GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Secretaria de Educação, da Cultura e dos Desportos - SECD

UNIVERSIDADE DO ESTADO D REIO GRANDE DO NORTE – UERN

FACULDADE DE LETRAS E ARTES – FALA

CAMPUS AVANÇADO "PROFª. MARIA ELISA A. MAIA" – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LINGÜÍSTICA APLICADA – CELA

MANOEL NILSON DE LIMA

ANÁLISE PSICANALÍTICA SEGUNDO LACAN:

QUEM CONTA UM CONTO (Machado de Assis)

Pau dos Ferros

2008

Apesar de os estruturalistas considerarem a teoria do sujeito como ingênua e racionaria, a critica lacaniana desenvolveu uma análise do inconsciente que tornou mais aceitável a teoria do sujeito falante. E nesse contexto, considera o inconsciente um produto da linguagem e tem a estrutura dela. Segundo Lacan o "eu" da elocução fica sempre subvertido pelo eu do inconsciente.

De acordo com a Psicanálise lacaniana, o significante é que governa o discurso do sujeito e para provar isso, Lacan utiliza os processos metafóricos e metonímicos para mostrar como o inconsciente representa os desejos reprimidos por meio deles.

Nessa perspectiva, processo metafórico é produtor de sentido, na medida em que está sustentado pela autonomia do significante em relação ao significado. E o metonímico é um processo de transferência de denominação, por meio do qual um objeto é designado por um termo diferente daquele que lhe é habitualmente próprio.

Diante do exposto, vamos agora analisarmos segundo a visão lacaniana, o conto de Machado de Assis, Quem conta um conto. O referido conto se desenvolve em dez capítulos, porém, para facilitar a analise o conto foi dividido em cinco episódios:

1.O primeiro se passa na loja de Paulo Brito: havia na cidade um cidadão conhecido por Luis da Costa, que costumava se aproveitar das conversas que ouvia para fazer fofocas[1] [U1]e sempre que podia aumentava o máximo possível. E certo dia ao chegar à loja, aperta a mão de quatro pessoas que ali estavam e cumprimente uma quinta, a quinta apenas recebeu um cumprimento, porque não se conheciam, e depois de um pequeno silêncio ele diz: - fugiu a sobrinha do Gouveia? Disse ele, rindo. – Que Gouveia? Disse um dos presentes. O major Gouveia, explicou Luís da Costa. Os circunstantes ficaram muito calados e olharam de esguelha para o quinto personagem, que por sua parte olhava para Luís da Costa. — O major Gouveia da Cidade Nova? perguntou o desconhecido ao noveleiro. —Sim, senhor. Novo e mais profundo silêncio. Luís da Costa, imaginando que o silêncio era efeito da bomba que acabava de queimar, entrou a referir os pormenores da fuga da moça em questão. Falou de um namoro com um alferes, da oposição do major ao casamento, do desespero dos pobres namorados, cujo coração, mais eloqüente que a honra, adotara o alvitre de saltar por cima de moinhos. O silêncio era sepulcral. O desconhecido ouvia atentamente a narrativa de Luís da Costa, meneando com muita placidez uma grossa bengala que tinha na mão. Quando o alvissareiro acabou, perguntou-lhe o desconhecido: —E quando foi esse rapto? —Hoje de manhã. —Oh! —Das 8 para as 9 horas, —Conhece o major Gouveia? —De nome. —Que idéia forma dele? —Não formo idéia nenhuma. Menciono o fato por duas circunstâncias. A primeira é que a moça é muito bonita... —Conhece-a? —Ainda ontem a vi. —Ah! A segunda circunstância... —A segunda circunstância é a crueldade de certos homens em tolher os movimentos do coração da mocidade. O alferes de que se trata dizem-me que é um moço honesto, e o casamento seria, creio eu, excelente. Por que razão queria o major impedi-lo? —O major tinha razões fortes, observou o desconhecido. —Ah! Conhece-o? —Sou eu. Luís da Costa ficou petrificado. A cara não se distinguia da de um defunto, tão imóvel e pálida ficou. As outras pessoas olhavam para os dois sem saber que iria sair dali. Deste modo, correram cinco minutos. No fim de cinco minutos, o major Gouveia continuou: —Ouvi toda a sua narração e diverti-me com ela. Minha sobrinha não podia fugir hoje de minha casa, visto que há quinze dias se acha em Juiz de Fora. Luís da Costa ficou amarelo. —Por essa razão ouvi tranqüilamente a história que o senhor acaba de contar com todas as suas peripécias. O fato, se fosse verdadeiro, devia causar naturalmente espanto, porque, além do mais, Lúcia é muito bonita, e o senhor o sabe porque a viu ontem... Luís da Costa tornou-se verde. —A notícia, entretanto pode ter-se espalhado, continuou o major Gouveia, e eu desejo liquidar o negócio, pedindo-lhe que me diga quem a ouviu... Luís da Costa ostentou todas as cores do íris. —Então? disse o major, passados alguns instantes de silêncio. —Sr. major, disse com voz trêmula Luís da Costa, eu não podia inventar semelhante notícia. Nenhum interesse tenho nela. Evidentemente, alguém me contou. —É justamente o que eu desejo saber. —Não me lembro... —Veja se se lembra, disse o major com doçura. Luís da Costa consultou sua memória; mas tantas coisas ouvia e tantas repetia, que já não podia atinar com a pessoa que lhe contara a história do rapto. As outras pessoas presentes, vendo o caminho desagradável que as coisas podiam ter, trataram de meter o caso à bulha; mas o major, que não era homem de graças, insistiu com o alvissareiro para que o esclarecesse a respeito do inventor da balela. —Ah! Agora me lembra, disse de repente o Luís da Costa, foi o Pires. —Que Pires? —Um Pires que eu conheço muito superficialmente. —Bem, vamos ter com o Pires.

