1. O CONSTITUCIONALISMO COMO ANTECEDENTE HISTÓRICO

O Constitucionalismo nasce na antiguidade clássica e tem como objetivo precípuo garantir as estruturas de uma organização estatal. Diferentemente do que se costuma concluir o constitucionalismo não surgiu a partir das revoluções modernas, pois estas buscaram aniquilar os regimes absolutistas. Verifica-se que a primeira aparição desse instituto foi com o povo hebreu em seu Estado Burocrático, esse povo criou limites ao poder político.

Segundo Canotilho (1997; p.46) " O Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado, indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade".

Na Idade Média pesava-se muito a existência de regimes absolutistas, e como forma de um verdadeiro movimento de conquistas das liberdades individuais foi que o Constitucionalismo reapareceu para limitar o poder político, através do principio da primazia das leis.

Tem-se como exemplo de conquistas e elementos que influenciaram na formação do Constitucionalismo a Magna Carta de João Sem Terras de 1215 onde foram assegurados importantes direitos que até hoje são aplicados, inclusive em nosso ordenamento jurídico. Cita-se ainda a Petition of Rights (1628) onde foi conquistado o respeito a direitos seculares dos cidadãos ingleses, que até então não eram respeitados pelo Rei da Inglaterra Carlos I; as revoluções de 1648 e 1688 e também o Bill of Rights de 1689.

Devemos mencionar os contratos de colonização, típicos das colônias da América do Norte, como antecedentes da idéia de estabelecimento e organização do governo pelos próprios governados.

A noção de Pacto ou Contrato Social e outro antecedente bem próximo da noção de Constituição. Na Idade Média era difundida a idéia de que a autoridade dos governantes baseava-se em um contrato firmado com seus súditos, o conhecido "Pactum Subjectionis". Através dele o povo deveria sujeitar a autoridade do príncipe desde que este governasse com justiça, caso contrário, estaria legitimada a rebelião popular se o soberano violasse as regras.

Ensina o ilustre doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002; p.04), com relação aos antecedentes a idéia de Constituição:

"A idéia de Constituição escrita, instrumento de institucionalização política, não foi inventada por algum doutrinador imaginoso; é uma criação coletiva apoiada em precedentes históricos e doutrinários. Elementos que se vão combinar na idéia de Constituição escrita podem ser identificados, de um lado, nos pactos e nos forais ou cartas de franquia e contratos de colonização; de outro, nas doutrinas contratualistas medievais e nas das leis fundamentais do reino, formuladas pelos legistas. Combinação esta realizada sob os auspícios da filosofia iluminista".

Outro importante acréscimo à idéia de Constituição são as concepções e ideologias revolucionárias do iluminismo do século XVIII, expressas pelos ideais: noção de individuo, razão, natureza, felicidade e progresso. Essas concepções influenciaram, no século XVIII e XIX, o liberalismo político e econômico, sendo que o primeiro enaltece os direitos naturais do homem, vendo o Estado como um mal necessário; exige a separação dos poderes proposta por Montesquieu na renomada obra O Espírito das Leis, o que possibilitou o nascimento do conceito de Constituição escrita, e que por sua vez veio combater o Ancun Regime, conceito que exprime a Declaração de 1789: "Toda sociedade na qual não esta assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição" (art.16).

2. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Diversos são os enfoques e vários são os sentidos atribuídos à Constituição, sendo eles no campo político, sociológico e jurídico. A Constituição pode ser definida como a organização metódica dos elementos indispensáveis ao Estado, tais como forma e estrutura deste, o sistema de governo, a divisão e o funcionamento dos poderes, distribuição de competências, garantias e deveres dos cidadãos, direitos, o arquétipo econômico. Qualquer outra espécie de matéria que venha a ser aborda em seu contexto será considera, de modo formal, matéria constitucional.

Conceitua, o ilustre doutrinador José Afonso da Silva (2004; p. 37/38), como:

"A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma de Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a Constituição é um conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado".

A classificação da Constituição não é tratada de forma uníssona em nossa doutrina. Consideram-se os seguintes aspectos para classificá-las: quanto ao conteúdo, à forma, ao modo de elaboração, à origem e a estabilidade.

