RESUMO
Com um período histórico particularmente árduo para o mundo do trabalho, convive-se e enfrenta-se um acirramento de conflitos sociais. A humanidade se desprende de um convívio social e caminha para o individualismo, pela busca de soluções individuais. Além disso, a desideologização do cenário político e o avanço do relativismo tem ganhado repercussões e destaques em todos os âmbitos. Aspectos como a democracia liberal reduzida a um caráter formal e a economia de mercado global acima da política de sentido público e das necessidades humanas têm sido causas determinantes para muitos desses conflitos sociais. Uma overdose percorre o pensamento e a ação social de grande parte dos indivíduos e grupos sociais que têm conservado o acesso aos bens materiais e culturais neste período histórico. Estão legitimando e justificando, diretamente ou indiretamente, explicitamente ou implicitamente, a democracia liberal formal e a economia neoliberal global. O presente texto consiste em abordar alguns pontos primordiais surgidos em um contexto histórico onde a sociedade foi submetida a um novo padrão de vida social, ao qual foi plano de fundo de análises para sociólogos que se encontravam situados no mesmo. Estamos falando sobre o advento de um novo sistema de produção que especializou as funções e impulsionou uma mudança radical na esfera econômica: o sistema capitalista, responsável por caracterizar a sociedade moderna. Dividido sobre dois eixos temáticos, o texto traz à tona duas teorias fundamentadas na divisão do trabalho – a teoria durkheimiana e a marxista. O primeiro ponto a destacar é que para Émile Durkheim a divisão social do trabalho carrega funções de solidariedade, de integração e de asseguração do corpo social. Durkheim da ênfase no comportamento do homem moldado pela sociedade. Karl Marx irá contrapor com uma visão totalmente centralizada na exploração da classe operária e não visualizará essa solidariedade presente na relação patrão-operário. Na produção, que distancia o operário cada vez mais de seus meios de produção, irá surgir uma alienação. Ainda, com a abordagem filosófica do texto, pretende-se uma contribuição de caráter analítico às teorias, selecionando, relacionando e interpretando as principais ideias nelas contidas para demonstrar o porquê das divergências entre as mesmas, as teorias.
PALAVRAS-CHAVE: Consciência singularizada e consciência partilhada. Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Divisão de classes. Mais-valia. Alienação.
1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais Instituto Superior de Educação Dona Itália Franco E-mail: [email protected]

ANALOGIA ENTRE A DIVISÃO DO TRABALHO NAS TEORIAS DURKHEIMIANA E MARXISTA
1 INTRODUÇÃO
Não é de intenção generalizar o assunto. A intenção é gerar uma escrita pautada de forma clara, buscando-se ao máximo a riqueza de detalhes que podem são observados. Para devidas análises faz-se necessário compreender o contexto histórico em que cada sociólogo escreve. É de grande relevância identificar uma sequência cronológica, uma facticidade, para adequar-se à realidade que foi o objeto de estudo.
Observa-se nas sociedades de hoje que a produção econômica transformou-se no objeto imposto às pessoas, isto é, não são as pessoas o objetivo da produção, mas a produção em si. Atendo a um contexto totalmente histórico, esse processo acentuou-se no século XIX, momento em que o trabalho na maioria das indústrias tornou-se cada vez mais rotineiro, automatizado e especializado, subdividido em múltiplas operações. Os empresários industriais visavam, com isso, economizar tempo e aumentar a produtividade.
O economista escocês Adam Smith (1723-1790) já havia escrito e exemplificado claramente esse novo processo consolidado, precedendo a Durkheim e Marx, salientando que na fabricação de alfinetes, um operário puxava o arame, outro afiava, um quinto o esmerilhava na outra extremidade para a colocação da cabeça, um sexto colocava a cabeça e um sétimo dava o polimento final.
Essa forma de organização que requer a divisão do trabalho em linhas de operação e montagem foi, posteriormente, aperfeiçoada pelo engenheiro e economista estado-unidense Frederick Taylor (1856-1915), cujo método foi designado como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é nitidamente perceptível: a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o operário perde a noção de conjunto do processo produtivo.
Vale ressaltar, preliminarmente, que os dois sociólogos – Durkheim e Marx – também estão inseridos nesse novo padrão econômico, com as novas formas de produção, onde a dignidade humana era proporcionalmente violada com péssimas condições de trabalho, com problemas dos baixos salários, operários sem direitos trabalhistas e com uma jornada de traba

