UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO








Análise do livro "O Maldito Profe!",

Nicolas Revol








Dayse Cruz



São Paulo
2009





SUMÁRIO



1. Introdução ?........................................................................................................ 3

2. Análise................................................................................................................... 4

2.1 Abordagem Sociológica ?................................................................................ 4

3. Considerações Finais ?....................................................................................... 7

4. Bibliografia ?........................................................................................................8






















1.Introdução

O livro Maldito Profe! traz uma visão sobre o que aconteceu em uma escola localizada na periferia da França entre 1998 e 1999.
Possuindo vários pontos de semelhança com as escolas do Brasil "periférico", o diário de bordo do professor Nicolas Revol apresenta cenas fortes, linguagem inerente às situações do cotidiano no Liceu Eugéne Suez.
Não há como não se emocionar ao ler os relatos de Revol das situações vividas no estabelecimento de ensino já mencionado. Transmitindo de forma intensa as emoções pelas quais passou ali, preserva as falas de forma integral, o que, obviamente, carregadas de seus respectivos sentimentos, faz com que percebamos claramente o que foi a experiencia desse professor.
Afirma que não se pretendia chegar à conclusões acabadas nesse livro, mas que após o tempo no Liceu pôde pensar em estratégias para lidar com as situações de violência a que todos eram submetidos, tais como: sensibilidade, determinação, força de vontade, etc.
O estabelecimento de ensino de que trata o texto era composto pelos chamados "alunos-problema" os quais tinham noção disso e agiam sempre de acordo com tal afirmação.
Revol aponta algumas contradições existentes entre teoria e prática ao se referir ao regulamento da escola que não é cumprido, o que representa os problemas de ordem institucional, pois, o caráter do local, de acordo com ele, era de "depósitos destinados a manter o máximo de tempo possível na escola aqueles e aquelas com os quais não se sabe o que fazer" (pg.15).















2. Análise
O relato se inicia com a apresentação do local e o histórico da instituição. O Liceu é visto como um local destituído de seu valor real, pois os alunos sabem que " estão num beco sem saída" (pg.16), e, para que não aconteça de se "dispersarem", os professores devem convencê-los do contrário, o que, segundo sua opinião, nunca aconteceria. Aqui podemos observar o que Revol denomina de "hipocrisia institucionalizada". O professor assume "funções" que saem da sua órbita para assim "poder" efetuar seu trabalho. Se mostra aos alunos que estão em uma situação que oferece poucas possibilidades na vida estes, já taxados como difíceis de lidar, defasam de vez ou assumem uma postura mais perturbadora e violenta por conta da obrigatoriedade de frequentar o Liceu.
Revol faz uma espécie análise de sua vida, comparando seus papéis como aluno e, depois, como professor.
Descreve suas impressões iniciais sobre o Liceu como sendo agradáveis, apesar de toda a fama do lugar. Recebe apoio da provisora, o que o deixa mais seguro. Assim, se prende ao regulamento da escola crendo que assim tudo correrá "bem".
Inicia o relato da rotina com a menção de interferências nas aulas por retardatários, o que agita bastante a sala. Entre as manifestações, falas violentas dos alunos.

2.1Abordagem sociológica

Uma importante observação é feita quando fala da dificuldade que os alunos têm de respeitar o outro, seu espaço, enfim : "o que é deles é deles, e o que é meu também é deles"
(pg. 41), o que mostra a confusão nas relações interpessoais, o que nos remete ao modo como levam suas vidas extra-classe e sua relação com a sociedade como um todo.
Na página 48 Revol descreve uma situação que costumamos observar também nas escolas públicas do Brasil, onde as situações das famílias dos alunos, que muitas vezes têm dificuldades em expressar-se, não sabem ler, enfim, são tão precárias que chegamos a se perguntar, assim como o autor, como os próprios pais poderiam ajudar os filhos, como os incentivariam à lutar para conquistar uma posição social favorável, condições financeiras dignas se eles mesmos se encontram em situação de miséria e diversas vezes não sabem lidar com os filhos?
Tal situação nos remete ao que o sociólogo Pierre Bourdieu diz quanto à relação familiar, cujo os integrantes mais velhos são dotados do que chama de capital cultural, que diz ser transmitido de forma "implícita" aos filhos (1998), o que vai decidir, de certa forma, seu futuro profissional e sua relação com o mundo, sendo reproduzidas as desigualdades sociais e financeiras