Quanto ao conteúdo as Constituições podem ser: materiais ou formais, sendo que a Constituição pode ser material em sentido amplo ou escrito. "No primeiro, identifica-se com a organização total do Estado, com regime político. No segundo, designa as normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não num documento escrito que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais". Constituição formal é o conjunto de normas básicas do Estado reduzidas a um documento solenemente formulado.

Quanto à forma poder-se-á classificá-la em: escrita é aquele documento constitucional codificado, sistematizado num único texto. Não escrita é a constituição consuetudinária, fruto dos costumes, jurisprudência, convenções e textos constitucionais, esparsos (Ex: Constituição Inglesa).

Já no que diz respeito ao modo de elaboração temos as noções de constituição dogmática e histórica que podem ser associadas às de escrita e não escritas, pois, a dogmática é sempre escrita e sistematiza os dogmas jurídico-políticos do momento e a histórica ou costumeira não é escrita; mas, resultado de um longo evoluir das tradições que se cristalizam como as normas fundamentais.

Podem ser ainda quanto à origem as constituições populares (democráticas ou promulgadas) ou outorgadas (impostas). As populares são frutos de um poder constituinte legítimo e as outorgadas são impostas sem aceitação popular.

Para o presente artigo a abordagem mais relevante diz respeito ao critério da estabilidade. As Constituições podem ser rígidas, flexíveis ou ainda semi-rígidas. Rígidas são aquelas que só podem ser alteradas mediante um processo legislativo mais solene e dificultoso que o existente para a edição das demais espécies normativas, enquanto que as flexíveis são aquelas que podem ser livremente alteradas, semelhante às leis ordinárias. Já as semi-rígidas são as que contêm regras que podem ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, ao lado de outras regras específicas que só podem ser alteradas por um processo legislativo especial e mais dificultoso.

A Constituição Federal de 1988 pode assim ser classificada: formal, escrita, dogmática, promulgada e rígida.

Importante é advertir que a estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabilidade. Não há constituição imutável diante da realidade social em que vivemos, pois, não é ela apenas um instrumento de ordem, mas deverá sê-lo, também, de melhoria social. Deve-se garantir certa estabilidade constitucional, certa permanência e durabilidade das instituições, todavia, sem prejuízo da constante, tanto quanto possível, perfeita adaptação das constituições às exigências do progresso, da evolução e do bem estar social. A rigidez relativa constitui técnica capaz de manter a ambas as exigências, permitindo emendas, reformas e revisões, para adaptar as normas constitucionais às novas necessidades sociais, mas, impondo processo especial e mais difícil para essas modificações formais, que o admitido para a alteração da legislação ordinária.

3. RIGIDEZ E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL

A rigidez da Constituição emana da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez decorre, como primordial efeito, o Princípio da Supremacia da Constituição.

No ensinamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002; p.20) "A Constituição rígida é a lei suprema. É ela a base da ordem jurídica e fonte de sua validade. Por isso, todas as leis a ela se subordinam e nenhuma pode contra ela dispor".

Ao referir-se à estrutura escalonada da ordem jurídica, Hans Kelsen, em sua ilustre obra Teoria Pura do Direito, afirma que uma norma somente encontra validade em uma outra norma que lhe seja hierarquicamente superior e que estabeleça como aquela deve ser produzida.

Daí concluir que o ordenamento jurídico não seria um sistema de normas situadas num mesmo plano, mas, em diferentes níveis ou degraus. Surge assim, a idéia bastante difundida nos estudos jurídicos, da estrutura escalonada ou "piramidal" das normas de um mesmo sistema jurídico, no qual cada norma adquire sua validade baseada em outra situada em plano mais alto, e em cujo topo situa-se a Constituição, a fundamentar, em tal posição, a validade de todas as demais normas desse sistema.

No vértice do ordenamento jurídico brasileiro encontra-se, ocupando a posição máxima, a Constituição Federal. Esta confere validade, dada sua condição hierárquica superior, a todo o sistema jurídico nacional, regulando-o, estabelecendo a repartição do poder, estruturando e organizando os órgãos estatais, ditando, enfim, todos os comandos imprescindíveis à estruturação jurídica do Estado enquanto tal.

