ANÁLISE ESTRUTURALISTA DO CONTO TEORIA DO MEDALHÃO DE MACHADO DE ASSIS

Manoel Huires Alves


Teoria do medalhão


O conto - Teoria do Medalhão - foi escrito pelo escritor (já realista) Machado de Assis e originalmente publicado na Gazeta de Notícias, no ano de 1881, onde posteriormente, em 1882, foi integrado ao livro - Papéis Avulsos - uma coletânea de contos. Neste conto, o autor, por meio de um discurso bivocal, apresenta conselhos inescrupulosos de um pai para um filho visando alcançar prestígio em uma sociedade de aparências.

O início do conto é marcado pelo rito de passagem do qual o pai aconselha o filho para a maioridade, centrando o diálogo nas "qualidades" do filho para lhe dar forças aos obstáculos a serem superados, pois para o pai, por mais que um filho tenha um diploma, herde posses e possa nesse mundo seguir uma dessas carreiras, ele quer que o filho realize um sonho seu: o de "Medalhão" ? que aqui representa ascensão social.


Contexto Histórico e o Texto


Foi no final dos mil e oitocentos, onde a sociedade brasileira ainda se encontrava com uma economia essencialmente agrícola, que Machado de Assis apresenta-se como um escritor realista, investindo nas relações psicológicas dos personagens, retratando detalhadamente as características do realismo literário, fazendo uma análise profunda e realista do ser humano e dando ênfase em suas necessidades, qualidades, vontades e defeitos.

No período em que o conto foi escrito a produção de café estava em alta, o principal exportador era a província do Rio de Janeiro. No entanto, outras províncias - como Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul - tinham suas economias centradas ou no mesmo produto, o café, ou diversificava na suas produções, quando ainda predominava as fazendas de gado, lavouras e engenhos de açúcar. No Nordeste, o que se podia constatar era o atraso em relação ao centro-sul, basicamente representado pelo rearranjo econômico e o tráfico interprovincial. No contexto político, este se encontrava as "vésperas" da proclamação da república. Ensaístas e Intelectuais escreviam acerca da "identidade nacional", visando explicar a formação do Brasil, influenciados por teorias européias.


Proposição do Texto


Como proposição o texto se desenvolve em torno dos seguintes pontos:

a) O conto traz uma análise do comportamento de alguns membros da sociedade. Descreve-os de maneira extremamente clara, precisa, com um humor recatado, ironizando-os usando como pano de fundo uma conversa "inocente" como a de um pai com um filho.

b) A obra, edificada sobre as bases da ironia, aponta para a valorização do parecer acima do ser, analisando o comportamento medíocre por meio do qual se pode ascender socialmente sem grandes esforços.

c) Sendo um dos contos mais deliciosos libelos do escritor, mostra Machado de Assis como um crítico afiado contra a mediocridade intelectual e social, onde, satírico por excelência, lembra a ironia filosófica dos relatos curtos de Voltaire

d) A narrativa, praticamente sem ação, mostra o seu núcleo temático girando em torno de uma exposição de idéias cínicas, através do diálogo entre pai e filho.


Desenvolvimento do Texto


O conto Teoria do Medalhão desenvolve-se com muita ironia as mesmas questões levantadas por outro conto machadiano - O Espelho - integrado no mesmo livro "Papéis Avulsos".

O autor cede seu espaço à reprodução das falas das duas únicas personagens: Pai e Filho. A fala do pai, terrivelmente irônica, revela, obviamente, a denúncia feita pelo autor por trás do conto em relação a uma sociedade burguesa medíocre e arrogante, que prega o sucesso a qualquer preço, mesmo à custa do empobrecimento da vida interior e das relações humanas.