lho longa. Durkheim e Marx se referem em suas obras à transição do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista.
2 A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
2.1 TEORIA DURKHEIMIANA
Emile Durkheim (1858-1917) não foi o único sociólogo que procurou com seus métodos de análise e objeto de estudo, explicações para as modificações estruturais, modificações estas que se emergiram com o advento da sociedade moderna. Além de Karl Marx, referência aqui para o presente estudo, Augusto Comte e Max Webber também carregaram essa mesma intuição intrínseca a essa nova fase da sociedade. Faz-se necessário pontuar que a indústria capitalista de produção propiciou uma transformação radical em sua estrutura socioeconômica, dando um novo rumo à sociedade. Neste contexto, com uma sociedade moderna que opera com o sistema capitalista de produção, Durkheim encontra o seu ponto de partida, o seu plano de análise.
Foi com Durkheim que a Sociologia foi intitulada como ciência, estabelecendo-se uma base empírica, com métodos próprios de investigação, demonstrando que seu objeto de estudo, os fatos sociais, teriam características fundamentadas, próprias, que os distinguiriam dos estudados pelas demais ciências. É fundamental deixar explícito a proposta metodológica deste teórico para tornar compreensível a função prática do seu conceito de divisão social do trabalho.
Durkheim afirma que a sociedade precisaria ser estudada como um fenômeno, no âmbito de uma unidade ou de um sistema organizado de relações permanentes, e se possível definido, com leis naturais de desenvolvimento que são baseadas na articulação de suas partes.
2.1.1 HOMEM DUPLEX: A CONSCIÊNCIA SINGULARIZADA E A CONSCIÊNCIA PARTILHADA

Durkheim define que o homem possui duas consciências: a privada e a coletiva. Ele afirma que os fenômenos sociais têm origem na coletividade, não sendo possível identificá-los na particularidade. Logo, os fatos sociais são refletidos na consciência individual e, no caso das representações coletivas, expressam a vida mental do grupo social. Desta forma, o sociólogo associa a sociedade a um corpo vivo, em que cada indivíduo cumpre uma determinada função para a garantia do funcionamento adequado. Em suma, as partes – os fatos sociais – existem em função de um todo – a sociedade. Ao fazer essa associação, Durkheim pontuou os dois estados que essa sociedade pode se encontrar: o estado normal, cuja sociedade ocorre com regularidade, e o patológico, cujos comportamentos representam doenças que por sua vez devem ser isoladas e tratadas, pois a harmonia e o consenso estão em condições de risco, fora dos padrões, dos limites e pela moral vigente. Esse estado patológico é atribuível à sociedade moderna porque a mesma teria deixado de exercer o papel de freio moral sobre os indivíduos.
É a esse estado de anomia que devem ser atribuídos, como mostraremos, os conflitos incessantemente renascentes e as desordens de todo tipo de que o mundo econômico nos dá o triste espetáculo. Porque, como nada contém as forças em presença e não lhes atribui limites que sejam obrigados a respeitar elas tendem a se desenvolver sem termos e acabem se entrechocando, para se reprimirem e se reduzirem mutuamente. [...] As paixões humanas só se detêm diante de uma força moral que elas respeitam. Se qualquer autoridade desse gênero inexiste, é a lei do mais forte que reina. Latente ou agudo, o estado de guerra é necessariamente crônico. (DURKHEIM, VII: 2004).
É a existência da divisão do trabalho social e a forma de consciência expressa em cada sociedade que levaram o sociólogo à demonstração de que os fatos sociais têm existência própria, sendo externo aos indivíduos, identificando no interior de qualquer grupo ou sociedade que existem formas padronizadas de conduta e pensamento baseadas na soma destas categorias. Esta mesma soma é a responsável pela consolidação dos dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Se Durkheim considera que os conflitos e as desordens da sociedade moderna são sintomas deste estado de anomia, é existente, segundo ele, um mecanismo capaz de oferecer a coesão para esta mesma sociedade: a solidariedade social, expressada por uma maior ou menor divisão do trabalho, somando ainda à consciência coletiva.
Durkheim salienta que a sociedade que a sociedade modela o comportamento social do homem. Em sua Obra “As regras do Método Sociológico” (1895), no capítulo I “O que é um Fato Social”, está explícito que os padrões comportamentais são hereditários, os valores e regras foram passados de geração a geração, os indivíduos aprendem formas prontas de se

