Luana Massette

Thiago Pinheiro da Silva

RESUMO 

Realiza-se um breve estudo sobre a importância do Relativismo Cultural para a Declaração Universal dos Direitos Humanos de forma que o respeito pela diferença do outro seja fundamental para o convívio respeitoso entre sociedades tão distintas e que carregam consigo sua importância cultural.  Abordam-se os aspectos gerais sobre o relativismo cultural. Disserta-se sobre a relação existente entre o relativismo cultural e os Direitos Humanos. 

PALAVRAS-CHAVE

Direitos Humanos. Preconceito. Relativismo Cultural.  

“A humanidade está constantemente às voltas com dois processos contraditórios, um tende a criar um sistema unificado, enquanto o outro visa manter ou restaurar a diversificação.” 

Claude Lévi-Strauss 

INTRODUÇÃO        

Após a Segunda Guerra Mundial e o massacre nazista aos judeus, os países reuniram-se para elaborar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que tem como principal objetivo garantir a dignidade da pessoa humana através da preservação de direitos individuais que são considerados fundamentais, tais como a liberdade e a igualdade.

O desprezo pelos direitos individuais teve várias conseqüências que marcaram a história da humanidade, como se pode perceber através dos regimes totalitários que se instalaram na Europa no século XX: nazismo e fascismo, dos quais será feita uma exposição do primeiro.

 Muitos atos cruéis que demonstraram a discriminação e a intolerância pelo outro, poderiam ser evitados, se e somente se os autores e mandantes de tais atos tivessem a consciência do relativismo cultural ao invés do etnocentrismo. Se houvesse respeito pela diferença cultural.

Os Direitos Humanos tornou-se universal, e está assegurado por todos os Estados-membros comprometidos com o bem estar social de sua população, uma vez que ele respeita as diferenças culturais que a sociedade possui, e oferece “poder” para que essa diversidade cultural seja realizada sem sofrer discriminação. Será visto como o relativismo cultural que não estabelece valores universais contribuiu para a elaboração dos Direitos essenciais ao ser humano.

2. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

A história da humanidade é produzida a partir de fatos e ações do passado que estabelecem uma interligação com o presente e o futuro; através das ações realizadas há a intervenção no mundo, tornando-o diferente e gerando dessa forma um novo condicionamento de vida para o presente e o futuro.

É essencial falar sobre a história como um meio para a promulgação dos Direitos Humanos, pois, foi através de ações desumanas que marcaram a humanidade de tal forma, que levaram os países a se reunir e elaborarem a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O contexto histórico que antecede a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi o melhor, existiam regimes totalitários na Itália e Alemanha, tornando-se um dos fatores para a eclosão da Segunda Guerra Mundial. A análise feita por Aranha[1] sobre totalitarismo afirma:

“Ao mesmo tempo em que mobiliza as massas, o totalitarismo destrói a autonomia dos indivíduos, ao arregimentá-los a partir de uma ideologia imposta pelo terror, a fim de evitar a dissidência: a espionagem onipresente, (...), faz com que todos se sintam vigiados e ameaçados de expurgo, prisão, deportação e morte.”

O totalitarismo como forma de governo, despreza os direitos dos indivíduos e desrespeita a dignidade do ser humano, tratam os indivíduos como coisas descartáveis e não como seres humanos que são. Na Alemanha, esse regime ficou conhecido como Nazismo, seu líder era Adolf Hitler, e tinha o primado da ação, não se preocupando com a questão dos princípios, ocasionando assim o fanatismo e a violência; esse regime apresentava um nacionalismo exacerbado e conotação racista.

O preconceito para Aranha[2] significa conceito ou opinião formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos; a questão do preconceito está internalizada dentro de muitas culturas, e se percebe através de análises de culturas diferentes da nossa, a partir de nossos valores culturais, apresentando uma visão etnocêntrica, ao se considerar a nossa cultura preferível a de outrem.

O preconceito representa perigo quando nossas convicções se tornam dogmáticas, não permitindo uma reavaliação da mesma, assim o preconceito se torna uma fonte de intolerância, e também de violência. A discriminação é a não-aceitação da diferença, e como exemplo desta, está o racismo, muito praticado na Alemanha nazista.

O etnocentrismo é um ponto de vista, pelo qual se afirma que minha cultura é melhor, superior as demais. No etnocentrismo exaltam-se as qualidades do próprio grupo, avaliando os demais através do que é considerado como desejável, gerando assim uma forma de discriminação, quando se vê os outros povos como inferiores e excluídos dos privilégios que possuem os que são “superiores”. Não há um olhar horizontal, mas verticalizado e hierárquico.

A perseguição sofrida pelos judeus, homossexuais e ciganos foi estabelecida por Hitler ao adotar critérios para valorizar a “raça ariana”, esta ideologia trouxe conseqüências dramáticas para esses grupos, consideradas por ele como uma raça inferior. Entre as medidas adotadas por Hitler estão às difusões de técnicas de eugenia, a proibição da mestiçagem, esterilizações, pois somente os seres “sãos” deveriam se reproduzir, e a ida de milhares de judeus para os campos de concentração bem como o seu genocídio.