Dizer que a Constituição Brasileira é dotada de supremacia é afirmar que ela responde pela unidade e coerência do sistema jurídico nacional. É que dela todas as normas infraconstitucionais retiram seu fundamento de validade. Nas constituições rígidas, tal qual a nossa, é que melhor se pode verificar a superioridade da norma constitucional.

A rigidez consiste exatamente no maior grau de dificuldade imposto para a realização de alterações no texto constitucional do que para a alteração das demais normas jurídicas do ordenamento estatal. As normas constitucionais exigem todo um processo de reforma mais complexo e solene.

4. PODER CONSTITUINTE

A Carta Magna de 1988 traz o Poder Constituinte como sendo um poder político e limitado, não jurídico, instituidor do Estado e criador da estrutura jurídica.

Ele visa elaborar ou atualizar uma Constituição com acréscimos, alterações ou supressões. Na pratica, o Poder Constituinte, é representado por parlamentares eleitos pelo povo.

Na visão do ilustre doutrinador Alexandre de Moraes (2002; p.54) "O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado".

É predominante na doutrina, a idéia de que a titularidade do Poder Constituinte pertence ao povo. Assim, a vontade constituinte é também à vontade do povo, expressa por seus representantes. Importante se faz analisarmos a observação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1993; p.31) que ressalta que:

"O povo pode ser reconhecido como titular do Poder Constituinte, mas não é jamais quem o exerce. Ele é um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada pela elite".

 

Verifica-se assim, que a titularidade e o exercício do Poder Constituinte se diferem; sendo o titular o povo, e o exercente quem, em nome do povo, edita uma nova Constituição.

O Poder Constituinte divide-se em Poder Constituinte Originário ou de 1º Grau (elaborador de uma Constituição) e Poder Constituinte Derivado ou de 2º Grau (revisão: alteração, acréscimos e supressão).

O Poder Constituinte Originário elabora originariamente a Constituição, em sentido absoluto e ilimitado, extrajurídico. Tem natureza política, sociológica e titularidade única da nação. Também denominado Poder Constituinte primário, genuíno, tem atividade precípua de elaborar uma nova ordem constitucional, consubstanciada em uma nova ordem jurídica, podendo utilizar-se desta nova ordem para criar um novo Estado.

Esse Poder caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. Inicial e ilimitado, pois nenhum poder está acima, de modo que, ao se criar uma nova ordem jurídica, há o rompimento com a ordem jurídica anterior (não há limites do direito anterior, sendo também um poder político), ou seja, não tem que respeitar os limites estabelecidos pelo direito positivo antecessor. Incondicionado porque não se subordina às regras e é exercitado da forma decidida pelos constituintes, resultando do fato de que é um poder absoluto, soberano, não se submetendo a uma forma predeterminada de manifestação, não se condicionando ao direito positivo passado. E autônomo, visto que não tem relação com o direito anterior.

No resumo de Georges Burdeau (1970; p.48):

"Poder constituinte é inicial, autônomo e incondicionado. Isto é: inicial porque nenhum poder existe acima dele; autônomo, por que somente o povo, como titular soberano do poder, pode moldar a estrutura jurídica do Estado, e é incondicionado posto que não se subordina a nenhuma outra norma. O poder constituinte, em apertada síntese, consiste na faculdade que todo povo tem de fixar as linhas fundamentais sobre as quais deseja viver, passando por aí, obviamente, a própria organização do Estado".

Não existe maneira fixada pela qual o Poder Constituinte Originário deve-se manifestar. São duas formas básicas de expressão do Poder Constituinte Originário: Outorga e assembléia Nacional Constituinte. A primeira dar-se-á pelo estabelecimento da Constituição por declaração unilateral do agente revolucionário, que autolimita o seu poder, como aconteceu com as Constituições de 1824 e 1937.

A Assembléia Nacional Constituinte, também chamada de Convenção, surgiu da deliberação da representação popular, devidamente convocada pelo agente revolucionário, que é o caso das Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967, 1988.

