1.      INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise do filme Cisne negro sob a perspectiva da abordagem do psicodrama, fundamentando em uma leitura psicodramática da psicose, visto que o filme trata da história de uma personagem que vivencia a psicose e é revestida de um drama singular.

A análise foi pautada no fundamento teórico exposto, onde trabalharemos o caso de Nina, personagem principal do filme e como ela se relacionou com o próprio mundo, realizando então uma explanação sobre suas vivências e concluindo com uma reflexão de como um acompanhamento psicológico poderia auxiliá-la no enfrentamento de suas dificuldades.

A fundamentação teórica foi desenvolvida a partir de pesquisas bibliográficas que nortearam a análise e deram subsídios para a investigação do caso, nos proporcionando ferramentas para o estudo.

  1. 2.      SINOPSE

O filme Cisne Negro foi lançado em 2010. Tem como protagonista Nina (Natalie Portman) que é bailarina de uma companhia de balé de Nova York. Sua vida, como a de todos nessa profissão, é inteiramente consumida pela dança. Ela mora com a mãe, Érica (Barbara Hershey), bailarina aposentada que incentiva a ambição profissional da filha.

O diretor artístico da companhia, Thomas Leroy (Vincent Cassel), decide substituir a primeira bailarina, Beth MacIntyre (Winona Ryder), na apresentação de abertura da temporada, O Lago dos Cisnes, e Nina é sua primeira escolha. Mas surge uma concorrente: a nova bailarina, Lily (Mila Kunis), que deixa Leroy impressionado.

O Lago dos Cisnes recriado por Leroy requer uma bailarina capaz de interpretar tanto o Cisne Branco com inocência e graça, quanto o Cisne Negro, que representa malícia e sensualidade.

Nina se encaixa perfeitamente no papel do Cisne Branco, porém Lily é a própria personificação do Cisne Negro. As duas desenvolvem uma amizade conflituosa, repleta de rivalidade por parte de Nina, que começa a entrar em contato com seu lado mais sombrio, com uma inconsequência que ameaça destruí-la.

  1. 3.      PSICOSE EM UMA LEITURA PSICODRAMÁTICA

A discursão a cerca do normal e patológico perpetua em todas as esferas da psicologia independentemente da linha de atuação do psicólogo. O psicodramatista por sua vez, visualiza o sujeito como um ser relacional, social, um ser espontâneo, com a capacidade de reconhecer o outro. E é nessas relações entre os indivíduos que elas podem se tornar saudáveis ou patológicas. Podemos perceber que a concepção de saúde é relacional, o que implica no sujeito saber transitar pelos vários papeis desempenhado por ele em determinados momentos no decorrer de sua vida.

“O psicótico, impotente de maneira ampla para o encontro, para o eu-tu, estaria refugiado e isolado em seu eu. No desespero de sua solidão, fabrica um tu delirante para acompanhá-lo. A doença mental, neste enfoque, é a patologia do encontro, uma patologia entre eu e tu, uma patologia da comunicação, uma patologia relacional” (Fonseca, p.270, 2000. apud).

De acordo com o DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais):

Transtorno mental é contextualizado como uma síndrome ou padrão comportamental ou psicológico clinicamente importante, que ocorre em um indivíduo e que está associado com sofrimento ou incapacitação ou com um risco significadamente aumentado de sofrimento atual, morte, dor, deficiência ou uma perda importante de liberdade. (DSM IV, 1995, p.20-21)

Mas o psicodramatista não está preocupado em classificar que tipo de doença tem o sujeito, sua preocupação é com o sujeito, como relacionar-se com seu mundo, como isso o afeta, como ele age diante dos acontecimentos.

O processo do adoecer afeta as funções essenciais da personalidade, de forma autônoma. Na antropologia moreniana, a espontaneidade adoece em suas funções de adequação e de criação. E também a dimensão relacional do indivíduo pode adoecer, envolvendo assim o grupo e a tangibilidade, e ocasionando a patologia do papel. (MARTIN, p. 229. 1996)

Assim uma das formas do adoecer seria uma espontaneidade inadequada, que geraria uma má ou não inversão de papeis. No processo do adoecer como cita (MARTIN, p. 229. 1996) as funções essenciais da personalidade são afetadas causando um adoecimento da espontaneidade, uma inadaptação, envolvendo o desvio das normas culturais e sociais criando uma realidade paralela, uma fantasia, prejudicando a dimensão relacional do indivíduo e acarretando a patologia do papel.

A espontaneidade criadora adoece, pois segundo MARTIN “a vida está abarrotada de normas, costumes, hábitos, mecanismos que por um lado tornam mais cômoda a existência e por outro, atentam contra a vida genuína” (p. 232). Surgindo assim uma neurose, o sujeito fica preso à estereotipia de sua atuação, não tendo diversidade e criatividade de ação ou promovendo a fuga da realidade.

