologia internacionalmente reconhecida e obtendo resultados eficazes de maneira sólida e legal.

 

Não há, ainda, nenhuma restrição legal, ao nosso ver, para a implantação da APAC no sistema penitenciário, tendo em vista que não se trata de uma privatização do sistema, mas apenas de uma possibilidade de otimizar a recuperação do infrator por meios mais racionais e em estrita observância ao ordenamento jurídico nacional.

 

Ademais, a configuração da APAC em associação sem fins lucrativas afasta a maior preocupação que paira sobre o assunto, qual seja a transformação do presidiário em mercadoria, o que não ocorre no modelo estudado.

 

5. BIBLIOGRAFIA

 

CNJ -Geopresidios: disponível em http://www.cnj.jus.br/geo-cnj-presidios/?w=1366&h=768&pular=false <Acessado em 27/05/2012>

 

MEIRELLES, Hely Lopes.  Direito  Administrativo  Brasileiro. 22. ed. São Paulo:

Malheiros, 1997. In ARAÚJO NETO, Eduardo.  Aspectos sobre a privatização dos presídios no Brasil. Disponível em: <http://www.pgj.ce.gov.br>. Acesso em 27/05/2012.

 

JESUS,  Damásio de,  Reportagem da revista Problemas Brasileiros, nº 401 Set/Out 2010, Portal do SESC SP. Disponível em: <http://www.sescsp.org.br>. Acesso em 27/05/2012.

 

Cartilha da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Disponível em:<http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/repositorio/id/20535> Acessado em 27/05/2012

 

COSTA, Lucas. APAC: Alternativa na execução penal, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte 2007. Disponível em: <http://www.carceraria.org.br/fotos/fotos/admin/Sistema%20Penal/Sistema%20Penitenciario/Apac_alternativa%20na%20execucao%20penal.pdf>

 

CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Privatização do sistema prisional brasileiro. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2006.

 


[1](conforme acessado em 27/05/2012:  http://www.cnj.jus.br/geo-cnj-presidios/?w=1366&h=768&pular=false)

 

[2] CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Privatização do sistema prisional brasileiro. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2006.