comportar, de agir ou de ser, ou seja, dado por meio da educação. Sempre existiu antecedente ao indivíduo e existirão após a morte do mesmo.
Durkheim deixou indelével, inapagável, a ideia de que no processo de evolução social, a sociedade teria passado de uma solidariedade mecânica para uma solidariedade orgânica. Na sociedade mecânica, a mais simples e composta pela igualdade, os indivíduos vivem em comum, pois partilham de uma mesma consciência comum. É um “conjunto de crenças e dos sentimentos comum à media dos membros de uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado que tem vida própria”.2
É necessário pontuar que esse tipo de solidariedade era predominante nas sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se organizavam e permaneciam, em geral, independentes e autônomos em relação à divisão do trabalho social. Neste âmbito, os indivíduos que executavam as mesmas tarefas reconheciam a união em torno dela, tinham parte de sua personalidade em comum. É perceptível, então, que existe um total predomínio do grupo sobre os indivíduos que se identificavam através da família, da tradição e dos costumes.
Deve-se pontuar, ainda, que para Durkheim a solidariedade permite a integração geral da sociedade, porque tem natureza moral. Como algumas solidariedades manifestam-se nos costumes, tomemos como referência a solidariedade mecânica, ela se materializa no direito. No entanto, nesta mesma sociedade o direito é repressivo, há uma punição por meio dos costumes, em virtude do crime deixar notável uma ruptura com os elos de solidariedade. Dessa forma conclui-se que um criminoso age contra a sociedade e sua punição é proporcional ao delito.
Para dar-se progressão é de fundamental importância situar-se no que Durkheim diz sobre a evolução da sociedade. Em outras palavras, ele aponta que a evolução da sociedade ocasionou a diferenciação social, na qual predomina a divisão do trabalho.
O antagonismo entre trabalho e o capital é outro exemplo, mais contundente, do mesmo fenômeno. À medida que as funções industriais vão se especializando, a luta se torna mais viva, em vez de a solidariedade aumentar. Na Idade Média, o operário vive em toda a parte ao lado do patrão, partilhando seus trabalhos na mesma loja, na mesma bancada. Ambos faziam parte da mesma cooperação e levavam a mesma existência. Os dois eram quase iguais. Qualquer um que tivesse feito seu aprendizado podia, pelo menos em muitos ofícios, estabelecer-se por conta própria, se tivesse meios. [...] A partir do século XV, as coisas começam a mudar. A corporação de ofí
2 Da divisão do trabalho social, p.40. Trata-se das normas e visões de mundo que aprendemos da família e do meio social a que pertencemos. Em seu conjunto, podemos salientar que esses elementos culturais constituem outro tipo de consciência – a coletiva.