É importante citar o papel fundamental que os pais e do sistema educacional têm no estabelecimento de culturas que ameaçam a espontaneidade ao limitar a criatividade e espontaneidade do sujeito ainda em desenvolvimento. “Moreno atribui grande parte do adoecimento da espontaneidade criadora ao sistema educativo, que faz memorizar, porém esquece a relação com a vida”. (p. 233)

A relação télica com o grupo também é prejudicada, pois o individuo não se adequa ao grupo, afetando ainda mais no desenvolvimento da patologia.

Outro elemento atingido é o Papel, este adoece segundo MARTIN, porque a sociedade nos impõe a aceitação de funções vitais que não desejamos cumprir, tornando uma frustação constante, ou porque realizamos o papel que desejamos, contudo não como gostaria de desempenhar.

Nas fases do desenvolvimento humano também é possível perceber alterações psicológicas decorrente da estagnação em uma determinada fase. São dez as fases do desenvolvimento, a indiferenciação, simbiose, reconhecimento do eu, reconhecimento do tu, relações em corredor, pré-inversão, triangulação, circularização, inversão de papeis e o encontro.

Dentre essas falaremos um pouco sobre a simbiose, o reconhecimento do Eu. Na relação simbiótica a criança começa a ganha autonomia, se identificar como pessoa, um ser único diferente do outro, do Tu e do mundo. Mas não por completo, ainda há uma grande ligação com a mãe. Se essa ligação não for se estreitando de forma saudável aos poucos, e permanecer essa ligação de forma simbiótica, no futuro poderá causar distorções na personalidade em sua maneira de ver o mundo. O reconhecimento do eu é o estagio onde a criança passa a se reconhecer como um ser diferente da mãe, com sua própria identidade.

Desta forma podemos compreender ser o adoecimento da espontaneidade o fator que adoece o humano.

  1. 4.      ANÁLISE

Nina é uma jovem introvertida, colérica, ingênua, perfeccionista, disciplinada, que ainda mora com a mãe onde é dominadora, autoritária, sufocadora, e bailarina aposentada, que transfere para filha o sonho de ser uma grande bailarina. Nina representa o papel de bailarina nos dois únicos ramos da sua vida que se restringi a companhia e sua casa, não havendo assim uma diferenciação de papeis, já que ela desempenha o papel de bailarina em casa e no trabalho, não conhece outra vida a não a relacionada com o balé. Segundo KNOBEL (2011) o “Eu” na teoria psicodramática se forma e desenvolve-se a partir do desempenho de papeis e o inverso deste pode causar uma conduta diferente dos padrões normais.

Percebe-se que durante toda sua vida a personagem principal Nina nunca pode exercer seu papel com espontaneidade, pois sua mãe sempre cuidara dela como se ela fosse uma eterna criança. Desde os cuidados básicos de higiene até seus laços sociais e afetivos. A relação de simbiose inicial com a mãe, de forma que a mesma não permite que a filha tenha autonomia, é característica de uma má formação na fase de simbiose, na qual a relação com o primeiro ego-auxiliar começa a se estreitar, no caso dela esse laço ficou ainda mais forte, pelo fato da mãe ficar dependente da filha.

Com característica da psicose, Nina passa a ter alucinações tanto visuais, como também se automutila. As alucinações são muitas vezes visões dela mesma, representando o outro lado oculto, um lado negro, caracterizado pelas roupas em tons escuros, já que a mesma sempre usa tons claros.

As mutilações tanto nas costas, como as alucinações foram formas compensatórias encontradas para afirmar o seu Eu, já que o reconhecimento do eu estava distorcido, ela não conseguia se diferenciar da mãe, esse foi o modo que ela encontrou para reconhecer a si mesmo. Assim como a masturbação também é uma forma de confirmar esse Eu, de forma sensorial e sexual. O diretor ao perceber que Nina tinha dificuldade de expressar seu lado sensual e maléfico a incentivou a se masturbar, fato que favoreceu o início de sua diferenciação de sua mãe, pois buscou privacidade e desempenho de seu papel de mulher, até então não vivenciado.

No filme nina começa a piorar seu estado ao receber o papel principal, o de cisne negro e cisne branco, o cisne branco ela se encaixava muito bem, pois nas palavras do diretor ela era bela e assustada, mas para transitar para viver o cisne negro ela necessitava encontrar nela seu lado sensual, maléfico, seguro e convicto tudo o que Nina não havia desempenhado até o momento. Encontrar esta outra parte para ela se tornou um grande perigo, pois segundo FONSECA (2008) p. 109 o bloqueio do “psicótico”, especialmente em surto (...) é muito mais intenso, amplo e profundo. A inversão de papeis torna-se ameaçadora, invasora.

Nina vivenciou uma angústia enorme, mas manteve-se cumprindo com o seu papel de bailarina, angústia esta acarretada da pressão de todos os outros papeis contidos que buscavam realização, explodindo em um desempenho de papel impregnado de grandiosidade e megalomania, numa compensação do longo período de contenção, segundo FONSECA (2008) p. 111 - 112, os papeis delirantes significam uma rebelião contra as táticas repressivas da personalidade que impedem o livre fluir de papeis proibidos, como no caso dela o papel de mulher, por exemplo.

