1 INTRODUÇÃO

 O filme Quanto vale ou é por quilo? parte de uma perspectiva ampla e faz crer que se teve, ao longo dos anos, poucos avanços na construção da sociedade “democrática” brasileira. A fim de provar sua constatação, o autor traça paralelos entre a realidade socioeconômica e racial do século XVIII e a realidade do país na atualidade, onde as entidades do terceiro setor ganham força, e se valem das temáticas raciais e socioeconômicas para lucrar, lavar dinheiro, aumentar o prestígio e satisfazer o ego de seus patrocinadores.

Além disso, procurou-se demonstrar que a tentativa de superação da discriminação racial encontra óbice  desde a colonização, já que o sistema faz com que aqueles que lutam por igualdade de direitos entrem em contradição quando expostos à possibilidade de ascensão social, como se verá a seguir.  

2 ANÁLISE CRÍTICA

 

A mensagem do filme é fundamentada em três searas, quais sejam: a) seara racial; b) seara do Terceiro Setor; c) seara da desigualdade de oportunidades.

  Nas primeiras cenas do filme, destaca-se a história da Joana, personagem rica em contrassensos. Joana era ex-escrava, negra alforriada, que se vê injustiçada pelo senhor Manoel Fernandes, branco, senhor de escravos. Este havia levado os escravos de Joana. Joana, revoltada, faz uma comitiva para tentar reaver os escravos que são seus, na forma da lei. No fim, acaba condenada por ofensas e perturbação da ordem.

Analisando estas cenas percebe-se que Joana, como negra alforriada, com certeza lutou pela causa negra, pelo fim da escravidão. Ocorre que quando Joana ganhou a alforria, se esqueceu da causa negra, se esquece da sua história, se sente uma cidadã de direitos. Joana, vítima do sistema, passa a ser dona de escravos, e gosta disso. A alforria lhe dava direitos de escravizar sua raça negra, afinal agora tinha um status maior na sociedade. Estava um nível acima dos demais negros. Esta realidade se torna mais evidente quando é mostrada a cena onde Joana posiciona todos os seus escravos, cheia de vaidade, para tirar uma foto típica das famílias ricas daquela época. Era chique posar ostentando a propriedade de escravos que, aliás,  ganhavam título de “coisa”, já que registrados em cartórios.  

Ocorre que na mesma cena, Manoel Fernandes mostra à Joana que as conquistas dela não foram tão amplas assim, pois bastou um rico, branco, que possuía maior riqueza agir em arbitrariedade, furtando escravos de Joana, para que ela se visse, injustiçada e sem direitos. A cena evidenciou o distanciamento entre o discurso e a realidade. Ou seja, demonstrou que os negros não tinham vencido a luta racial, tampouco a de classe. Joana foi condenada, na forma da lei. Apesar das cenas supracitadas retratarem a realidade do século XVIII, se assemelha com a nossa realidade atual, onde predominam desigualdades de direitos.

Ato contínuo, as cenas subseqüentes destacam a questão da atuação das entidades do Terceiro Setor. O filme retrata vários tipos de entidades, com diferentes públicos. No entanto, o maior enfoque é dado para a empresa Stiner, que é uma entidade de apoio às comunidades carentes, cujas ações estão voltadas para a melhoria da qualidade educacional. A Stiner era uma empresa liderada por falsos altruístas, com objetivos egoístas, treinados para a captação de recursos e novos investidores, que exploravam as misérias  humanas.

Através da Stiner, o autor mostrou que nem todas as empresas do Terceiro Setor são idôneas. Mostrou, ainda, que muitas vezes, os custos de manutenção das entidades do Terceiro setor são muito grandes; Tão grandes que o dinheiro gasto com a estrutura dessas entidades ajudaria muito mais pessoas do que as que são efetivamente beneficiadas pelas ONGs.  Além disso, investir em negócios do Terceiro Setor tem sido algo muito vantajoso para aqueles que têm falsos ideais altruístas, isto porque o apoio governamental e  as  isenções fiscais tornaram-se grande fonte de lavagem de dinheiro, e no fim, mesmo com tantas irregularidades latentes, estas empresas ainda são aplaudidas, elogiadas e bem vistas pela sociedade  já que praticam a tão elogiada “responsabilidade social”. Ou seja, mais uma vez se evidencia a força do sistema, que é dominado pelas classes mais altas.

Por fim, nas últimas cenas do filme o autor retrata que a falta de oportunidade e a vontade de ascender socialmente, levam muitas pessoas para o caminho da criminalidade, como aconteceu com o personagem Candinho, comparado a um capitão do mato do século XVIII, que desempregado, e desejando uma rápida ascensão, passa a matar em troca de dinheiro. Mata, inclusive, a personagem Arminda, que sabedora de todos os podres do sistema e conhecedora das raízes históricas, crê que irá fazer revolução ao escancarar verdades.  Mais uma vez se mostra que a sociedade atual ainda vive a escravidão, só que, agora, tendo a dominação dos economicamente desfavorecidos pela força superior dos capitalizados. 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O filme demonstra que em mais de três séculos de lutas, os avanços foram lentos, ineficazes e maquiados. A verdade é que a causa negra não passou do âmbito legislativo. Judicialmente e executivamente os avanços são a passos lentos. A questão não se cinge apenas aos Poderes da República, mas à sociedade em geral. Os negros continuam tendo menos acesso à educação, menos acesso a altos cargos e salários, e continuam à margem da sociedade. Não há igualdade de oportunidades. É muito pouco provável que a segregação deixe de existir por completo, mas é preciso continuar a luta pelo respeito, pela igualdade de tratamento, por segurança jurídica e principalmente é preciso continuar a luta pelos ensinamentos de valores as novas gerações. Isso pode mudar a realidade do país.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

QUANTO vale ou é por quilo?. Direção de Sérgio Bianchi. Produzido por Patrick Leblanc e Luís Alberto Pereira.  Riofilmes, 2005. 1 DVD (110 min).