cio já não é um asilo comum; é de posse exclusiva dos patrões, que decidem sozinhos todos os assuntos... Por conseguinte, uma demarcação profunda se estabelece entre os patrões. Estes formaram, por assim dizer, suas regras, suas associações independentes. [...] Quando os operários acreditavam ter motivo de queixa, punham-se em greve ou pronunciavam interdito contra uma cidade ou um patrão, e todos eram obrigados a obedecer à palavra de ordem... A força da associação dava aos operários o meio de lutar com armas iguais contra seus patrões. Mas as coisas estavam longe de ter chegado, desde então, ao ponto que vemos atualmente. Os operários se rebelavam para obter um salário maior ou determinada mudança nas condições de trabalho, mas não consideravam o patrão um inimigo perpétuo a que se estabelece por coação. [...] Enfim, no século XVII começa a terceira fase dessa história das classes operárias: o advento da grande indústria. O operário se separa mais completamente do patrão. [...] Ao mesmo tempo que a especialização se torna maior o operário se separa mais, as revoltas se tornam mais frequentes (DURKHEIM, livro III, cap. I: 2004).3
Partiremos para uma sociedade na qual o indivíduo é socializado porque, embora tenha uma esfera própria de ação, depende dos demais e, por conseguinte, da sociedade resultante dessa união. Essa sociedade, para Durkheim, representa a solidariedade orgânica, ou seja, uma sociedade em que os indivíduos estão unidos em virtude da divisão social do trabalho. Um ponto que se deve notar aqui, para a progressão do assunto, é que a divisão social do trabalho não se refere apenas à especialização de funções econômicas, mas faz referência também a distintas esferas sociais que se diferenciam e se especializam cada vez mais como a economia, a política, a educação, o direito e outras afins.
Deve-se em primeiro momento compreender que a solidariedade orgânica é fruto das diferenças sociais, estas estabelecidas pela necessidade de troca de serviços e pela sua interdependência. Aqui se encontra a originalidade da obra de Durkheim: apresentar a divisão social do trabalho como um novo mecanismo de integração social.
Em segundo momento, a solidariedade orgânica prevalece nas sociedades complexas de tipo capitalistas onde, através da acelerada divisão social do trabalho, os indivíduos se tornam interdependentes e suas funções são vitais para o funcionamento do sistema social. Neste tipo de sociedade a consciência se afrouxa dando espaço à consciência individual, pelo que temos de singularizado, de pessoal e distinto. Quanto ao tipo de direito predominante na sociedade orgânica, tem-se o direito restitutivo, o que implica no restabelecimento das relações
3 Durkheim demonstra as três fases da classe operária, enfatizando a relação patrão-operário. A primeira fase situou-se na Idade Média e a classe operária possuía os mesmos direitos de um patrão, desde que os operários tivessem meios. A segunda fase ocorreu no século XV, onde o quadro de relações entre os mesmos começaram a demarcar distinções: os patrões decidem sozinhos todos os assuntos, estabelecendo-se, assim, uma ordem à parte na qual os operários eram submetidos. Aqui, os operários buscam seus direitos trabalhistas, tais como reivindicações por salários mais elevados e por melhores condições de trabalho. Por fim, no século XVII, Durkheim salienta que, com o advento das grandes indústrias, o operário se distanciou completamente do patrão, ressaltando que a especialização do trabalho e as revoltas dos operários são totalmente proporcionais, ou seja, quanto mais especialização, mais revoltas seriam frequentes.

perturbadas, Sob sua forma normal. Entramos em outro caráter revelador da obra de Durkheim: a especialização de funções de funções e o grande desenvolvimento das atividades econômicas levaram a uma acentuação da consciência individual à coesão social. A diferenciação de atividades dá origem à solidariedade orgânica e se esta for de modo intensiva, a coordenação entre elas não poderá ocorrer com eficácia. Em outras palavras, a infinidade de ocupações distribuídas entre os homens impedirá que eles percebam a complementaridade entre elas, fazendo com que, deste modo, seja gerado um forte sentimento de individualismo. Então, o individualismo exacerbado leva a sociedade a um estado de anomia moral, ou seja, à quebra e à perda de uma moral orientadora e disciplinadora dos comportamentos.
Possivelmente preservar a sociedade, garantindo assim o seu bom funcionamento, seria para Durkheim um grande desafio imposto para a Sociologia. Ele irá procurar no campo do trabalho um lugar de construção da solidariedade da moralidade perdida. Este estado de anomia designado pelo sociólogo, responsável pela desestabilização da sociedade, necessita da criação de uma nova moral condizente com os valores da sociedade industrial emergente. Nota-se que essa moral está essencialmente vinculada ao mundo do trabalho que poderia exercer a regulamentação moral nas sociedades. 4
De acordo com Tânia Quintaneiro (2002), a saída para a moralização seria criar corporações capazes de cumprir autoridade moral, estabelecendo regras de conduta sobre os indivíduos, criando entre eles uma forte solidariedade.
4 Vale pautar que a função da divisão social do trabalho seria produzir a solidariedade, dando sentido às ações dos trabalhadores. Ao restabelecer a solidariedade entre os homens, a divisão social do trabalho assumiria moral ampliando a harmonia, a integração e a coesão na sociedade moderna.