5. PODER CONSTITUINTE DERIVADO

O Poder Constituinte Derivado está previsto na própria Constituição, uma vez que emana de uma regra jurídica de autenticidade Constitucional, conseqüentemente, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.

Ao contrário do Poder Constituinte Originário que é absolutamente livre, o Poder Constituinte Derivado é, em sua essência mesmo, um poder limitado. O Poder Derivado é de natureza constituída, pois encontra a sua base na Constituição que lhe traça os contornos e estabelece o processo de sua atuação. É um poder de direito, regrado e limitado pelas normas constitucionais. Embora seja vontade política ainda em sentido amplo, já está condicionado por uma ordem jurídica. Ele tem assim uma dupla natureza: vincula-se a um poder criador da ordem jurídica (poder constituinte originário) ao mesmo tempo em que se assemelha a um poder instituído.

Tem como características ser derivado, subordinado e condicionado. Ele é derivado porque extrai sua força do Poder Constituinte Originário; subordinado, pois está limitado pelas normas expressas e implícitas do texto Constitucional, as quais não poderá contrariar sob pena de ser declarada a inconstitucionalidade; e condicionado devido seu exercício seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal de 1988. Sobre o assunto Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1998; p.28) comenta:

"Caracteriza o Poder Constituinte instituído por ser derivado (provém de outro), subordinado (está abaixo do originário, de modo que é limitado por este) e condicionado (só pode agir nas condições postas, pelas formas fixadas)".

O Poder Derivado ou Instituído subdivide-se em Poder Constituinte Reformador ou de Revisão e Decorrente. O Poder Constituinte Derivado Reformador consiste na possibilidade de alteração do texto Constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Federal de 1988 e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. Conferiu-se ao Congresso Nacional a competência para elaborar emendas a seu texto.

Nesse sentido, cumpre lembrar, o sublime ensinamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1998; p.45):

"É aquele poder, inerente à Constituição rígida que se destina a modificar essa Constituição segundo o que a mesma estabelece. Na verdade, o Poder Constituinte de revisão visa, em última análise, permitir a mudança da Constituição, adaptação da Constituição a novas necessidades, a novos impulsos, a novas forças, sem que para tanto seja preciso recorrer à revolução, sem que seja preciso recorrer ao Poder Constituinte Originário".

Além da já mencionada reforma que dar-se-á por meio de emenda a Constituição temos ainda a figura da Revisão Constitucional que o constituinte de 1988 tratou de estabelecer uma forma de alteração constitucional extraordinária, que é essa denominada Revisão. A Revisão não cumpre o mesmo rigor das emendas.

De acordo com o art 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República "a Revisão Constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral".

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2002; p.12) comentando acerca da questão mencionam:

"Desde logo se verifica algumas diferenças entre o Poder Constituinte Derivado e o Revisional. Aquele não tem limitação temporal, deve observar o rito previsto no art. 60 da Carta da República e o seu exercente é o Congresso Nacional. Já o Poder Constituinte Revisional apresenta limitação temporal, pois só pode ser exercido uma vez, no mínimo, cinco anos da promulgação".

 

Por sua vez, o Poder Constituinte Derivado Decorrente versa sobre a possibilidade que os Estados-Membros têm de se auto-organizarem por meio de suas Constituições estadual, devido sua autonomia político-administrativa. Isto sempre respeitando regras estabelecidas pela Constituição Federal.

No dizer de Ana Cândida da Cunha Ferraz (1994; p.32):

"Tem o Poder Constituinte decorrente um caráter de complementariedade em relação à Constituição; destina-se a perfazer a obra do Poder Constituinte Originário nos Estados Federais, para estabelecer a Constituição dos seus Estados componentes".

6. LIMITES EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS AO PODER DE REFORMA

O poder de reforma, como poder constituído que é, tem caráter limitado. Deve obedecer, para que se processe uma reforma lícita, as normas formais e materiais estatuídos pelo constituinte para alterações da Constituição. Sobre o assunto José Afonso da Silva (2004; p.65) pontua:

"É inquestionavelmente um poder limitado, porque regrado por normas da própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar sob pena de obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle de constitucionalidade".

