257 - ANONÊ – Um passarinho especial

(continho proibido para adultos)

 

Era um passarinho pequeno, pequeno, pequeno.

Tão pequeno que os irmãos diziam que era um anão.

Por isso apelidaram-no de Anonê.

Mas não era um anão, de jeito nenhum; acontece que ele não comia nunca o que a mãezinha dele, a dona  Catina, tentava empurrar-lhe pelo bico abaixo.

Então, enquanto os irmãos dele cresciam, ele foi ficando do jeito que era quando nasceu

E além de tudo, fraquinho como era, custou muito a aprender a voar.

Mas a dona Catina tinha muita muuuuuiiiita paciência e continuava a cuidar dele, a mimá-lo, enquanto esperava que ele finalmente conseguisse criar um pouco de juízo.

O pai, um pássaro forte e de asas grandes, chamado Cancoré,  não tinha tanta paciência assim.

E um dia, quando chegou em casa – isto é, no ninho, - ao ver que Anonê continuava encorujado num canto, triste e sozinho, como sempre, ficou muito bravo, bravíssimo.

Abriu as grandes asas e obrigou o Anonê a subir em cima dele. E saiu, num vôo veloz, subindo e descendo, dando voltas e mais voltas lá no céu; o Anonê estava apavorado, segurando com as patinhas no pai, como podia; mas numa curva mais estreita e rápida, acabou escorregando – e ficou sozinho no ar;.

Por sorte dele, estava bastante alto; foi descendo, caindo, afundando , até que, sem perceber, começou a agitar as asinhas,  totalmente desesperado.

E não é que deu certo?

Com o movimento das asas, Anonê  conseguia ficar pairando, quase como pendurado no ar; bastava parar um pouco e logo ele caía; mas aí ele recomeçava a mexer e  quanto mais mexia , tanto mais conseguia subir.

Foi uma maravilha; logo estava voando seguro, sossegado, como o pai dele;  planando, dando voltas, subindo para o sol e descendo depois, deixando-se cair,  o corpo todo mole, até chegar pertinho do chão. 

Fez isso com  alegria,  com gosto e quando voltou, não parava de falar – chipe, chipe, chipe – contando à Mãe, dona Catina, como tinha conseguido finalmente voar.

Voando, veio a fome; e começou logo a ciscar, a procurar algum vermezinho para comer, uma fonte para beber. 

E  sentia-se tão feliz que aprendeu a cantar; ninguém lhe ensinou; só escutou a alegria que vinha de dentro dele e a repetia, mostrando-a a todos, para que ficassem felizes como ele.  

Anonê , porém, nunca queria ficar com seus irmãozinhos.

Queria ficar sozinho, descobrir o mundo sem ninguém ajudar.

E acabou que um dia passou por dois grandes sustos;

O primeiro foi quando viu um grande espaço de céu, bem na frente dele: era azul, clarinho, ensolarado, brilhante como nunca tinha visto.

Levantou bem as asas e....zuuum! voou para lá.

Não deu dois segundos e bateu, de cheio, na vidraça.

Ahi!, como era dura, a vidraça! 

Parecida com céu, bonita e clara como céu, mas não dava para entrar nela. Bateu de mau jeito, perdeu o equilíbrio e se estatelou no chão, desmaiando.

Quando acordou, estava com uma grande dor de cabeça e uma dor no braço direito – digo, na asa direita - desculpem, eu sei que pássaros não tem braços.... 

Ficou logo assustado e o coração dele batia forte,  forte.

Mas logo viu que estava entre amigos.

Várias crianças, aquelas que ele via todos dias, brincando e correndo no jardim, estavam em volta dele, querendo ajudar, sem saber como.

Finalmente apareceu o maiorzinho, Frederico, que colocou debaixo da asinha dois palitos e os amarrou com um pedacinho de linha.

Era esperto, o menininho; as meninas todas o olhavam com carinho e admiração. Deram ao Anonê miolo de pão, uma pequena vasilha de água e  fizeram até um ninho, com um chumaço de algodão, para ele descansar.