em cada geração.
Realmente chega-se a pensar, como vão os pais, que muitas vezes não tiveram orientação, vivem em situação de miséria, orientar seus filhos, passar um capital cultural que "se deve ter" para que se tenha êxito na vida profissional e social mas que nem se tem para verem seus filhos progredindo no que eles mesmos não têm? Os filhos, como diz Bourdieu, vão espelhar as vidas dos seus progenitores, os costumes que estão em contato no meio social em que vivem.
Poderíamos pensar nessa idéia com base no papel que a escola desempenha socialmente. Ainda de acordo com Bourdieu, a escola é um mecanismo de "reprodução das desigualdades sociais", julgando por mérito, em um sistema padrão, pessoas distintas, com origens e estímulos totalmente diferentes. Logo, ao invés de incentivar e apoiar o êxito de seus alunos, a escola legitima as formas de exclusão e discriminação social. Ainda mais quando os pais, "encarregados da educação... totalmente desligados do sistema educativo", como diz Revol, não possuem os conhecimentos e argumentos necessários para defender o direito à educação de fato de seus filhos, não podendo sequer contestar a escola, e, por vezes, nem apoiá-la em determinados aspectos. Exemplo disso é o Eugéne Suez, uma escola que agregou um conjunto de alunos já "destinados ao fracasso", dada a sua origem social, suas condições financeiras, suas influências.
Um fator marcante no diário de bordo é a violência que move os alunos da instituição. Revol insere no relato, com a linguagem utilizada no momento dos acontecimentos, episódios que demonstram o comportamento dos alunos como agressivos e eufóricos em demasia e ainda afirma que isso é "necessário" naquele contexto, para que todos possam "co-existir". Por exemplo, não ficaria "bem" para um aluno demonstrar grande interesse pela aula, sendo que ele pertence a algum determinado grupo que tem por objetivo perturbar a aula. Também não é de bom grado se afastar desse grupo que é responsável por lhe "oferecer apoio" quando necessário em situações na rua. Esse tipo de relação nos mostra o quanto as pressões externas à escola influenciam suas ações.
Outro ponto bastante ressaltado no livro é a cisão existente entre as instâncias aluno, professores e coordenação da escola, surgindo a noção de que cada um deve se defender da maneira que pode, se poupando de possíveis problemas, nem que para isso tenham que "atacar" uns aos outros e não cumprir de fato suas funções. Cada um deve permanecer em seu lugar, de forma isolada: "para eles, o profe deve ser o profe" (pg. 62).
Revol deixa claro que a função de apoio que a direção/coordenação escolar deve desenvolver, ali "desempenhada" pela Provisora, na verdade não ocorre no Liceu. Aquela segurança que ele sentiu antes do inicio das aulas advindo das palavras de apoio dela na verdade se esvaía ao ver que não poderia de fato contar com ela para resolver situações que fugissem de seu controle, para aplicar as devidas sanções, de acordo com o fictício regulamento, o que essa

Provisora evitava a todo modo para não "sujar sua carreira".
É inevitável pensar como então se efetuaria a educação em um local desse, onde, ao invés de administrar recursos de acordo com as reais necessidades, seus responsáveis fogem da sua função em virtude de "benefícios" próprios? Realmente essa educação não poderia acontecer, ainda mais observando-se o contexto geral, já exposto anteriormente.
Após "culpabilizar" direção e alunos pelo insucesso do trabalho na escola, começa a refletir sobre sua própria prática de educador e passa seu olhar nos colegas de profissão, notando que há um "silêncio coletivo" quanto à situação alarmante que se instaura na escola, pois ninguém tem coragem de admitir o fracasso, por medo de ser questionado enquanto profissional, e acabam compactuando com as hipocrisias dos superiores e aceitando todo o desgaste provocado pelos problemas vivenciados em sala de aula, que, analisando todos os fatores, poderiam ao menos ser minimizados se houvesse uma união contra coisas que não acontecem como deveriam.
De modo geral percebemos que esse Liceu ( e muitos outros estabelecimentos de ensino) são instituições falhas/ falidas, os próprios alunos percebendo isso tiram proveito da situação, como o próprio Revol diz ao se referir à hipocrisia institucionalizada, o regulamento não regia de fato a conduta dos sujeitos, os artificios de punição não levavam a nenhuma postura mais séria, como ao conselho disciplinar, por exemplo; a "Provisora" não provisionava nada, enfim, boa parte do que se diz não passa de meras ondas sonoras ou da tinta no papel.

















3. Considerações Finais

Durante a leitura do livro, parece não haver saídas para as situações, parece que nenhuma pedagogia seria suficiente para lidar com aquele tipo de tensão estabelecida na sala de aula, ao ponto de ocorrer violência física. Poderia-se pensar até que não haveria solução de fato, que aquele modo de agir, "pensar" e ser daqueles alunos é inerente e que o melhor a fazer era distanciar-se para não fazer parte daquilo. Como agir diante de uma situação semelhante? Que pedagogia, que método, que conteúdos tratar?
Os alunos do Eugéne Suez, não sem motivos, eram revoltados com a vida, assim, se subjetivaram contra a escola e consequentemente contra seu representante com quem o contato era maior no dia-a-dia, o "profe".
O pensamento que chega à mente após realizar a leitura do livro é: Esses alunos são frutos de seu meio social!
Tentando prever o futuro dos alunos, Revol chega a afirmar que esses não têm mesmo jeito, que não têm "cura". Quem pensaria o contrário?
Até que ponto vai o cumprimento da função de ensinar, obrigá-los? Como? Será que é "justo" forçar os alunos a frequentarem aulas sem querer e além de tudo causarem todo o caos que Revol denunciou?
Até que ponto podemos enfrentar situações tão desfavoráveis para cumprir um papel social? Será que indo até as ultimas consequências como foi Nicolas Revol ainda teve sentido o que tentava fazer, no que chamamos humildemente "lecionar"? Para quem, por que, como, onde educar?
Esse é o maior legado que o "Maldito Profe" nos deixa, vários meios de questionamentos, várias críticas, denúncias, tão familiares, tão conhecidas que até parece que a história se passou ali, logo ali, na escola vizinha.











4.Bibliografia

BOURDIEU, P. Escritos de Educação. Organizadores: NOGUEIRA, Maria
Alice.; CATANI, Afrânio. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.

REVOL, N. Maldito Profe! Porto:Campo das Letras, 2000.