2.2 TEORIA MARXISTA

Não é negável a importância de Karl Marx (1818-1883) ao desenvolver uma corrente forte de pensamento considerada a mais revolucionária da teoria social moderna: o materialismo histórico. 5
Inicialmente vale destacar que as ideias deste sociólogo eram destinadas a todos os homens em virtude das mesmas denunciarem um quadro de contrastes básicos existentes na sociedade dominada sobre o modo capitalista de produção. Marx identificou a forma como os homens se organizavam para se reproduzir, chegando à conclusão que os indivíduos estabelecem relações sociais baseadas nas condições materiais de sua existência. Deste modo, ele estabeleceu como ponto de partida para análise de qualquer sociedade: as relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção6 e transformar a natureza. Faz necessário pontuar que o fato de produzir as condições materiais de sua existência faz com que o homem esteja produzindo sua consciência, seu modo de pensar e conceber o mundo, suas representações, como também a produção intelectual das leis, da moral e da religião de uma sociedade.
Marx identifica que pelas classes sociais os homens estabelecem uma relação de exploração, antagonismos sociais e alienação, sob a forma da apropriação dos meios de produção. A expressão desta contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é a luta de classes. Está explícito um ponto primordial para a compreensão da teoria marxista.
O sociólogo visualiza as relações sociais na sociedade moderna como sendo negativas e concebem a elas a causa da desigualdade social entre os homens. De acordo com Marx (1867), a história de toda a sociedade até hoje é a luta entre classes.
5 O materialismo histórico é um marco teórico que visa explicar as mudanças e o desenvolvimento da história, utilizando-se de fatores práticos, tecnológicos (materiais) e o modo de produção.
6 Os meios de produção são tudo aquilo que é formado por meios de trabalhos ou tudo aquilo que mantêm relação entre trabalho humano e a natureza, no processo da natureza em si. Ao produzir, o homem modifica a natureza e, desta maneira, está se organizando para se reproduzir.

2.2.1 SOCIEDADE DIVIDIDA EM CLASSES
Vamos nos remeter ao conceito de divisão do trabalho denominado por Marx. Para iniciar é válido entender que, segundo ele, a sociedade está dividida em classes, os burgueses – a classe que detêm os meios de produção – e os proletariados – a classe das forças produtivas. Ambas estão inseridas sobre um único sistema que é o modo de produção capitalista.
A divisão social do trabalho é a totalidade das formas heterogêneas de trabalho útil, que diferem em ordem, gênero, espécie e variedade (MARX, 1867).
É notável que Marx considera a divisão do trabalho não só como um meio para se alcançar a produção de mercadorias, mas considera a divisão de tarefas ente os indivíduos e ainda nas relações de propriedade, ou seja, a divisão do trabalho e a especialização das atividades em classes é basicamente a divisão dos meios de produção e da força de trabalho. Como vemos, a divisão do trabalho na perspectiva marxista compreende uma esfera técnica e outra esfera social.
É importante ressaltar que, para Marx, a divisão social do trabalho sempre existiu em todas as sociedades, sendo inerente ao trabalho humano, ocorrendo em relação à tarefas econômicas, políticas e culturais. É válido apontar que a divisão do trabalho correspondia à divisão de papéis por gênero, sendo sucedidas, mais tarde, pela divisão das atividades como a agricultura, o artesanato e o comércio desde as tradicionais sociedades. A divisão do trabalho surge com o excedente da produção e a apropriação privada das condições de produção. Foi ainda através da Revolução Industrial que intensificou e se fragmentou as tarefas, aumentando, por sua vez, a produtividade.
De acordo com Quintaneiro (2002):
É o surgimento de um excedente da produção que permite a divisão social do trabalho, assim como a apropriação das condições de produção por parte de alguns membros da comunidade os quais passam, então, a estabelecer algum tipo de direito sobre o produto ou sobre os próprios trabalhadores.
Pode-se pontuar que a divisão do trabalho na produção busca a valorização do capital, por meio da mais-valia. A mais-valia na produção é um termo designado por Marx e condiz com o valor excedente produzido pelo operário e apropriado pela burguesia. Pelo prolongamento da jornada de trabalho ou pela mecanização das atividades produtivas a função da