Ele ficou lá quietinho, uma meia hora – o tempo de as crianças tomarem lanche – e depois, explicando-se na sua língua chipe-chipe -  pediu que desamarrassem a asinha, que já estava quase boa.

As crianças não são como gente grande.

Elas entendem tudo o que dizem os pássaros, as flores, a floresta, até o peixes – um pouco mais difíceis, estes; mesmo porque quase nunca precisam dizer alguma coisa. Sabem se arranjar, se ajeitar.

 

Quando o desamarraram, Anonê voou, devagar, para o  seu ninho, que, por sorte, não ficava longe.

Mas antes, deu duas voltas bonitas sobre as cabeças das crianças, que entenderam perfeitamente; ele estava agradecendo muito o tratamento recebido; e ficaram felizes.

Mas outro susto esperava Anonê antes do fim do dia.

No fim do parque, perto dos portões, os guardas tinham colocado umas gaiolinhas, cada uma com um passarinho. 

Eles começavam a cantar logo cedo, em dias de sol, e assim chamavam  todos os outros que passavam por lá, e esses desciam, cumprimentavam os prisioneiros, aproveitavam para bicar uma sementinhas e beber uma aguinha e depois levantavam vôo.

Anonê, já refeito do susto, passou pelos portões voando bem alto e viu os pássaros presos nas gaiolas.

Pensou em fazer-lhes uma visitinha, imaginando como era triste a vida deles sempre presos.

Aproximou-se, bem devagar, olhando para os lados.

Os passarinhos prisioneiros estavam agitados.

Batiam com as asas nas gaiolas, subiam e desciam pelos suportes, penduravam-se nos ferrinhos e pulavam de um lado a outro.

Anonê estava surpreso e pensou que toda aquela bagunça fosse para ele.

Mas os pássaros alertaram-no logo: Cuidado, amiguinho! - diziam preocupados -  O gato Atílio está  por aqui! Está escondidinho, como sempre, mas aparece de repente e pode dar um pulo e pega-lo!

De fato, o gatão, preto e branco, de olhos verdes, bonitos e traiçoeiros, estava à espreita e logo que viu uma chance, deu o bote.

É difícil gato errar o bote. Ele se joga com tudo sobre a presa e – salve-se quem puder!

Mas Anonê era vivo, esperto.

Viu logo que o gato estava por perto, e ficou bem alerta.

Quando percebeu a sombra escura chegando,  pulou de lado e voou para longe, com todas as forças que tinha.

Só parou quando conseguiu chegar em casa, quer dizer, no  ninho - eu sei que passarinho não tem casa -  e estava tremendo de susto e ofegante do esforço do vôo.

Mas estava vivo.

Dona Catina ficou muito contente de vê-lo e de saber que ele tinha começado a andar pelo mundo – quero dizer, a voar pelo mundo, porque passarinho anda muito raramente -  e que tinha aprendido uma porção de coisas.        

O pai e os  irmãozinhos quiseram saber de suas aventuras e  assim ficaram todos chipe-chipando até o anoitecer.

 Depois, deram-se a boa noite – e foram dormir.

 

No dia seguinte, dona Catina e o seu Cancoré chamaram os filhotes para uma conversa séria.

Anonê tinha aprendido muitas coisas, com seu primeiro passeio:

Primeiro, que precisa comer tudo o que a mamãe manda, para crescer e ficar forte.

Segundo, que se não tiver coragem para fazer as coisas, nunca vai ter nada, nunca vai ser ninguém

Terceiro, que quanto mais bonitas parecem as coisas, mais perigosas são e elas podem machucar de verdade.

Quarto, que amigos fazem muito por nós – e nós devemos fazer todo o possível por eles.

Quinto, que as vezes ficar na gaiola tem suas vantagens. Gatos não sabem entrar nas gaiolas e quem está dentro está protegido.

Sexto, que se você está fora da gaiola pode ir onde quiser e fazer o que lhe der na telha, mas deve estar sempre alerta. O mundo está cheio de perigos.

Principalmente para um passarinho frágil e delicado, como o  pequeno Anonê.