2.O segundo se passa na casa do Sr. Pires: Luís da Costa fez das tripas coração e exprimiu-se nestes termos: — Estando eu hoje na loja do Paulo Brito contei a história do rapto de uma sobrinha do sr. major Gouveia, que o senhor me referiu pouco antes do meio-dia. O major Gouveia é este cavalheiro que me acompanha, e declarou que o fato era uma calúnia, visto sua sobrinha estar em Juiz de Fora, há quinze dias. Intenta, contudo, chegar à fonte da notícia e perguntou-me quem me havia contado a história; não hesitei em dizer que fora o senhor. Resolveu, então, procurá-lo, e não temos feito outra coisa desde as duas horas e meia. Enfim, encontramo-lo. Então o Major Gouveia quis saber a quem o Sr. Pires ouvira isso e ao saber que quem lhe falou foi o empregado do tesouro, o bacharel Plácido, dispensou a companhia de Luis da Costa e saíram juntos para ter com o bacharel Plácido.

3.O terceiro se passa na casa do bacharel Plácido: o Sr. Pires explicou o objeto da visita. Então o bacharel Plácido diz: - é verdade que eu lhe falei de um rapto, mas não foi nos termos que o Sr. Repetiu. O que eu disse foi que o namoro da sobronha do Major Gouveia com alferes era tal que até já se sabia do projeto de rapto. Após o Major saber que quem havia dito isso ao bacharel tinha sido capitão da artilharia Soares, dispensa a companhia do Sr. Pires e junto ao bacharel Plácido vão ter com o capitão Soares.

4.O quarto se passa na casa do capitão Soares: o bacharel usou da palavra: - capitão eu tive a infelicidade de repetir aquilo que o senhor me contou a respeito da sobrinha do Majo Gouveia. – disse-me você que o namoro da sobrinha do major era tão sabido que até já se falava em um projeto de rapto... interrompeu o capitão: - o que eu disse foi que havia noticia vaga de um namoro da sobrinha de V. S. com alferes. Nada mais disse. Houve equivoco da parte de meu amigo Plácido. Apesar da noticia ter diminuído muito ainda havia um namoro com tal de alferes que o incomodava. Logo o Major Gouveia quer saber a quém o capitão ouviu isso e, ao saber que foi o desembargador Lucas que dissera, ele dispensa o bacharel e sai junto ao capitão Soares para a casa do desembargador.