A doutrina costuma analisar as limitações ao poder de reforma em três grupos: as temporais, as circunstanciais e as matérias (que são explicitas e implícitas). Interessa, nesta ocasião, para o nosso estudo, os limites materiais (explicito e implícito).

Facilmente constata-se que o constituinte originário excluiu determinadas matérias da incidência do poder de emenda. A Constituição, explicitamente, determinou o núcleo imodificável por via de emenda constitucional que esta prevista no art. 60. Os limites materiais explícitos são, essencialmente, a denominada "cláusula pétrea", assim expressa no texto constitucional brasileiro:

"Art. 60. ...

§4o . Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais".

Quanto às limitações materiais explícitas, de logo se depreende que é inconstitucional a emenda ou revisão que afronte direta ou indiretamente os preceitos traçados nos incisos transcritos acima.

Os direitos fundamentais (individuais e sociais) são considerados limites implícitos, para as cartas em que não se apresentam expressamente enquanto matéria imodificável. No Brasil, em decorrência da regra estatuída no § 4o, inciso IV, art. 60, CF, e da análise literal e sistemática da Constituição, os direitos individuais, sociais, de nacionalidade e políticos seriam explicitamente (diretamente ou por decorrência) irredutíveis. Isto porque, como se reconhece largamente, os direitos sociais, políticos e de nacionalidade são essenciais para o exercício válido e eficaz dos direitos individuais e, portanto, por decorrência, irredutíveis.

A doutrina costuma reconhecer certos "gêneros" de normas que se apresentariam como vedações implícitas ao poder reformador. A análise da Constituição ontológica (limitação ao exercício do poder) ainda pode servir para apontar outros limites implícitos em uma determinada ordem constitucional.

São apontadas como limitações implícitas ao poder de reforma das Constituições, em uma perspectiva mais lógica que jurídico-positiva, os seguintes gêneros: 1 – As normas concernentes ao titular do Poder Constituinte (a reforma não pode modificar o titular do poder que cria o próprio poder reformador); 2 – As normas concernentes ao titular do Poder de Reforma (as normas referentes à titularidade do poder reformador, igualmente, são normas que não podem ser alteradas pelo reformador); 3 – As normas referentes ao processo de emenda.

Com seu domínio, José Afonso da Silva (2004; p.68), defende que: "apenas poderiam existir normas que dificultassem o procedimento de emenda, mas jamais que pudessem facilitar a ação do reformador".

Segundo o entendimento de que as formas de exercício do Poder, em todas as suas manifestações, são cláusulas constitucionais imutáveis em seu aspecto substancial, pode-se apontar como limites implícitos ao poder de reforma na Constituição Brasileira promulgada em 1988, a despeito de não estarem elencados como cláusulas pétreas:

a) a forma republicana, insuscetível de alteração desde o plebiscito realizado em 1993;

b) de resto os denominados "princípios sensíveis" (art. 37, IV, CF), já coincidem com as cláusulas expressas, literalmente ou por interpretação sistemática. A autonomia municipal, no entanto, à luz do status outorgado aos municípios na presente ordem constitucional, afigura-se, também, como verdadeira cláusula pétrea.

c) o presidencialismo, da mesma maneira, enquanto forma essencial do exercício do poder;

d) o pluripartidarismo, enquanto diretriz fundamental para o constituinte, apresenta-se como cláusula pétrea da Constituição Federal e as emendas tendentes a restringi-lo são flagrantemente inconstitucionais.

e) o teto unificado para os três poderes, estabelecido pela emenda constitucional número 19/98, enquanto aumento da limitação do poder, não pode sofrer retrocesso.

Estes limites, implícitos ou explícitos, têm sua principal serventia no resguardo do povo em face dos desmandos do poder político vigente, do arbítrio.

E devem servir como forma de defesa da integridade do sistema enquanto concebido pela vontade popular.

7. DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS COMO CLÁUSULAS PÉTREAS

As cláusulas pétreas, também chamadas cláusulas de imutabilidade ou garantias de eternidade, são limites materiais ao poder de reforma constitucional.

