Antonímia: Resquício Linguístico dos Dualismos Metafísicos ?


Romano Antonio Scardua Modenesi Pereira


Em termos linguísticos o conceito de antonímia tem sido muito interrogado. Perini (1996:249-250) questiona mesmo sua validade: "não há nenhuma relação semântica (e/ou lógica) que se aplique a todos esses casos". Isso porque, semanticamente é difícil achar dois termos que estejam de fato em oposição ou que sejam contrários, independentemente da posição que ocupam nos discursos.
Porém, quando esse tema é pensado semanticamente, forçosamente caminha-se em direção aos sentidos socialmente produzidos e aos fatores envolvidos nessa produção, tais como intencionalidades, efeitos de sentido, lugares sociais dos interlocutores, etc. Sob essa perspectiva a antonímia quase que perde a sua razão de ser enquanto um conceito, já que raramente dois temos encontram-se de fato em oposição ou contradição estabelecida, anteriormente ao momento da produção discursiva. (cf. Ilari e Geraldi, 1977).
O sentido de um termo não existe de forma determinada, ele é produzido constantemente por elementos inter-relacionados. Elementos estes que, por sua vez, também estão se constituindo incessantemente através da linguagem, que não é apenas instrumento de comunicação ou do pensamento individual. A busca se define não apenas por "quem", "quando" ou "o que" significa, mas especialmente por "como" significa.
A relação tensa e contraditória entre os sujeitos produtores e analisadores de um texto, as condições (históricas, sociais, culturais, ideológicas, discursivas) que estruturam suas formações e consequentemente sua linguagem; proporcionam uma dinâmica pela qual esses elementos estão se constituindo de forma incessante e imprevista.

