1 ANÁLISE TERMINOLÓGICA DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO, SEU SIGNIFICADO

Primeiramente, não se pode iniciar a conceituação de nenhuma espécie de ilícito penal sem que se venha a discorrer sobre o conceito analítico de crime, a teoria adotada pelo ordenamento jurídico interno e as divergências doutrinarias que giram em torno da matéria, assim, traçados esses conceitos e posicionamentos, teremos maior propriedade para conceituar os crimes de perigo abstrato.

Na nossa legislação atual, não tem uma conceituação clara do que venha a ser crime, pois o artigo 1º da lei de introdução ao Código Penal se resumiu a somente diferenciar crime de contravenção, restando à doutrina exercer essa tarefa, por uma razão até lógica, pois o doutrinador tem a capacidade de estabelecer os conceitos material, formal e analítico do delito, pela carga principiológica e filosófica que carrega.

1.1. Conceito material e formal de crime.

Em um conceito material de crime, a doutrina se reserva a expor a base da conduta delituosa penalmente relevante para o direito penal, onde a conduta do agente tem que está descrita em um tipo penal, sendo também voluntária e consciente, e que com a ação ou omissão cause algum risco relevante à tutela do direito penal.

Já a conceituação formal é um pouco mais restrita, pois se limita ao tipo penal, levando em conta os elementos descritivos, descrevendo a conduta praticada pelo agente amoldada ao dispositivo penal, ligada a elementos objetivos e normativos do tipo que ao contrário do critério descritivo, onde este ultimo não se identifica com a simples observação, mas depende de um juízo de valor.

E também, dentro do conceito formal vem o preceito secundário da norma penal incriminadora, com a cominação das penas, por consequência do seu descumprimento.

1.2. Conceito analítico de crime.

Insta prendermo-nos agora, de forma sucinta a conceituação analítica de crime, e partiremos das teorias que o definem.

Na doutrina brasileira há os que defendem que o crime é fato típico e antijurídico, sendo partidários da teoria finalista bipartida, onde o crime tem que estar tipificado em lei, nos termos da CF/88 em seu artigo 5º, XXXIX, “não há crime sem lei anterior que o defina”, ou seja, há crime quando a lei disser que aquela conduta praticada pelo agente estar contrariando o que a lei penal diz para não fazer, classificadas como normas penais incriminadoras.

Ainda, para a teoria supracitada, o crime é conduta antijurídica, pois aqui se encontra o antagonismo da conduta do agente e a norma penal, surgindo à ilicitude da conduta comissiva ou omissiva, ou seja, ao violar o texto do tipo penal a conduta se torna ilícita, passível de intervenção do direito penal.

Para essa teoria, a culpabilidade é deslocada para o momento em que o Estado Juiz, após o devido processo legal, for aplicar a reprimenda ao individuo, quer dizer com isso, que o juízo de reprovação da conduta será aferido no momento da aplicação da pena ao agente.

Ao contrario do que acontece com a teoria bipartida, há doutrinadores que defendem que o crime é fato típico, antijurídico e culpável, são os defensores da doutrina finalista tripartida, onde para o fato típico e antijurídico, aplicam-se as mesmas definições da teoria bipartida, só que aqui a culpabilidade é parte integrante do crime, porem, por força da teoria normativa pura, retira-se da culpabilidade o dolo e a culpa, sendo estes transportados para o fato típico, restando somente o juízo de reprovabilidade da conduta delituosa.

É imperioso destacar, que o código Penal Brasileiro adota a teoria finalista tripartida, tendo como elementos fato típico (conduta, resultado, nexo de causalidade, tipicidade), antijurídico, (choque da conduta ilícita com a norma) e culpável ( imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa).

Depois de expostos os conceitos acima se faz mister, falamos da classificação dos crimes quanto ao seu resultado para se saber onde os crimes de perigo se encaixam.

1.3 O Crime quanto ao momento consumativo

Quanto ao resultado, os crimes podem ser materiais, formais e de mera conduta. Os primeiros são aqueles em que o agente ao praticar a conduta típica produz um resultado naturalístico, que sem este o delito não se tem por consumado, importante também asseverarmos, nas linhas de André Estefam que:

O resultado naturalístico ou material, segundo clássica definição, corresponde á modificação no mundo exterior provocada pela conduta. Isto é, aquilo que se modificou no mundo fenomênico em decorrência do comportamento praticado pelo sujeito ativo. (André Estefam, 2010, p. 86.)

Como exemplo clássico, podemos citar o delito de homicídio tipificado no artigo 121 do código penal “matar alguém”, para que haja a incidência do tipo penal se faz necessário a consumação do delito, ocorrendo assim o fim naturalístico, qual seja, a morte da vitima.

Os crimes formais são aqueles em que o tipo penal descreve uma conduta e um resultado naturalístico, todavia para a sua configuração basta a realização da conduta voltada para o resultado, assim, prescinde o acontecimento do resultado, e, caso este venha a acontecer será somente postfactum impunível, ou seja, mero exaurimento do crime, esses crimes também recebem a classificação de crimes de intenção ou de consumação antecipada.