5.O quinto se passa na casa do desembargador Lucas: feitos os cumprimentos foi exposta à questão. O capitão Soares apelou para a memória do desembargador a quem dizia ter ouvido a noticia do namora da sobrinhao do Major Gouveia: - recordo-me ter-lhe dito, respondeu o desembargador, que a sobrinha do meu amigo Gouveia piscara o olho a um alferes, o que lamentei do fundo d'alma, visto está para casar. Não lhe disse, porém, que havia namoro ... O major não pôde disfarçar um sorriso, vendo que o boato ia a diminuir à proporção que se aproximava da fonte. Estava disposto a não dormir sem dar com ela. — Muito bem, disse ele; a mim não basta esse dito; desejo saber a quem ouviu, a fim de chegar ao primeiro culpado de semelhante boato. — A quem o ouvi? — Sim. — Foi ao senhor. — A mim! — Sim, senhor; sábado passado. — Não é possível! — Não se lembra que me disse na Rua do Ouvidor, quando falávamos das proezas da... — Ah! mas não foi isso! exclamou o major. O que eu lhe disse foi outra coisa. Disse-lhe que era capaz de castigar a minha sobrinha se ela, estando agora para casar, deitasse os olhos a algum alferes que passasse.

Estes episódios têm de certa forma algo muito parecido com os dois episódios da carta roubada, visto que os cinco episódios estão relacionados por um mesmo sistema de três figuras ligadas pelo mesmo acontecimento (a fofoca, balela) sobre a sobrinha do Major Gouveia. Com isso procura a organização lógica: a lógica das relações com a verdade, a lógica da intersubjetividade, e a lógica do inconsciente.

Segundo a visão psicanalítica, a origem da fofoca não é descoberta no principio e o desenvolvimento do conto não se dar pelos personagens, mas pela busca pela origem da balela em relação os personagens presentes em cada episódio. Define as diferentes falas (fofocas) do sujeito diante da repressão pela verdade, podemos aqui correlacionar perfeitamente ao nome do pai, uma vez que, em cada episódio há de certa forma uma castração pela liberdade de expressão dos personagens como característica do simbólico; figura repressiva, embora seja uma garantia ao significado, à normalidade e a sanidade.

Sendo assim, segundo a visão lacaniana, podemos considerar a fofoca como um significante, porque transforma os personagens do conto em sujeitos. Para Laca, o significante pode ser entendido como aquilo que convoca o sujeito, exige o trabalho do sujeito em sua constituição, portanto, podemos considerar o simbólico como constitutivo do sujeito em razão do significante (a fofoca). É relevante percebermos que de acordo com a psicanálise não se trata aqui do inconsciente do autor nem dos personagens, mas o inconsciente do texto em razão da interação entre texto e leitor.

Percebemos que de um episódio para outro, o teor da fofoca vai diminuído, porém, não deixa de ser o motor da narrativa; o Major Gouveia está sempre presente de forma repressiva, que se comprado ao Édipo, seria o pai; e os demais personagens vão se alternando de acordo com aproximação da origem da balela. A fofoca que representa o significante faz com que os personagens (sujeito) se desloquem de um lugar para outro. O diálogo dos personagens não determina o fim da narrativa, mas a busca pela descoberta da fonte da fofoca funciona como o percurso do significante.

Todos os personagens do conto foram mobilizados em razão da fofoca sobre a sobrinha do Major Gouveia, representando muito bem a supremacia do significante, uma vez que os personagens não sabem a origem da balela (o significado). Desse modo, tomos convicção que de fato essa narrativa ilustra muito bem o processo metafórico que nos alerta sobre a dimensão do inconsciente, pois as fofocas são perceptivelmente aumentadas ou diminuídas, caracterizando assim, a ordem da linguagem e seus mecanismos de substituições do significante.


 [U1]Noveleiro, fuxiqueiro.