Fica evidente a complexidade e daí a dificuldade de se estabelecer conceitos, critérios, métodos, posições para se captar o sentido de um termo, texto ou discurso. Porém, ao se pensar em produção de sentido, cria-se uma possibilidade mais flexível e, portanto, mais abrangente e viável de se empreender essa tarefa.
A história e o percurso do pensamento argumentativo ocidental são tematizados através de alguma forma de dualismo metafísico. Buscar possíveis relações entre as problematizações filosóficas pelas vias dualistas metafísicas, e as discussões linguísticas sobre antonímia e antinomias é o propósito desta reflexão.
Para defender a tese de uma relação direta entre a natureza dual de nossa linguagem, expressa especialmente nas antonímias, e os sistemas dualistas metafísicos, buscarei argumentar através de uma descrição histórica dos principais sistemas de pensamento filosóficos-científicos da cultura ocidental.
Na história do pensamento filosófico-científico ocidental o começo das problematizações sobre a natureza das coisas foi a busca por explicações argumentadas e naturais acerca da origem (arqué) e do modo de existência do mundo (cosmo). Essa abordagem teve início no século VI a.C. com os pensadores ditos pré-socráticos, os filósofos da physis, isto é, da natureza. Até então, as pessoas se contentavam com descrições que falavam da origem e funcionamento do mundo de forma mítica, apontando para causas sobrenaturais.
Dentre esses pensadores, destacam-se as postulações de Parmênides e Heráclito. A comparação ou contraposição entre os sistemas pensados por Parmênides e Heráclito foi o atrito que repercutiu nos vários sistemas de pensamento propostos por pensadores interessados em desvendar a verdade, em explicar a realidade fundamental, a origem primordial, a causa inicial e o fundamento último, inquestionável, capaz de explicar de forma absolutamente irrefutável todas as coisas. O caráter altamente ambicioso dessa pretensão já indica uma determinação na explicação, isto é, aponta para uma necessidade, que acabou se confirmando, de se criar sistemas de pensamento que, se não recorrem a uma linguagem mítica, produzem seus próprios misticismos: os sistemas metafísicos.
As reflexões posteriores de Aristóteles sobre Parmênides e Heráclito, dada a influência do pensamento de Aristóteles e a qualidade metafísica do pensamento de Parmênides e Heráclito, realçaram e moldaram os pensamentos na direção de sistemas metafísicos.
Parmênides postulava uma realidade monista, aonde o ser é. O que se apresentava como mobilismo ou multiplicidade não era real, mas apenas aparente. A via da aparência é a via aonde o Ser não é. Aqui temos já uma metafísica bem definida, dicotômica. Em seu famoso poema, Parmênides distingue a verdade das opiniões. O que é real, a verdade, é desde sempre e jamais se transforma, isto é, o monismo. Mas o mundo das coisas que percebemos, múltiplo e móvel, é o mundo das aparências, das opiniões, portanto ilusório, irreal.
Para Heráclito a mobilidade era a regra fundamental, postula um mundo aonde tudo é movimento. A tensão entre os contrários é o "fogo" criador, transformador e também responsável pela harmonia, pelo equilíbrio que sustenta esse mundo. Mas essa relação dialética, esse dualismo, se dá no próprio mundo, é imanente; um processo que pode ser entendido como um dualismo "horizontal". O logos é o princípio unificador do real e elemento básico da racionalidade do cosmo. A realidade possui uma unidade básica, unidade na pluralidade, a unidade dos opostos. No fragmento 50, "Dando ouvidos não a mim, mas ao logos, é sábio concordar que todas as coisas são uma única coisa". Por esse fragmento é razoável supor que uma contradição, em Heráclito, entre monismo e mobilismo se resolve com a distinção entre percepção e razão.
Com Platão, temos duas fases bem distintas e consequentemente dois tipos diferentes de dualismos metafísicos. Na primeira fase, compreendida pelos diálogos socráticos, através de uma forte crítica ao relativismo dos sofistas, para quem o "o homem é a medida de todas as coisas", Sócrates defende o conhecimento da verdade única, episteme, em detrimento da opinião, do senso comum, doxa.
Na "Segunda Navegação", Platão cria a teoria das idéias ou das formas, e assim surge a metafísica clássica. O dualismo agora não é contraditório, é dicotômico. Começa na filosofia a história da divisão, da separação, da inferiorização do mundo das aparências e da elevação do mundo das idéias. O dualismo agora se torna "vertical", um lado é imanente e outro transcendente, e uma hierarquia é estabelecida na relação. Existe em Platão uma influência clara do pensamento de Parmênides e das polemizações entre este monista e os mobilistas. Entretanto, somente a partir de Platão é que a divisão entre essência e aparência perde o respeito quase pudico que o poema de Parmênides mantinha. A metafísica ganha definições claras e precisas, a hierarquização coloca valores definitivos, as analogias aproximam os conceitos metafísicos da práxis, do agir humano, da ética.