O diálogo familiar acontece, portanto, numa noite às vinte e três horas, após um jantar comemorativo da maioridade (21 anos) do filho. Quando pai e filho ficam a sós na sala, este aconselha o filho a se tornar um Medalhão, ou seja, um homem que ao chegar à velhice, tenha adquirido respeito e fama na sociedade do Rio de Janeiro do século XIX. Para tanto, será necessário que ele mude seus hábitos e costumes e passe a viver sob uma máscara, anulando os seus gostos pessoais e suas atitudes. E nisso disserta sobre a necessidade do filho de sempre manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco, ter vocabulário limitado etc. Ao final, é uma bela ironia machadiana sobre como se encontram os valores da sociedade de sua época.

Teoria do medalhão, por assim dizer, é um dos contos que mostra a sociedade brasileira no que ela tem de mais profundo: a mediocridade condecorada, a troca de favores como motor básico das relações sociais, a hipocrisia, tudo aquilo que perduraria para além da troca de regime. Portanto, o medalhão, tipo criado pelo autor neste conto, se caracteriza por aparentar ser o que não é. Ou metaforicamente, como nos medalhões, por ter uma face oculta e sem atrativos, voltada apenas para o corpo do dono, e outra, vistosa, virada para o exterior, para ser vista e admirada, respeitada.


Narração do Texto


Apresentando o texto apenas a fala de duas personagens - pai e filho - o conto não tem um narrador. Vemos de um lado, a presença de um pai que quer projetar seus ideais frustrados de sucesso no jovem filho; de outro lado, o filho que se sujeita a aceitar passivamente as imposições do pai, anulando-se.

Certamente, no conto machadiano os papéis sociais pertencem, num primeiro momento, a um grupo restrito: pai e filho. As personagens não possuem nomes e são, portanto, caracterizadas somente pela posição que ocupam no grupo familiar e, num segundo momento, no decorrer da narrativa, há a construção de um terceiro papel social, este pertencente a um grupo mais amplo: o Medalhão.

Neste conto, no diálogo estabelecido, há a presença das formas de tratamento, ou seja, o pai dirige-se ao filho sempre utilizando a 2ª pessoa pronominal - tu, te, contigo, teu, etc. - o filho, por sua vez, utiliza-se a 3ª pessoa pronominal, com valor de 2ª pessoa: vosmecê, lhe, o senhor, etc. No primeiro caso, a presença da 2ª pessoa dá um valor de proximidade ao discurso, dando um maior sentimento de intimidade. Já no segundo caso, o uso da 3ª pessoa, mostra uma aceitação do discurso paterno, como se não houvesse outro meio de discussão.


Enredo do Texto


Sinteticamente, um exemplo extremante bem sucedido da reflexão ética e estética machadiana, é o conto satírico Teoria do medalhão. Em forma de diálogo entre um pai e o filho, a narrativa expõe cruamente, através das palavras do pai, o que seria adequado aos tempos para que o filho realizasse o desejo paterno de tornar-se "grande e ilustre, ou pelo menos notável".

Para caracterizar e valorizar o enredo da narrativa dialogada machadiana, focalizando o conteúdo da narrativa, será mostrado, detalhadamente, a desenvoltura do diálogo entre pai e filho na celebração da maioridade filial.


Parágrafos: 1 a 9


Logo após o jantar de aniversário de maioridade do filho, que completa 21 anos, o pai inicia uma conversa com este, falando que na vida uns são conhecidos ou reconhecidos e outros são anônimos, sendo estes últimos a maioria. No diálogo o pai fala que vai ensinar ao filho uma profissão para recompensar o esforço durante a vida, caso as outras profissões falhem.


Parágrafos: 10 a 14


O pai, então, aconselha ao filho o ofício de medalhão, onde fala que o filho é moço e que deve moderar os impulsos, para que aos quarenta e cinco anos - a idade que o medalhão se manifesta (alguns com mais e outros com menos) - nele se manifeste.


