Análise do filme "Sexo, Amor e Traição" sobre a perspectiva da Psicologia Transgeracional

A Terapia Familiar nasceu nos Estados Unidos, em Palo Alto, Califórnia, da década de 50. Conforme TONDO (1998, p.39), "pode-se dizer que tudo começou quando alguns corajosos pioneiros ampliaram a visão sobre a doença mental. Eles se contrapunham à ênfase que focava unicamente o indivíduo como sendo aquele que desenvolve e mantém sua psicopatologia. Esta mudança propiciou o reforço da idéia de que o contexto também influencia de maneira significativa a formação do sujeito".
Neste sentido, o contexto mais imediato ao sujeito é a família a qual ele faz parte. A Terapia Familiar trouxe para o tratamento as famílias, ou seja, este contexto mais imediato do sujeito, podendo ser definida como uma "técnica de intervenção terapêutica que tem como foco principal a alteração das relações que se passam no sistema familiar, com o objetivo de alívio dos sintomas disfuncionais"

De uma maneira ampla, as famílias, nas sociedades ocidentais, podem ser caracterizadas como um grupo de indivíduos que mantém laços de consangüinidade, sendo voltados para a criação dos filhos. Numa visão sistêmica, representam sistemas abertos em interação com o meio em que estão inseridas. Estão baseadas em questões econômicas e de propriedade, permeadas por afetos e sentimentos. Assumem, portanto, as funções de proteção de seus membros, bem como a de transmissão à sua prole de padrões culturais da sociedade da qual fazem parte. (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998
).
A família está em constante interação, adaptando-se às diferentes exigências dos ciclos evolutivos que percorre. Necessita adaptar-se também às exigências do contexto onde está inserida, assegurando assim sua continuidade e o desenvolvimento de seus membros. A família também pode ser definida como um sistema aberto e em interação com os outros sistemas, em que as relações interfamiliares condicionam e são condicionadas pelas relações sociais, normas, valores e demais padrões de conduta do grupo social onde a família está inserida. O sistema familiar possui fronteiras que possibilitam o delineamento do seu espaço interno e a inter-relação com o meio social.
Dentre as vertentes de Terapia Familiar, está a Terapia Sistêmica Transgeracional. Esta é uma abordagem sistêmica que objetiva a dissolução dos bloqueios energéticos gerados pelos padrões mentais e emocionais restritivos herdados da família de origem e dos personagens de vidas passadas.
Murray Bowen, por muito tempo foi por muito tempo reconhecido como um dos fundadores, se não o fundador da terapia familiar norte-americana. Em sua teoria, Bowen vê a família multigeracional como uma rede relacional que possui papel fundamental na vida do indivíduo. A dinâmica de funcionamento de uma família faz com que seus membros procurem certa estabilidade para a sua manutenção. A família é uma unidade emocional, na qual seus membros acham-se ligados uns aos outros de tal maneira que o funcionamento de cada um afeta automaticamente o dos demais. E é esta unidade familiar o principal objeto do tratamento, e não mais os indivíduos que a compõem.
O filme Sexo, Amor e Traição é uma produção brasileira que conta uma história contemporânea, com seis personagens principais que vão lidar com uma série de conflitos na busca da realização pessoal e do amor. A sinopse do filme é a seguinte: Carlos e Ana vivem no sétimo andar de um edifício localizado no coração do Rio de Janeiro. Ana necessita de mais carinho do que seu marido lhe dá. Inesperadamente, Tomás, um amigo do casal, chega depois de muitos anos de viagem e se hospeda na casa dos dois. Ao mesmo tempo, Andréa e Miguel vivem num edifício em frente, também no sétimo andar. Andréa está cansada da indiferença de seu marido e ressentida porque ele a vê apenas como um objeto a ser exibido. Em uma festa se encontram com Cláudia, o primeiro amor de Miguel, e ela acaba passando a noite no apartamento do casal. Sua presença e a de Tomás vão abalar os relacionamentos.