Aristóteles desenvolve um pensamento sobretudo a partir de uma crítica tanto à filosofia dos pré-socráticos quanto à filosofia platônica, conforme observamos na Metafísica, sua principal obra filosófica. O ponto central da crítica de Aristóteles a Platão consiste na rejeição do dualismo representado pela teria das idéias. A relação que esta supõe existir entre o mundo inteligível e o sensível, compõe o que Aristóteles configura como o paradoxo da relação. Se a relação é interna, não se trata mais de um dualismo, se é externa necessita-se de um número infinito de pontos externos de intersecção para efetuá-la. Nenhum dos casos dá conta de explicar a relação entre o mundo inteligível e o sensível. Para evitar esse paradoxo, Aristóteles tenta construir sua metafísica baseada no mundo real, evitando assim o dualismo dos dois mundos. Postula então que tudo o que existe é a substancia individual, pertencente ao mundo concreto. Entretanto, esses indivíduos são, por sua vez, compostos de matéria, seu principio de individuação, e forma, a maneira como, em cada indivíduo, a matéria se organiza. De certo modo, Aristóteles joga o dualismo platônico para dentro do indivíduo. Matéria e forma são indissociáveis, constituindo uma unidade, a matéria só existe na medida em que possui uma determinada forma, a forma por sua vez é sempre forma de um objeto material concreto. É o intelecto humano que, pela abstração, separa matéria de forma no conhecimento da realidade, relacionando os objetos que possuem a mesma forma e fazendo abstração de sua matéria, de sua características particulares. Aristóteles tenta resolver o impasse, ainda presente em Platão, entre o monismo de Parmênides e as teorias pré-socráticas do fluxo e do movimento. Para tanto introduz distinções significativas como o problema do ser e a teoria da causalidade. Considera que as dificuldades e problemas enfrentados nessa polêmica é conseqüência de confusões conceituais. Porém, se lançarmos um olhar atento e isento sobre seu sistema, encontraremos presente o dualismo metafísico que tanto tentou se livrar. Não se consegue concordar tranquilamente que matéria e forma tenham a mesma constituição, que a forma é material.
O período histórico compreendido entre o final do helenismo (sécs. IV-V) até o Renascimento e o início do pensamente moderno (final do séc. XV e séc. XVI), aproximadamente dez longos séculos, corresponde à filosofia medieval. O pensamento filosófico fica de alguma forma submetido ao pensamento teológico. Os sistemas metafísicos anteriores são preservados. Santo Agostinho aproxima o cristianismo do platonismo, enquanto São Tomás de Aquino faz uma aproximação semelhante do cristianismo com o aristotelismo, abrindo o caminho para o desenvolvimento da escolástica. Santo Anselmo e Guilherme de Ockham são outros pensadores que se destacam nesse período, preservando também, de alguma forma, os sistemas metafísicos anteriores.
Descartes, com a dúvida hiperbólica, criou um ponto de certeza: a de que a dúvida existe. Originou assim a atitude crítica e decretou o fim das certezas empíricas e científicas, gerando assim a metodologia científica. Essa mesma atitude permitiu que duvidássemos dos nossos sentidos, da existência então do nosso próprio corpo. chegamos à radicalização do dualismo, estabelecendo a separação entre mente e corpo, sujeito e objeto, eu e o mundo. Até então, o homem era pensado como no mundo. O ser agora já não é mais parte inseparável do universo. Todas as formas de dualismo podem ser resumidas a esta: sujeito (essência, espírito) e objeto (aparência, matéria).
O empirismo constituiu-se como uma filosofia contraria ao racionalismo instalado por Descartes. Mas ambas possuem um caráter eminentemente crítico, rompendo assim com a tradição e sendo responsáveis por isso pelo início do pensamento moderno. No empirismo a experiência é tomada como guia e critério de validade. A frase de inspiração aristotélica resume o pensamento empirista: "Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos." ("exceto o próprio intelecto", teria provocado Leibniz). Francis Bacon (1561-1626) propõe que o homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se "uma criança diante da natureza". Para John Locke (1632-1704) a mente é como uma "folha em branco", a tabula rasa, na qual a experiência deixa suas marcas. David Hume (1711-1776), o mais empirista dos empiristas, considerado como cético por uns e naturalista por outros (considerava supérflua essa distinção, pois nossos impulsos naturais não fundamentam o conhecimento, apenas o descrevem), questiona a realidade objetiva de dois princípios ou pressupostos fundamentais da tradição filosófica: a causalidade e a identidade pessoal. Para Hume estes princípios são conseqüência de uma conjunção constante entre fenômenos que projetamos na realidade, e não uma conexão necessária.
E, este debate entre racionalistas defendendo que tudo que existe é relativo à mente que está interpretando e os empiristas e realistas, para quem tudo que sabemos provém da experiência sensorial, marca a trajetória do pensamento filosófico-científico ocidental.
Kant tenta conciliar este dualismo, entre a razão e a experiência, propondo a primazia da primeira, que constrói o saber, mas mantendo a experiência como o alicerce para a razão se desenvolver. Aqui, razão e experiência remetem ao dualismo básico acima citado: eu sou a razão e o mundo é a experiência.
