Anne Frank de O diário de Anne Frank
E Liesel Meimger de A Menina que roubava Livros

Em Anne Frank (FRANK, 1997) o medo é tinta também. Liesel (ZUSAK, 2007) sabe dessa cor. As duas meninas escrevem sobre seus desencantos espantosos e assombradas vivem, mas são tão meninas que não se deixam morrer. É uma espécie de encontro literário das duas, em ambientes iguais e território literário diferentes.
A linguagem de Anne é a de um diário enxuto, seco, mas nem por isso menos poético. A poesia tem dessas coisas: ela encontra traço de beleza até num relato de horror. Em Liesel não é diferente, a menina escreve sobre o que nem sabe direito o que significa. A guerra dos horrores, um cara mal amado que a pratica e fomenta medo e morte. A letra é de criança, todavia nem por isso falha.
A guerra (horrenda) norteando as duas histórias. Uma das histórias é verídica, a outra ficcional. Mas qual delas mesmo é a ficcional? Não daria para distinguir em dado momento. Não fosse a possibilidade de voltar ensimesmado à capa e certificar-se do título, porque a ficção tem dessas coisas...
O susto é tanto pela guerra e pela dor ? mas também pela incapacidade de entender como o ser humano é capaz de disseminar tais coisas horrorosas. Daí, que ser medroso se confunde com ser humano. Porque ser humano compreenderia esses territórios de medo, amor, compreensão, incompreensão e tristeza. Mas a coragem, no entanto, sucumbe a esses medos todos, e, as duas meninas sobrevivem às catástrofes dessas pelejas: a guerra mesmo e a outra, que está dentro, no coração de ambas, do sofrimento por não entender, mas ter de sobreviver a todo tipo de sentimento e emoção confusos. Isso tudo em sendo meninas ainda.
Os leitores, afinal, é que sentem uma fisgada de susto e, algumas vezes, não sem titubear na resposta, se perguntam: teria eu a mesma coragem? Escreveria minha história permeada de tanta perda e dor, com tamanha sutileza e doçura ? no caso de Liesel. Ou escreveria em linhas rápidas, como em carta desesperada, como quem vai e não sabe se volta e não sabe nada mais. Rápido como quem parte sem saber para onde. Qual dessas linguagens tomaria para escrever minhas perdas, tristezas, desenganos, esperanças ? num ambiente de guerra e tristeza?
Uma das certezas, poucas, dessa vida, é a de que qualquer linguagem, escrita com o mínimo de emoção, tem mais força do que aquela que é feita a partir do simples sentar-se e escrever. Talvez, por isso, as crônicas tenham sido pensadas para publicação nos jornais. Porque a notícia, vazia de mão emocionada, fosse mesmo servir de aparelho de noticiar e mais nada. É preciso tocar as pessoas, eis uma das funções da arte.

REFERÊNCIAS

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Edição integral. Rio e Janeiro: Record, 1997.
ZUSAK, Marcos. A menina que roubava livros. Tradução de Vera Ribeiros. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007.