A Alemanha nazista além de ser um Estado totalitário era um estado racista, que dava pouco valor ao direito à vida. A raça ariana era considerada por Hitler como a única capaz de trazer o progresso à civilização, e, portanto deveria permanecer pura, pois se houvesse mistura das raças, haveria a degeneração dos indivíduos.

Para evitar a degeneração da raça, ele expulsa os judeus, mandando-os ao campo de concentração, e os exterminando. Durante a Segunda Guerra Mundial mais de seis milhões de judeus foram exterminados, e esse genocídio fez parte de uma política de governo, que para o Estado alemão era uma atitude legal, mas se sabe que foi fruto da discriminação e da não aceitação da diferença das “raças”, por parte do ditador alemão Hitler.

Depois da Guerra, muitos acordos foram firmados entre diversos países visando à preservação das gerações vindouras, e utilizando como principal instrumento para isso os direitos humanos. Alguns desses acordos foram a Carta de São Francisco de 1945 que fundou a Organização das Nações Unidas (ONU), Pactos Internacionais de Direitos Civis e a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, como um dos principais meios para alcançar a finalidade exposta acima. De acordo com Bittar[3]:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é um documento jurídico autônomo, (...) sendo a forma encontrada pela comunidade internacional de eleger os direitos essenciais para a preservação da dignidade do ser humano. Trata-se de um libelo contra o totalitarismo. Seus 30 artigos têm como objetivo principal evitar que homem e mulher sejam tratados como objetos descartáveis.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece uma nova política mundial, pois está voltada para a proteção do ser humano e seus direitos, assim pode ser considerada como uma política de proteção. A vontade manifesta dos países que a elaboraram, era instaurar uma nova ordem mundial, diferente da que vigorava na época.

A Declaração surge como reação à violência ocorrida na Segunda Grande Guerra, garantindo a homens e mulheres direitos essenciais como a vida, liberdade, segurança jurídica, direitos políticos, sociais, culturais, dentre outros. Ao reafirmar os direitos fundamentais do ser humano, a Declaração almeja evitar os horrores e destruições provocados pela visão etnocêntrica e discriminatória de Hitler.

O principal direito que a Declaração deseja proteger é a dignidade da pessoa humana, uma vez que este se liga ao direito de liberdade e de respeito, pois todos podem agir livremente desde que respeitando a liberdade e o espaço do próximo, e, por isso, devem ser respeitados por outros que não conjugam da sua cultura ou modo de pensar.

Assim, a dignidade da pessoa sendo um valor constitutivo mostra uma direção a ser seguida para se alcançar a finalidade que foi proposta nesse acordo porque quando desrespeitado esse valor, suas conseqüências são assombrosas como foi exemplificado acima.

 

 

 

3. ASPECTOS GERAIS SOBRE O RELATIVISMO CULTURAL

 

 

De acordo com Herkovits[4] uma das maiores contribuições da antropologia para a questão do lugar do homem no mundo foi apresentar respostas que conduziram uma posição cultural relativista, pois assim, a sociedade passa a entender que não existe cultura superior a outra, e sim que existem culturas diferentes com valores iguais e na mesma intensidade.

O Relativismo Cultural tem como princípio os dados de estudo de campo realizados em grupos sociais diferentes, pelos quais são conhecidos os valores e normas morais desses grupos sem uma visão avaliativa de superioridade e inferioridade.

Na infância se aprende alguns critérios de avaliação como bons ou maus, que são ensinados a partir de uma visão imposta culturalmente do nosso grupo social, portanto, assim como acontece na nossa sociedade esses mesmos critérios são ensinados em outro lugar de acordo com as convenções daquele local e grupo social, o que remete à idéia de que esses critérios são relativos ao tempo e ao espaço, e dessa forma não se pode considerá-lo como superior ou inferior.

Não há variações das normas e valores somente em locais de culturas diferentes, pois, como a cultura está em constante mudança, acontecem mudanças dentro de uma mesma cultura e sociedade, a partir da origem das novas gerações.

Apesar dos valores ensinados em cada sociedade serem relativos ao tempo e espaço, isso não significa que eles não existem pelo simples fato de serem relativos, pois existem e devem ser respeitados. Ao contrário do que muitos expõem, o relativismo afirma a existência de valores, e são valores diversos, e por isso mesmo devem ser vistos com respeito e tolerância pelos demais grupos sociais que não os utilizem, como meio para se garantir a dignidade da pessoa humana e sua liberdade de escolher os princípios que deseja seguir.

O relativismo cultural busca o respeito às diferenças entre os povos de culturas diferentes, para que isso não gere a intolerância e discriminação, o que pode trazer conseqüências desastrosas para a história da humanidade, como aconteceu no nazismo alemão e na Segunda Guerra Mundial. O papel do relativismo cultural é afirmar os valores que cada cultura possui, para desta forma retirar a concepção etnocêntrica de que minha cultura é superior e melhor do que a de outro povo.