Hegel constrói todo um sistema baseado na contrariedade dual, a dialética histórica, para explicar a ordem da relação entre as coisas do mundo. Assim como Heráclito, Hegel postula que é a tensão entre os opostos é que está na base de tudo e é assim fonte criadora de todas as coisas.
Hegel, Nietszche, Heidegger, queriam "destruir" a metafísica, para eles a grande doença da filosofia ocidental, a "história de um erro", a cisão entre o mundo sensível e o inteligível. Mas nenhum conseguiu escapar, segundo seus melhores críticos, de algum tipo de abordagem que trazia em si, uma formatação metafísica. Para Nietsche, a linguagem que herdamos da metafísica, essencialista, causal, cientifico, é incapaz de descrever a realidade, ela estica e corta a realidade através de conceitos.
William James (1842-1910) significou uma enorme alteração no pensamento contemporâneo ocidental. A sua premissa fundamental é o "integralismo". James afirmou (até 1906) que a filosofia ocidental não havia feito nada senão viver indo de um extremo a outro no entendimento da existência: de Parménides (como algo sempre estático) a Heráclito (como algo sempre em mudança), deAristóteles (com a sua insistência no material como critério de verdade) a Platão (com as idéias como parâmetro do certo), de Hegel (com o idealismo) a Auguste Comte (com o positivismo). E assim, sem nunca lograr uma concepção medida da existência, onde o cambiante e o estável, o material e o abstracto, se harmonizem.
Alguns filósofos que dedicaram atenção às questões da linguagem, como Heidegger e Wittgenstein, e mesmo alguns lingüistas, entenderam que a polêmica sobre o dualismo na verdade se esconde nas questões da linguagem, com sua natureza paradoxal e seu poder sobre o homem (MARCONDES, 2008a e 2008b).
Jacques Derrida (1930-2004) inicia nos anos 60 a desconstrução da Filosofia. Levando aos limites o contraste entre termos bipolares, Derrida é invariavelmente levado à necessidade de criar e reelaborar novos termos capazes de superar toda a relação dialéctica simples que nos permitisse reduzir o pensamento à ordem do calculável. Desta forma, Derrida irá levar a cabo uma exaustiva desconstrução de inúmeras cópulas de opostos subjacentes à metafisica tradicional, onde ele vai encontrar sempre, por baixo da cristalização dos conceitos, não apenas uma indeterminação dos limites de um em relação a um outro, abrindo-se em quiasmos indecidíveis, como também, senão sobretudo, uma subordinação hierarquizante de um ao outro, oposições que se reconhecem nas copulas ontológicas primeiras e suas múltiplas declinações: o inteligível e o sensível, o espontâneo e o receptivo, a autonomia e a heteronomia, o empírico e o transcendental, o imanente e o transcendente, como o interior e o exterior, o fundador e fundado, ou o fonético e a escrita na linguística, a razão e a loucura na psicanálise, o sentido próprio e o sentido figurado na literatura, o masculino e o feminino na teoria dos géneros, o homem e o animal na ecologia, a besta e o soberano no campo politico, a teoria e a prática no próprio pensamento.
Para Richard Rorty a maioria do que sabemos sobre o membro superior e privilegiado das oposições metafísicas é uma questão de efeitos de contraste com o membro inferior e desprezado. Poderemos alguma vez fazer melhor do que Parmênides fez. O misticismo, ou a via negativa, ou o sagrado silêncio wittgensteiniano, parecem ser as únicas opções. O contraste kantiano entre o fenomenal e o numenal é um outro vulgar exemplo deste tipo de problema. Necessitava dos númenos, das coisas-em-si, para dar sentido à sua alegação de que o mundo espácio-temporal era fenomenal, meramente aparente. Assim como a forma em Aristóteles e o infinito em Spinoza. O idioma positivista, o chamado modo formal do discurso, é mais satisfatório porque trata a inteligibilidade como uma propriedade das expressões lingüísticas em vez de coisas. Converte desse modo a metafísica em filosofia da linguagem, aproximando-a da descrição de Derrida do sonho no âmago da filosofia.
Gianni Vattimo (1936) se ocupou da ontologia hermenêutica contemporânea, acentuando sua ligação com o niilismo - entendido como enfraquecimento das categorias ontológicas. Assim, contrapõe o pensamento fraco, uma forma particular de niilismo, às diversas formas de pensamento forte, isto é, aquelas baseadas na revelação cristã, no marxismo e outros sistemas ideológicos. Segundo Vattimo, a partir das filosofias de Nietzsche e principalmente de Heidegger, instaura-se uma crise irreversível nas bases cartesianas e racionalistas do pensamento moderno. Propõe uma filosofia baseada no enfraquecimento do ser como chave de leitura da pós-modernidade, mas também nas formas de progressiva redução da violência, de passagem a regimes políticos democráticos, de secularização, pluralismo e tolerância, como impulso à emancipação humana e à superação das diferenças sociais. Sua proposta filosófica é uma resposta à crise das grandes correntes filosóficas dos séculos XIX e XX: o hegelianismo com sua dialética, o marxismo, a fenomenologia, a psicanalise, o estruturalismo. O pensamento fraco é uma atitude pós-moderna que aceita o peso do "erro" , ou seja, do efêmero de tudo o que é histórico e humano. É a noção de verdade que se deve adequar à dimensão humana, e não vice-versa. Assim, a verdade é criação, jogo, retórica.
