Análise do romance "Iracema"

O ideal nacionalista pressupõe a necessidade de tratar de temas mais próximos, numa tentativa de construir uma literatura independente, através da narração de um passado histórico brasileiro, da cor local e de um cenário em que fossem exaltados os elementos mais característicos da nação.
O Indianismo aparece como uma proposta da criação e do despertar de uma consciência nacional, através de uma literatura própria, desvinculada da literatura européia, em que houvesse o resgate de um herói tipicamente brasileiro; neste caso, o índio. Quando se discute Indianismo, não significa apenas tomar como tema e assunto o índio e seus costumes, já que obviamente não seria inédito o fato de a figura indígena aparecer nos textos literários, porque Santa Rita Durão havia escrito "Caramuru" e Basílio da Gama, "O Uraguai". Mas a partir do Romantismo, apesar de não existir o interesse em demonstrar a realidade, existe a preocupação com a afirmação do índio, o que não ocorria até então.
Por outro lado, no século XIX, verifica-se a constante preocupação de autores pré-modernistas e modernistas em ridicularizar esse tipo de herói romântico. Buscava-se, então, um herói mais próximo da realidade brasileira. "Macunaíma" de Mário de Andrade é a negação do herói de José de Alencar.
No romance "Iracema", Alencar conta o processo de colonização do Brasil pelos europeus, mais especificamente os portugueses, mostrando circunstâncias e aspectos históricos: a disputa entre as tribos dos tabajaras e dos pitiguaras. O narrador não é simples observador, pois mesmo sendo uma produção em prosa, percebe-se a quantidade de imagens poéticas, além da imaginação, das emoções e dos sentimentos, como em:
"Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba..." (cap.I, p.15)
"Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares." (cap.I, p.16)
"O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu..." (cap.II, p.17)
A presença de imagens poéticas serve para valorizar a beleza, a força e outras qualidades da índia, através das comparações, sendo também um artifício para descrever a natureza exuberante e específica, fazendo alusão à fauna e à flora do Brasil.
"Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas." (cap.II, p.16)
"A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão." (cap.II, p.17)
Fica evidente durante toda a obra a intenção em mostrar a importância dada aos fenômenos naturais pelos índios. Faz parte da cultura indígena, perceber a passagem do tempo de acordo com tais fenômenos.
"O sol, transmontando, já começava a declinar para o ocidente, quando o irmão de Iracema tornou da grande taba." (cap.IX, p.31)
"Três sóis havia que Martim e Iracema estavam nas terras dos pitiguaras, senhores das margens do Camocim e Acaracu." (cap.XX, p.53)
"Quatro luas tinham alumiado o céu depois que Iracema deixara os campos do Ipu; e três depois que ela habitava nas praias do mar a cabana de seu esposo." (cap.XXIII, p.61)
"O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará..." (cap.XXXIII)
Em: "Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta." (cap.II, p.16), a expressão tem sentido metafórico e não se limita apenas a um exato momento; trata-se de algo mais amplo e intenso, simbolizando a invasão dos europeus às terras brasileiras, o que veio a gerar destruição, choque e desarmonia no que respeita, principalmente, à natureza e à cultura.
Assim como nas obras de Dostoievski e Machado de Assis, os nomes dos personagens não foram escolhidos aleatoriamente, no romance de José de Alencar, pois fazem referência às suas características e ações na trama. Iracema, lábios de mel; Martim, guerreiro, relacionado ao deus Marte; Moacir, filho da dor, menção ao sofrimento de Iracema.
Nota-se uma projeção da provável futura raça brasileira, representada por Moacir, filho de Iracema com Martim, que seria o resultado da miscigenação entre o índio e o português, dando início a uma nova nação. O negro não representaria a nação devido à sua história, pelo cerceamento de sua liberdade; ao contrário do índio, que teoricamente era um ser livre, em contato direto com a natureza e era filho das terras brasileiras.





REFERÊNCIAS:
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo. Ática, 1992.
MESQUITA, Samira Nahid. O Enredo. São Paulo. Ática, 2006.