O que surpreende é a validez das tramas, a partir do momento em que elas se desenrolam. É praticamente impossível ao assisti-las não se remeter a algum episódio seu ou de alguém que conheceste. Ao assistir o filme, inúmeras identificações, estas mais pessoais, perpassam em sua história de vida ou de vidas.
Os vínculos conjugais mais primitivos envolvem a noção de fusão, idealização, com recusa das individualidades de cada um e o desejo de um ser a imagem especular do outro, estabelecendo-se assim um tipo de dependência adesiva onde a autonomia é inconcebível. A complementaridade entre os pares se coloca nessa etapa vincular, destacando-se o par amparador/desamparado, onde os membros do casal mantêm-se fundidos, e os afetos são da ordem da violência, irritação e hostilidade. O projeto vital está sujeito a desacordos ou, ao contrário, a uma submissão total, com redução do projeto de dois ao de um só produzindo uma relação baseada no enlouquecimento e confusão (MACEDO, 2002).
A Autora aInda complementa afirmando que a psicoterapia relacional sistêmica objetiva a consciência das relações e comportamentos, aprendizagens e mudanças para desenvolvimento pessoal e familiar. Sistemicamente, embora as origens de um sintoma possam estar enraizadas num evento externo, sua persistência indica que ele esta sendo usado pela família em alguma transação que está ocorrendo. Esta forma de ver o sintoma sai dos estereótipos de que o sintoma é algo que deve ser removido, e a conduta sintomática passa a ser vista como uma pista do que precisa ser reorganizado, revisto ou aprendido.
Sistemicamente o sintoma é visto de uma variedade de ângulos e, portanto, pode ter várias causas, vários desencadeantes e vários encaminhamentos. É uma forma de comunicação; uma forma de linguagem; uma forma de equilibrar o sistema. No sistema Boweniano, os sintomas ocorrem quando uma pessoa não consegue lidar com o estresse. A capacidade para gerir o stress é uma função da diferenciação, ou seja, quanto mais diferenciada for a pessoa, maior é a sua resiliência e flexibilidade.
É possível responsabilizar os indivíduos pelos sentimentos e comportamentos a partir da compreensão dos níveis de diferenciação. Na relação de casal, por exemplo, é decisivo saberem que ambos têm pontos de vista importantes e que o parceiro está tendo dificuldade em aceitá-los. Portanto, é útil descobrirem formas diferentes de comunicar suas idéias e seus sentimentos. As metáforas de complementaridade são úteis no atendimento de casal, sublinhando o processo que está por detrás do conteúdo das interações familiares.
Bowen ainda ressalta que os casais não resolvem os problemas apenas a falar entre eles. Se os deixamos resolver suas dificuldades sozinhos, eles tendem a discutir sem qualquer objetivo, projetando as responsabilidades um para o outro, e atacando em vez de negociarem. Devido à tendência universal para ver apenas os contributos dos outros para os problemas, são necessárias técnicas especiais para ajudar os membros da família a verem o processo, e não apenas o conteúdo das interações, bem como a verem a parte que desempenham neste processo, em vez de apenas culparem uns aos outros.
A postular suas idéias, Bowen formulou conceitos que embasavam sua teoria. Como são em grande número, para este trabalho me aterei apenas aos utilizados para a elaboração do mesmo.
No caso do filme, Andréa após se casar com Miguel, passou se comportar de uma nova maneira ou de muitas outras maneiras. Miguel assume o papel de superior na relação e Andréa mostra-se fraca e sem forças ou mecanismos para reagir contra tudo que seu esposo fala ou faz. Nesse caso após análise sistemática podemos destacar o conceito Pseudo-self. Este é um eu "falso". As pessoas fazem de conta que são mais ou menos importantes, mais fortes ou mais fracas, mais ou menos atrativas do que realmente são. Um casamento é um exemplo. Quando as pessoas casam, o pseudo-self de cada cônjuge aparece dentro da relação. Enquanto o pseudo-self está sempre vulnerável a ser moldado e mudado por outros, ele é ainda mais vulnerável em relacionamentos emocionalmente intensos. É aí que as pessoas têm maior dificuldade de se permitirem ser o que são.