No pensamento oriental, hinduístas, budistas e taoístas, expressam há milênios que interpretamos o mundo de modo dualista, mas que a realidade seria monista (CAMPBELL, 2006). Usam de uma linguagem intuitiva, mítica, poética, mas, nas palavras de alguns filósofos e físicos ocidentais, como Capra, Heisenberg, Feyerabend, são maneiras mais adequadas para expressar a realidade sub-atômica. A teoria dos campos e a teoria dos sistemas, por exemplo, não podem ser descritas através de proposições lógicas, mas apenas explicadas por analogias nunca suficientemente próximas.
A antonímia não seria a reprodução, dentro da linguagem, dos paradoxos existentes nas relações dualistas metafísicas? Ou seria a metafísica uma conseqüência da natureza dual da linguagem? A relação entre duas coisas nunca pode ser contrária, visto que somente a característica da unidade é que possibilita uma relação entre elas. A filosofia não sustenta a dualidade metafísica como fundamento, apenas necessita desse modo para constituir seu discurso.
O uso e o ensino de antonímia já não ocorrem de modo sistemático, a partir do cotejo entre os significados de palavras isoladas. O que se trabalha são oposições de idéias dentro do texto, o que não pode ser chamado de antonímia. Contudo, o conceito ainda é usado e transmitido de algum modo, não sistematizado, provocando uma quase naturalização da antonímia como instrumento na linguagem. Desse modo esse conceito é garantido não só pela escola, pelos professores, mas pelos pais, nas conversas cotidianas, na mídia, repassando uma idéia de que a realidade é dual.
Apesar das oposições dualistas ser uma necessidade epistemológica, isto é, no mundo lógico ser o modo de conhecermos as coisas, esta contrariedade se sustenta quando analisado seus fundamentos? A única característica que torna possível vermos contrariedade entre duas coisas é a unicidade na natureza de suas constituições. Analogamente, o dualismo seria assim a face revelada de uma realidade monista?
Mas, se a relação entre as coisas aponta para uma unicidade, um monismo, onde tudo se conecta, a variedade das próprias coisas nos mostra uma multiplicidade, uma alteridade, nas suas formas de ser. O monismo, assim como o dualismo como princípio ontológico, portanto, tem fundamento?
A linguagem filosófica-científica que usamos é resultado de um lento processo de transformação e adaptação da linguagem à sua utilidade, isto é, a linguagem foi se tornando cada vez mais instrumental, um mecanismo destinado a distinção, conceituação e classificação das coisas, efeito e causa num ciclo incessante, do caráter eminentemente utilitarista, metódico, objetivista de nossa organização cultural e social.
A despeito de termos raízes na cultura judaico-cristã, não herdamos os traços místicos da cultura judaica. E também, tendo raízes na cultura grega, não herdamos seus aspectos míticos. A base do nosso pensamento é o argumento, herdado do movimento reflexivo que transformou a cultura grega a partir do séc. VI a.C. Buscamos argumentativamente a verdade, a essência, o fundamento. O objeto desta busca ainda carrega a marca mítica e suas possíveis respostas apontam para um viés místico.
Nossa linguagem é utilitarista, científica, e, para tais propósitos, cercada, cerceada por jogos, mecanismos, baseados num dualismo metafísico dialético de persuasão, numa relação epistemológica e política do saber com o poder, para vencermos a competição pelo argumento mais verdadeiro. A questão é o que é ser mais verdadeiro? Qual critério poderia definir a força de uma verdade? Em nosso sistema linguístico a verdade é um lugar definido por ela própria, sustentado pela lógica. Mas a lógica tem os seus limites, seus pontos cegos, pois aponta e apóia-se em si mesma, numa dialética intra-discursiva. É, portanto, impotente para apontar ou expressar uma hipotética realidade mais verdadeira, seja sensorial, racional, subjetiva ou objetiva.


BIBLIOGRAFIA PRINCIPAL

ABRAHÃO, Virginia Beatriz Baesse. A perspectiva da produção de sentido. In: LINS, Maria da Penha Pereira; YACOVENCO, Lílian Coutinho (Org). Caminhos em Lingüística. Vitória: NUPLES/DLL/UFES, 2002. p. 218-230.

CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1983.

CAMPBELL, Joseph. Mitos de Luz ? Metáforas Orientais do Eterno. São Paulo: Madras, 2006.
MARCONDES, Danilo e JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008a.

_____________________________________. Iniciação à História da Filosofia ? Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2008b.

PERINI, Mário A . Gramática descritiva do português. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1996.

CANÇADO, Márcio. Manual de Semântica: noções básicas e exercícios. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.
ILARI, Rodolfo & GERALDI, João Wanderlei. Semântica. SP: Cultrix, 1977.
LYONS, Jonh. Semântica I. Lisoa: Presenaça, 1980.
___________. Língua(gem) e Lingüística uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar,1982.
MARI, Hugo. Os lugares do sentido. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2008.
PALMER, F. R. A semântica. Lisboa: Edições 70, 1976.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. A História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2009.