Como exemplo, pode-se cita o crime de extorsão mediante seqüestro, artigo 159 do código penal. “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem como condição ou preço de resgate”, para a sua consumação basta somente a o arrebatamento da vitima e a exigência do resgate para libertá-la, sendo mero exaurimento o recebimento do preço do resgate.

Por ultimo, os crimes de mera conduta, sendo aqueles que basta o agente realizar a conduta do tipo penal mesmo que não tenha fim algum, e sem prever nenhum resultado, também são chamados de crime de simples atividade, aqui se enquadram os crimes de perigo abstrato ou presumido.

Como exemplo, arrola-se o crime de porte ilegal de arma de fogo artigo 14[1] da lei 10.826/03, bastando somente que o agente pratique um dos verbos descritos no tipo penal para que este reste consumado, mesmo que a arma esteja desmuniciada.

1.4 Crimes de dano e Crime de perigo.

Pondera-se, ainda fazer a diferenciação dos crimes de dano e os crimes de perigo e conceituá-los. Os crimes de dano são aqueles que para se configurarem é preciso que haja dano efetivo ao bem juridicamente protegido pelo direito penal, nas linhas de Rogério Greco “A conduta do agente, portanto, é dirigida finalisticamente a produzir o resultado, acarretando dano ou lesão para o bem protegido pelo tipo penal, exemplo do que ocorre com os crimes de homicídio e lesão corporal.”

Por outro lado, os crimes de perigo são aqueles que a conduta do agente não tem o condão de causar-lhe dano, mas colocar o bem jurídico em situação de perigo ensina Rogério Greco, nesse sentido que:

Cria-se uma infração penal de perigo para que seja levado a efeito a punição do agente antes que seu comportamento perigoso venha, efetivamente a causar dano ao lesão ao bem juridicamente protegido. Dessa forma, os crimes de perigo têm natureza subsidiária sendo absolvidos pelo crime de dano quando estes vierem a acontecer (Rogério Greco, 2008, p.109).

Assim, apesar de serem figuras autônomas os crimes de perigo em algumas situações concretas funcionaram como um meio a se chegar ao dano efetivo.

1.5 Crimes de Perigo Concreto e de Perigo Abstrato

Os delitos de perigo são divididos em crimes de perigo concreto e de perigo abstrato.

Os crimes de perigo concreto são aqueles em que a conduta do agente tem a potencialidade de causar um dano a um bem juridicamente protegido pelo direito penal, ao analisar o caso concreto o julgador aferirá se a conduta do agente realmente causaria perigo à incolumidade física dos indivíduos, ou não, onde o dano não ocorreu, mas, poderia ter acontecido se o agente tivesse praticado a conduta, sendo a potencialidade lesiva analisada depois de ter sido praticada o ato pelo agente, ou seja, ex post.

Podemos citar como espécie desse crime o delito consagrado no artigo 250[2] do código penal, crime de incêndio, porquanto, ao causar incêndio a conduta tem que trazer consigo ao menos potencialidade lesiva ao bem jurídico tutelado pelo direito pena, caso isso não ocorra, se estará diante de um indiferente penal.

Da mesma forma, também, o delito de explosão descrito no artigo 251[3] do código penal, pois, quando o agente causa explosão, arremessa ou pela simples colocação de engenho de dinamite ou de substancias de efeito análogo, que cause perigo a vida, a incolumidade física e ainda ao patrimônio de alguém o agente praticará o delito de perigo, mesmo que os bens jurídicos não sejam atingidos.

Mas, pelo fato da conduta perigosa praticada pelo agente que poderia causar dano a um bem juridicamente protegido este será responsabilizado penalmente,desde que demonstrável no caso concreto a periculosidade do ato.

Por outro lado os crimes de perigo abstrato, também chamados de perigo presumido, o legislador entendeu que se deveria ter uma visão antecipada do acontecimento criminoso com esse tipo de delito, onde o simples fato do agente praticar a conduta que é descrita no tipo penal (crime de mera conduta) já é o suficiente para que reste configurado o delito presumidamente, presunção esta absoluta, mesmo que no caso concreto não ocorra nenhuma possibilidade de dano ao bem juridicamente tutelado.

É o que acontece no crime descrito no artigo 306 [4] do Código de Transito Brasileiro lei 9.503/97, só pelo fato do agente está dirigindo o veículo automotor com concentração de álcool no sangue, descrita no tipo, mesmos que sua conduta não esteja trazendo consigo nenhuma potencialidade lesiva no caso concreto o agente responderá pelo crime, mesmo ocorre no artigo 309 [5] do mesmo diploma legal, quem dirige veiculo automotor sem a devida permissão ou habilitação, mesmo que sua conduta não cause nenhum prejuízo na prática.

Nestes termos, observa-se que nos crimes de perigo abstrato há uma valoração antecipada da conduta do agente, ou seja, ex ante, sem que haja como saber se haverá potencialidade lesiva ou não na conduta, ferindo-se flagrantemente os princípios do devido processo legal, da presunção de inocência e principalmente o da lesividade.


[1]

[2] Cf. artigo 250 do código penal

[3] Cf. artigo 251 do código penal

[4] Cf. artigo 306 do Código de Transito Brasileiro

[5] Cf. artigo 309 do Código de Transito Brasileiro