 

 

4 - A RELAÇÃO ENTRE O RELATIVISMO CULTURAL E OS DIREITOS HUMANOS

 

O relativismo cultural reconhece que todas as sociedades possuem valores em seus costumes, e afirma que todos sem distinção devem ser respeitados. A inclusão de grupos com tradições culturais diferentes no sistema de cidadania dos Estados pode gerar conflitos, porque cada indivíduo possui normas e culturas distintas, mas se for analisado pari passu o outro a partir de uma visão relativista, esses problemas poderão se extinguir, uma vez que irá acontecer uma maior aceitação da diferença, diminuindo a discriminação.

A instrução dos indivíduos a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos[5] deve estar fundamentada no respeito ao outro, conforme consta no seu Art. XXVI, 2: “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos (...)”, como pode se perceber, a tolerância e o respeito pela diferença é um dos elementos para a garantia da paz.  

O relativismo cultural é uma forma de reconhecimento aos valores das sociedades, almejando assim garantir a dignidade dos seus costumes, e a tolerância das diferenças para os povos. A importância do relativismo cultural na elaboração dos Direitos Humanos está apresentada no respeito à diversidade cultural e a tolerância pela diferença, que este ensina, pois a intolerância as diferenças no regime nazista teve como conseqüência o genocídio de milhares de judeus.

A promulgação dos Direitos Humanos trouxe a garantia dos direitos essenciais e individuais, bem como o da dignidade humana que está interligada com o respeito e a liberdade como já foi exposto acima, a relação entre esses direitos e a cultura pode ser mais bem analisada pela visão de Lima[6]:

“(...) o espírito humanitário do pós-guerra ganhou força com a assinatura de tratados e compromissos ético-legais entre os países de hegemonia política e social. Foi assim que teve início a era do imperialismo humanitário no ocidente, aonde a cultura dos direitos humanos vem sendo seu representante mais exemplar. Esta nova forma de humanismo propõe a defesa dos direitos individuais, com a garantia de proteção cultural e moral a certos grupos mais vulneráveis. Com mais força que todos os discursos naturalistas que o antecederam, a cultura dos direitos humanos espalhou-se pelo mundo, sendo, ainda hoje, uma referência obrigatória para quase todos os Estados-Nação e entidades superiores que os regulamenta.”

 

A cultura faz parte da vida humana em sociedade. Os direitos fundamentais consagram a vida humana como algo inviolável, e, portanto qualquer violação de quaisquer dos trinta artigos da Declaração dos direitos humanos representa um atentado contra o Direito da sociedade universal. Ao contrário do que muitos afirmam, mesmo que o relativismo cultural não estabeleça valores universais, este foi fundamental a sua elaboração, pois ensina em seus princípios gerais o respeito à diferença do outro, gerando assim um meio pacífico de convivência de indivíduos em sociedade.

 

CONCLUSÃO

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 tinha como um dos objetivos instalar uma nova ordem mundial, desta vez, assegurando a paz para os indivíduos, diferentemente da que até então estava em vigor, representada pela dizimação dos judeus na Segunda Grande Guerra.

Através da contribuição da Antropologia, que estabeleceu o relativismo cultural como fonte de tolerância e respeito às diferenças, essa Declaração conseguiu reunir alguns direitos universais com valores sociais diferentes, para que servissem de direção para o alcance da paz entre os indivíduos e países.

É importante ressaltar que o Relativismo cultural mesmo não apresentando em sua tese, valores universais, contribuiu como disciplina social de respeito às diferenças, como forma para reduzir a discriminação entre os povos, evitando assim que horrores como o genocídio dos judeus por ordem de Hitler não se repita. O princípio de respeito à diferença pregada pelo relativismo cultural, é um dos mais importantes mecanismos utilizados para se conseguir viver em sociedade.

Os redatores com o presente trabalho puderam constatar como a antropologia é importante na confecção e execução dos direitos humanos. Ela é a ciência que estuda o homem pelo próprio homem e, por isso, deveria ser mais estudada e pesquisada não só por futuros operadores do direito, mas desde a educação básica para que o indivíduo saiba respeitar as diferenças em todas as áreas presentes na vida social quando se tornar adulto.

A antropologia perpassa tudo que se refere à natureza humana e é primordial nos estudos de alguém que almeja seguir na carreira jurídica, pois o mesmo terá que dar soluções aos diversos problemas apresentados em qualquer esfera social.

REFERÊNCIAS

 

 

 

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2001.

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2007.

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

 

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 22 de outubro de 2010.

HERKOVITS, M.J. .Antropologia cultural. São Paulo: Meetre Joe. 1996.

LIMA, Roberto Kaut e Novaes; REYS, Regina (Orgs.). Antropologia e direitos humanos. Rio de Janeiro: EDUFF, 2001.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 15ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.



[1] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2007.

[2] Id. Temas de filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2001.

[3] BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 564

[4] HERKOVITS, M.J. .Antropologia cultural. São Paulo: Meetre Joe. 1996.

[5] Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 22 de outubro de 2010.

[6]LIMA,Roberto Kaut e Novaes; REYS, Regina (Orgs.). Antropologia e direitos humanos. Rio de Janeiro: EDUFF, 2001.