Parágrafos: 15 a 23


Agora, entrando na "profissão" de medalhão e devendo abster-se de ter idéias, diz o pai a seu filho, que ele se enquadra na carreira por não ter muitas idéias próprias. Com a idade pode ser que elas venham, e o modo de preveni-las é fazer atividades que não permitam o surgimento delas, tais como jogos de bilhar, ler retóricas, passeio na rua, desde que seja acompanhado para que a solidão não dê margem a idéias. Pode ir também a uma livraria, para contar uma piada, um caso, um assassinato, mas não para outro fim, pois a solidão não convém ao fim do ofício. Com isso, em até dois anos pode se reduzir bastante o intelecto.


Parágrafo: 24 a 28


Enfim, quando o filho reclama que não se pode enfeitar muito o que fala ou escreve, o pai ensina que pode usar máximas e citações, ou empregar figuras, discursos prontos e frases feitas. Por exemplo, Se for feita uma lei e esta não der certa, apenas dirá: "Antes das leis, reformemos os costumes", pois isso poupará problemas e futuras discussões. Em resposta, o filho diz que o pai não gosta da aplicação de processos modernos, porem o pai responde que condena a aplicação, mas louva que se fale sobre a modernidade. E convém, continua ele, saber das descobertas e interesses das ciências do momento, com o tempo seus significados e terminologia sendo aprendidos, sem ter que aprender com os professores e mestres da ciência, pois com eles é perigoso formular idéias.


Parágrafos: 29 a 36


Nestes parágrafos o pai fala dos benefícios da publicidade. Primeiramente, diz ele, em vez de escrever um "tratado científico sobre carneiros", deve dá-lo em forma de um jantar aos amigos e fazer com que a notícia se espalhe. Em seguida, deve fazer festas, ter figuras da imprensa nelas para que se torne pública o acontecimento. Caso a imprensa não possa está presente, deve ele mesmo redigir uma matéria para ser divulgada. O objetivo disso é que se torne conhecido e que, com o passar do tempo, passe ele então a ser chamado para outras, tornando a figura dele indispensável nelas.


Parágrafos: 37 a 41


Pode-se, então, entrar na política, ficar ligado a algum partido, contando que não adote a idéia de nenhum - continua o pai - caso descida entrar nela, é bom usar a tribuna para chamar a atenção pública. E quanto aos discursos é melhor que sejam sobre algum assunto que incite debates ou discussões, mas sem que surjam novas idéias, como, por exemplo, falar de assuntos ligados à metafísica política, pois neste ramo tudo já está pensado, devendo a pessoa só recorrer à memória para eventuais comentários.


Parágrafos: 42 a 53


Nestes parágrafos finais o filho indaga se não deve ter nenhuma imaginação ou filosofia. O pai responde que não, mas que deve se souber falar sobre "filosofia da história", mas se não sabê-la, deve fugir a tudo que leve à reflexão. Já quanto ao humor, ser medalhão não é sinônimo de ser sério, podendo-se brincar, mas sem usar de ironia, mas usar da chalaça. Por fim, vendo o pai que já é meia noite, pede ao filho para que vá dormir e pense bem no que foi conversado, pois, guardadas as proporções, a noite valeu pelo "Príncipe" de Maquiavel.

Diante de tudo isso, podemos ver o conto como um tipo de "parábola", onde o autor dá a "receita" mostrando o que não deve ser feito, se quisermos construir uma sociedade em que possamos mudá-la, questioná-la, avançar "intelectualmente", e também sabermos identificar os medalhões para que não possam nos manipular.

Com esse intróito, viso entender em "Teoria do Medalhão", como o escritor deixa implicitamente, sinais de que o seu conto não esta desvinculado do processo histórico, do qual resumidamente explanei no começo. Cabe ainda dizer que o discurso do texto estava associado a uma sociedade pautada nos valores de uma sociedade agrária e senhorial, remanescentes de uma mentalidade luso-brasileira e colonial. O medalhão que é a cordialidade como símbolo e representativo de uma "sobrevivência" de uma sociedade paternalista do século XIX.