Ao se deparar com a existência de outro lado, Nina é assombrada com isso sempre alucinando ao ver sua própria imagem em outras pessoas, vestindo sempre roupas escuras, cabelos soltos e um ar de sedução e segurança, o outro lado negado e contido, houve uma transferência deste lado para a outra bailarina Lili que tinha espontaneidade, leveza e charme. Nina no delírio da cena de luta entre cisne branco (ela) e cisne negro (Lili) assume enfim o seu cisne negro, antes impotente de realizar este passeio, consegue transitar de forma perfeita ser cisne negro e cisne branco, vivendo e sentido os dois pulsando em si.

o psicótico terá bloqueios nas vias que permitem um livre trânsito entre os dois mundos, confundindo-os. Daí a dificuldade de sair de si, de ser o outro, de desempenhar um papel no ‘como se. (FONSECA, 2008, p. 112).

 E isto é o que acontece com Nina que se transmuta no cisne negro e o vive intensamente, deixando de ser ela própria para ser a transfiguração viva de mulher em cisne.

            A protagonista relutou em desempenhar o papel do cisne negro, relutou em encontrá-lo em si, mas também queria ser perfeita como Bethie, assumindo as ordens e conselhos do diretor, ao pedir que ela encontrasse sua feminilidade, que se masturbasse. Um sentimento afetuoso e ciumento foi desenvolvido para ele, ele representava a ela o príncipe e o feiticeiro ao mesmo tempo, desencadeando em alucinações de possessão sexual dele como feiticeiro e ela em seu lado negro.

            Por fim em sua grande noite Nina tem uma crise de alucinação visual e sensorial, onde mata Lile por querer tomar seu papel de cisne negro (em sua fantasia), no palco ela se entrega ao seu lado negro e desempenha com grande esplendor. Depois da apresentação desta cena ela beija o diretor na frente de todos, sua postura era de uma mulher segura, confiante. No camarim percebe que não matou Lile, já que a mesma vem lhe parabenizar pela atuação. Nina estava travando uma luta com seu si-mesmo, em busca de autoconhecimento, de autoafirmação. Então ela se feriu, e parte para o último ato da peça, assim como o último ato de sua vida. Onde se sente totalmente realizada, ela encontra a plenitude e faz o encontro com seu ser.

 

  1. 5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

A referente pesquisa nos possibilitou fazer uma análise descritiva do filme cisne negro, sob a perspectiva do psicodrama. Com base no que foi analisado é possível perceber que todo seu problema girava em torno da espontaneidade e da inversão de papeis.

No caso de uma psicoterapia psicodramática uma boa avaliação do estado psicológico atual do paciente, conhecer um pouco de sua dinâmica familiar, para depois traçar um melhor plano de procedimento. No caso de Nina o melhor procedimento seria um atendimento bipessoal, dependendo do nível transferencial adicionando um ego-auxiliar, e um atendimento a matriz identidade primária, no caso a mãe. Se utilizando também de técnicas como o duplo para que ele possa perceber através da representação do ego-auxiliar condutas e desejos que o mesmo não percebe.

Foi interessante perceber os desdobramentos da vida psicótica de Nina com uma olhar psicodramatista, perceber as relações dela com sua má desenvoltura na inversão de papeis, a matriz identidade também distorcida e sua espontaneidade sufocada. É perceber na prática o que foi visto em sala de aula.

 

 

 

  1. 6.      REFERÊNCIAS

CAMOSSA, Denise; LIMA, Norma. O psicodrama e sua contribuição para a saúde mental. 2011. Disponível em <http://www.sumarios.org/sites/default/files/pdfs/15_69.pdf> Acesso em 16 de nov. 2012 às 15h34mim.

FONSECA, José. Psicodrama da Loucura. 7°edição. ed. Ágora, 2008.

KNOBEL, A. M. Coconsciente e coinconsciente em Psicodrama. Revista Brasileira de psicodrama. Rev. bras. psicodrama vol.19 no.2 São Paulo  2011. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicodrama/v19n2//a12.pdf.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. DSM IV. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.  

MARTIN, E. G. Psicologia do Encontro: J.L. Moreno. 2°edição. ed. Ágora. 1996.

SITE Cinema 10. Cisne negro sinopse. Disponível em <http://cinema10.com.br/filme/black-swan - > Acesso em 16 de nov. 2012 às 14h49min.

TFAUNI, Juliana. PSICOTERAPIA DE GRUPO: Um recurso no tratamento da psicose - Um caso clínico de sexualidade, uma leitura psicodramática. 2010. Disponível em <http://www.febrap.org.br/anexos/juliana_tfauni.pdf> Acesso em 16 de nov. 2012 às 15h06mim.