mais-valia é promover o aumento da produção. Esta relação de exploração ocorre sob a forma legal da propriedade privada dos meios de produção. Logo, o trabalhador vende a sua força de trabalho ao empresário capitalista para garantir a sua sobrevivência, que por sua vez, se apropria do produto do trabalho do proletário. Este é um contexto ao qual a força de trabalho se torna uma mercadoria, vendida ao empresário capitalista por um salário.
É válido apontar que a força de trabalho, ao ser negociada como mercadoria, está distanciando totalmente o trabalhador dos meios de produção, fator que aliena o homem de sua própria essência que é o trabalho. Pode-se definir, então, que a divisão social do trabalho e a divisão industrial do trabalho promovem a alienação e destroem as relações existentes entre os homens, pois estes não têm domínio do processo de produção e não se beneficiam do produto de seu trabalho. Aqui nesta base se ergue a superestrutura da sociedade moderna, superestrutura essa formada pela esfera jurídica, política e ideológica da sociedade, que por sua vez representam a forma como os homens estão organizados no processo produtivo.
O sociólogo irá dizer que o estado se consolidou com a intuição de garantir o interesse da classe dominante. Mesmo com a ideia do Estado Liberal difundir a noção de defesa da igualdade, Marx deixa explícito no Manifesto do Partido Comunista (1848): “A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado”. 7
O estado de alienação do proletariado se refere também nestas formas de dominação da burguesia. A ideologia seria a encarregada de difundir a visão do mundo e os valores burgueses, legitimando e consolidando seu poder. Por esta razão, Marx salienta que a superestrutura é condicionada pela infraestrutura da sociedade, ou seja, a sua base econômica determina a sua dimensão política, jurídica e ideológica. É afirmável dizer que a preocupação de Marx estende-se na questão de promover a emancipação da classe operária de seu estado de alienação. No entanto, sabe-se que isto só seria possível a partir do momento em que o proletariado deixasse de ser a classe em si e se tornasse uma classe para si, construindo a sua consciência de classe. A partir desse momento, o proletariado estaria apto a promover uma revolução social que derrubaria a burguesia, extinguindo as classes sociais, superaria a ordem social capitalista e construiria a sociedade comunista.
7 Marx salienta nesse trecho a ideia de que a burguesia é a classe social que irá exercer controle sobre o poder político, ideológico e jurídico da sociedade.