Referem-se a conteúdos, princípios, normas constitucionais que não podem ser objeto de deliberação pelo poder de reforma constitucional. Dizem respeito a normas que constam da Constituição e não a situações jurídicas concretas titularizadas pelo Poder Público ou por particulares. Revestem-se de eficácia reforçada, na medida em que denotam normas constitucionais que somente podem ser derrogadas pelo poder constituinte originário.

Constituem exceção ao poder de reforma constitucional e, como tais, reclamam interpretação estrita. Sintetizam a idéia fundamental de direito da coletividade, compondo a identidade básica da Constituição. Reformá-las é inviável para os órgãos constitucionais instituídos, pois significaria o mesmo que a retirada dos alicerces que os sustentam e a derrubada da Constituição.

Segundo José Afonso da Silva (2004; p.190) direitos e garantias individuais:

"São aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa de independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado. Por isso, a doutrina (francesa, especialmente) costuma englobá-los na concepção de liberdade autonomia".

O artigo 5º da Constituição Federal é a norma onde se encontram plasmada a maior parte dos direitos individuais, mas estes podem ser encontrados em outros capítulos. Os Direitos Fundamentais permeiam nossa Lei Maior em vários momentos, aparecem em diversos artigos. Citamos como exemplo os direitos sociais (artigos 6º a 11), os direitos da nacionalidade (artigos 12 e 13), os direitos políticos (artigos 14 a 16), entre outros. O artigo 5º da Constituição trata não só de alguns Direitos Fundamentais, mas também de algumas Garantias Fundamentais dos brasileiros.

Os direitos humanos fundamentais podem ser definidos como: conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. 

De acordo com o Artigo 60, § 4º, inciso IV da nossa Constituição, estes direitos são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser alterados, excluídos, ou rejeitados de nosso ordenamento jurídico. Tais cláusulas consignam o núcleo irreformável da Constituição.

Assim, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, incluindo-se aí os direitos adquiridos, não podem sofrer mudanças, porquanto são inamovíveis.

8. EMENDA CONSTITUCIONAL NO SISTEMA BRASILEIRO

Evidenciando a grandeza da nossa Carta Magna e a preocupação com as futuras modificações nas relações jurídicas, nosso Poder Constituinte Originário assegura, de forma expressa, um instrumento de modificação normativo, preso a um procedimento mais solene do que o existente para as alterações das leis ordinárias, denominado de Emenda Constitucional. Luiz Fux (2000; p.313) em seu estudo a respeito da questão entende que:

"A reforma é qualquer alteração do texto constitucional, é o caso genérico, de que são subtipos a emenda e a revisão. A emenda é a modificação de certos pontos, cuja estabilidade o legislador constituinte tão grande como outros mais valiosos, se bem que submetida a obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos para alteração das leis ordinárias. Já a revisão seria uma alteração anexável, exigindo formalidades e processos mais lentos e dificultados que a emenda, a fim de garantir uma suprema estabilidade do texto constitucional".

A Constituição sustentou, como principio constante, a procedimento da Constituição revogada, trazendo à baila, agora, apenas as emendas como único sistema de mudança formal da Constituição, já que a revisão constitucional, prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias já se realizou, não sendo mais possível outra revisão nos termos do que ali estava previsto.

BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

BARRUFFINI, José Carlos Tosetti. Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005.

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13 ed, São Paulo: Malheiros, 2003.

BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988.

BURDEAU, Georges. LETAL. Paris:Seuil.1970

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1997.

DANTAS, Ivo. Direito Adquirido, Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade. Rio de Janeiro:Lúmen Juris, 1997.

FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: RT, 1994.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 28 ed, São Paulo: RT, 2002.

FUX, Luiz. Tutela de urgência e plano de saúde: doutrina, legislação e jurisprudência. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 10 ed, São Paulo: Atlas, 2002.

RIBAS, Antônio Joaquim. Curso de Direito Civil, Rio de Janeiro, 1995.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed, São Paulo: Malheiros, 2004.