Ainda se tratando do relacionamento citado no parágrafo anterior, Miguel, o esposo de Andréa tem sempre opiniões formadas e inabaladas a respeito do seu casamento e da maneira com que este trata sua esposa e as reações da mesma frente a qualquer acontecimento. Ou seja, mesmo após uma briga em que Andrea desabafa e despesa todas as suas angústias, Miguel continua inabalado e diz que Andréa não sabe o que fala. Nesse caso identificamos o Eu-sólido. O Eu-s é composto de crenças e convicções seguras e vagarosamente formadas podendo ser transformadas apenas a partir de dentro. Ele nunca é mudado por coerção ou persuasão dos outros. Sua direção tem que ser simplesmente auto-determinada, ao invés de influenciada pela ansiedade proporcionada pelos outros.

Outro conceito importante encontrado foi a Triangulação. O triângulo descreve o equilíbrio dinâmico de um sistema de três pessoas. A maior influência na atividade de um triângulo é a ansiedade. Quando uma relação é perturbada por forças emocionais dentro e fira dela, geralmente não permanece completamente confortável por muito tempo. Inevitavelmente, ocorre algum aumento de ansiedade que perturba o equilíbrio da relação. Quando a ansiedade aumenta, uma terceira pessoa se envolve na tensão de duas outras, criando um triângulo, além disso, o conforto dos de dentro da relação é desgastado. Tipicamente, o desconforto é mais sentido por uma do que por outra. Aquele que está ainda confortável pode ser esquecido por causa de infelicidade do outro.

Em Sexo, Amor e Traição, Ana e Carlos, outro casal, estão vivenciando uma fase de tensão no casamento. Carlos está concentrado em seu novo livro e dispensa qualquer gesto de carinho e demonstração de desejo que sua esposa lhe oferta e espera de volta.
Ele a rejeita sexualmente, e isso tem grande influência no seu comportamento com a chegada do seu primo, Tomás.
A presença de Tomás deixa Ana, até então carente de afeto, confusa. O relacionamento do casal passa a girar temporariamente na presença de uma terceira pessoa em suas vidas.

Ainda falando sobre Carlos, a mãe deste estava presente em suas vidas. Inclusive o apartamento em que o casal morava era da mesma. Entrava no apartamento sem permissão do casal, inclusive em umas das cenas quando Carlos diz que Ana saiu de casa, esta demonstra muita felicidade e exige que seu filho faça uma cópia das chaves novas do apartamento, já que a fechadura tinha sido trocada e ela não tinha sido avisada.
Fica clara a constante presença (apesar do filme só mostrar duas cenas com os dois personagens) da mãe de Carlos em sua vida e na sua vida conjugal.

A ausência de diferenciação na família de origem conduz a um rompimento emocional dos pais, o que por sua vez leva a fusão no casamento. Quanto menor a diferenciação do self antes do casamento, maior a fusão entre os cônjuges. Como esta nova fusão é instável, ele atende a produzir um ou mais dos seguintes problemas: distanciamento emocional reativo entre os cônjuges, disfunção física ou emocional em um dos cônjuges, conflito conjugal explícito, hiper- funcionamento de um dos cônjuges e hipo- funcionamento do outro.



Referências:

CARTER, BETTY. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar: uma estrutura para a terapia familiar. Betty Carter e Monica McGoldrick. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas.
MACEDO, ANDREA. Compreensão do nível de diferenciação como estratégia terapêutica. Curitiba, dezembro 2002.
NICHOLS,M e SCHWARTZ,R. Terapia familiar boweniana. In: Terapia Familiar. Porto Alegre: Artmed, 1998. cap.9, p.309-338.
PINTO,F., VELOSO,M., SANTOS,R., REBELO,R., ALHAU,V., Modelo Transgeracional Murray Bowen. Coimbra. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Universidade de Coimbra: Terapia Familiares, 2005/2006.
TONDO, C.T. Terapia familiar: bases, caminhos percorridos e perspectivas. In SOUZA, Y.S.; NUNES, M.L.T. (org.). Família, organizações e aprendizagem. Porto Alegre, PUCRS, 1998. p. 37-104.