Anormal.

Admito sem a menor vergonha: sou anormal. Sinto-me anormal, ajo como anormal e penso como um anormal. Ultrapassado, vetusto e completamente alienado. Não assisto e detesto televisão, principalmente a mais corruptora de valores dentre elas. Abomino tantas “boas lições” que fornecem, às torrentes, de como trair; enganar; aplicar elasticidade ao conceito de verdade; roubar “legalmente”, entre outras “pérolas”. Para ser justo, devo admitir que muito raramente ocorre uma boa informação na telinha, mas é tão raro que, ver um oceano de lixo entre uma e outra, é um preço alto demais para conhecê-las. Por isso prefiro deixar passar, por um estranho e anormal amor ao ato de pensar. Pela minha anormal fixação por valores ultrapassados, como família, por exemplo.

Sou e estou completamente fora de moda. Não ando na moda. Aliás, o que é moda mesmo?

Gosto de conversar com as crianças, pois as entendo como mais inteligentes que os adultos. Os velhos como eu, têm diálogos que me atraem, ensinam. Possuem tantas coisas para partilhar, que não consigo ignorá-los, como faço com a TV. Sentir-me-ia incompleto sem a sabedoria deles.

Creio na preservação da Natureza, enquanto o mundo inteiro quer me provar que ela é dispensável. Execrável impunemente. Sem importância, diante do poder material vigente.

Amo as religiões, todas elas, mas detesto a maioria dos religiosos, que pretendem provar que possuem procuração para falar em nome de Deus, enquanto cifrões pulsam em lugar do coração. Só entro em uma igreja se estiver vazia. Isso em termos, porque elas jamais estão vazias para observadores com sentimento. Pois às vezes quando aparentam estar vazia, estão mais repletas que nunca.

Amei meus pais a vida toda e agora que se foram, amo-os mais ainda, através da saudade que permanece como um plano de fundo constante na memória.

Sou anormal, porque sou apolítico. Não por opção, mas por não ter exatamente uma opção. São tantos porcos (no pior dos sentidos) se fingindo humanos, que é melhor ficar de longe. Atuar, votar criteriosamente, mas eqüidistante de toda a sujeira.

Sinto-me anormal por abominar a miséria resultante dos desmandos daqueles que a deviam combater, mas não estão “nem ai”.

Sei que estou “soando” anormal, como anormalmente sou, mas é que detesto irresponsabilidade. É um crime (roubo) alguém ganhar fortunas com salários e não fazer o deve fazer. Vejamos, por exemplo, os riscos gerados pelos irresponsáveis que desviaram dinheiro de muitos hospitais e não instalaram um gerador de energia, como deveriam ter instalado.

Aliás, como fiel anormal que sou, posso dizer: nunca vi uma escuridão tão reveladora como a do último “apagão”. Revelação de incompetência administrativa; desvios de verbas destinadas à compra de geradores; despreparo da população diante da falta de luz e suas conseqüências; a força perversa e liberta dos malfeitores, entre tantas outras.

Como anormal, achei normal a falta de luz, afinal fui criado à luz de lamparinas com querosene. Logo, luz de velas é um achado, mais prática e rápida no manejo.

Enfim, sou agora apenas um anormal que lamenta o alto  grau de dependência daquilo que criamos. Sei do lado positivo das coisas, mas, infelizmente, o lado negativo continua parecendo ter mais força que ele.

Normal hoje é pertencer a uma sociedade de consumo espoliada de sua liberdade, por sua própria imbecilidade em deixar de pensar, para “consumir” idéias prontas. 

É uma pena!

Em tempo: como uma anormal solução para os novos problemas que estão surgindo, já comprei uma lamparina e um lampião movidos a querosene. Afinal, nada como ser retrógrado conscientemente.