É preciso entender que a divisão do trabalho se estende para além da produção material e exerce uma função de dominação da classe burguesa sobre a classe proletariada. Esta dominação se expressa nas formas de segmentação da sociedade, seja pela divisão social do trabalho ou pela sua divisão industrial.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deve-se ressaltar que esta dissertação não busca uma limitação na explicação sobre as duas teorias abordadas. A intuição é traçar um quadro de analogias entre as mesmas, apontando os aspectos mais evidentes de suas oposições acerca do tema em questão. Até o presente momento, estabelecemos um quadro conceitual da teoria marxista e da teoria durkheimiana.
Inicialmente o que difere em primeira análise as propostas de Marx e Durkheim seria uma questão epistemológica. Durkheim tem como base para a análise sociológica a própria sociedade, demonstrando que a mesma modela o comportamento do homem no processo de evolução social. Em outras palavras, o homem é incompleto e se organiza em sociedade para tornar possível o seu complemento. Para Marx, a vida social deve ser compreendida como um processo dialético resultante da ação do indivíduo sobre a natureza, a partir do momento em que este busca construir as bases materiais de sua existência.
Em um segundo ponto, outro aspecto é evidentemente perceptível. Durkheim considera que as condutas humanas são determinadas pela sociedade aos indivíduos, Marx, no entanto, mostra-nos que a sociedade encontra-se dividida em duas esferas: a infraestrutura e a superestrutura, sendo que o meio de produção da vida material é o responsável por condicionar o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Portanto, se considerarmos a posição de Marx, no âmbito da compreensão da sociedade, perceberemos que enquanto para Durkheim a sociedade se sobrepõe ao indivíduo e lhe impõe regras e condutas morais, para este outro a esfera econômica é fundamento básico para a consolidação da consciência dos indivíduos, já que esta se apresenta sobre a forma da ideologia dominante no modo de produção capitalista, ou seja, a ideologia burguesa.
Partiremos agora para a divisão do trabalho segundo Durkheim. Ele atribuiu como característica fundamental da sociedade moderna a divisão social do trabalho. O motivo é que

suas esferas se diferenciam entre si e se especializam, o que concorre para a integração dos indivíduos na sociedade.
Segundo Durkheim a existência da divisão social do trabalho determina o grau de coesão entre os indivíduos em uma determinada sociedade. No caso das sociedades tradicionais, como não há uma divisão social do trabalho, os indivíduos estão integrados na coletividade pela tradição e pelo costume, ou seja, por uma consciência coletiva que indicam suas formas padronizadas de pensamento ou conduta. O tipo de solidariedade apresentando nestas sociedades é a solidariedade mecânica.
A solidariedade orgânica seria a solidariedade típica da sociedade capitalista moderna. Esta solidariedade decorre da evolução da sociedade que promove a diferenciação social por meio da divisão do trabalho. Portanto, a função da divisão social do trabalho seria a de criar um sentimento de solidariedade entre os homens. Para Durkheim, ainda, as diferenças sociais criadas pela divisão social do trabalho unem os indivíduos pela necessidade de troca de serviços e pela interdependência.
Conclui-se que para Durkheim a divisão social do trabalho gera a solidariedade, enquanto que para Marx expressa os meios de segmentação da sociedade. Em caráter primeiro, a divisão do trabalho se refere à apropriação dos meios de produção pelo empresário capitalista; em segundo, esta apropriação que distancia o trabalhador dos meios de produção, distancia o trabalhador de si mesmo, provocando neste um estado de alienação. Quando a sociedade foi dividida entre os proprietários e não proprietários dos meios de produção, as classes passaram a lutar por interesses antagônicos, apesar da interdependência que se estabelecem entre elas.
Fica explícito que para Durkheim a divisão social do trabalho irá ocupar o lugar de instituições sociais, como a igreja e o Estado, na função de integrar o indivíduo ao corpo social, oferecendo a coesão para a sociedade, levando-a ao progresso.8 Para Marx, a divisão do trabalho é responsável pelo surgimento de uma relação de exploração da classe burguesa sobre o proletariado, promovendo, assim, sua alienação por meio da propriedade privada dos meios de produção. Neste caso, a alternativa para a classe proletariada seria promover uma revolução capaz de solucionar os antagonismos sociais, eliminando a sociedade demarcada por classes.
8 Vale lembrar que esta integração social e esta coesão salientada por Durkheim está vinculada à especialização de funções que cria uma interdependência entre os indivíduos.

4 REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 6ª ed., Petrópolis: Vozes: 1996.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 22ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. (2 volumes).
QUINTANEIRO, Tânia. BARBOSA, Maria Ligia de O. OLIVEIRA, Márcia Gardênia de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2ª ed., Ver. Amp., Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.