É uma tarefa de extrema dificuldade falar de Clube da Luta sem entrar em modismos após o filme ser elevado a categoria de cult, por isso, o que farei nesse texto não passa apenas de uma visão de alguém que entra em constante conflito dentro de si, logo, reconheço similaridades entre Sebastian (Personagem de Edward Norton) e Tyler Durden (“Personagem” de Brad Pitt) e o método como minha mente trabalha. 

Para começar, vamos primeiro falar sobre o filme em si. Com David Fincher na liderança desse projeto cinematográfico, tudo não passou de um tiro no escuro que a priori acertou bem em cheio o pé da Fox, produtora que desembolsou a quantia necessária para a produção. O filme não se saiu como esperado nos cinemas, só depois da sua revitalização em forma de blu-ray caiu no gosto do público massivo, tornando-se, atualmente, símbolo da cultura pop e metodologia de vida para muitas pessoas.

Quando falamos de carisma não há dúvidas de quem a grande maioria que assistiu ao filme tem em mente: Tyler Durden. Isso é explicável, uma vez que ele representa tudo que queremos fazer, falar ou ser. Livre das amarras das convenções sociais e adepto dos instintos primitivos, ele consegue atrair o centro das atenções para si, uma vez que o seu espírito sábio e um tanto quanto cínico (tanto no sentido atual quanto no sentido que os gregos davam à doutrina filosófica criada por Diógenes) influência no pensamento dos integrantes do clube, os manipulando ao seu bel prazer. Tyler é a representação do subconsciente dos que vivem e sentem pulsar a selva que é o atual mundo dominado pelo consumismo, revidando por meio da dialética, mostrando todos os seus pensamentos de teor anarquista. Não nego que ele esteja bem certo quando se refere à alguns assuntos, como o seu discurso sobre a atual geração considerada fraca e insegura que sempre evita os confrontos que a vida traz:

“Nós somos os filhos do meio da história, sem propósito ou lugar. Não tivemos Grande Guerra, não tivemos Grande Depressão. Nossa grande guerra é a guerra espiritual, nossa grande depressão é a nossa vida. Fomos criados pela televisão para acreditar que um dia seríamos ricos, estrelas de cinema ou astros do rock. Mas não seremos. E estamos aos poucos aprendendo isso. E estamos muito, muito revoltados.”

Constantemente nos deparamos com a nossa própria tristeza, a falta e a busca de significado na vida é o que move os integrantes de tal clube, a busca de um significado na vida, sem a necessidade de se ver “feliz” com uma mobília comprada em inúmeras parcelas somente pela ânsia fornecida pelas compras, tão eloquente quanto qualquer droga e tão devastadora como tal., isso é muito bem exemplificado no começo, quando Sebastian levava uma vida quase normal (tirando o fato de que no começo já havia a existência de seu álter ego) preenchida somente pelo sua compulsividade de comprar, tendo, dito pelo mesmo, sua vida reduzida somente ao seu apartamento e sua mobília.

Outro momento que deixa claro que Tyler é uma representação do subconsciente, não só de Sebastian, como de todos nós, habitantes desse moderno mundo líquido é quando, mesmo que indiretamente, ele se refere ao ego inflado por muitos com objetos materiais ou cargos de responsabilidade:

“Você não é seu emprego ou o dinheiro que possui”

Por mais que tenha sido falada somente uma curta frase, essa pequena parte da obra prima que é um retrato da situação atual mundial, consegue ao mesmo tempo, avisar sobre a falsa imagem de cidadão perfeito que todos devem ter, seguindo fidedignamente o que já está imposto:

-Nasça! Cresça! Aprenda! Trabalhe! Case! Procrie! Morra! No meio de todo esse processo, Compre! Mas nunca reflita nem questione.

Toda essa corrente deixa de tentar ser quebrada depois que o indivíduo passa a sofrer uma pressão, seja interna ou externa, de seguir esse ciclo. Tristeza, falta de sonhos ou realizações próprias e acima de tudo, desconhecimento do próprio potencial compõe o ser humano “evoluído”, e Tyler Durden vêm se contrapor a isso. Ele é, assim como Sebastian (Edward Norton) a mesma imagem de todos nós. Por fora, na crosta, uma criatura entregue para a sociedade, apta a alimentar o monstro que corrói o mundo, o consumismo desenfreado e os valores que fortalecem o mesmo, por dentro, um bicho composto de raiva, liberdade e conhecimento, ciente de sua situação, enjaulada dentro de uma cela menor do que ela, sempre buscado sair, mas quase sempre apagada pela falta de luz.

Por mais que Sebastian/Narrador (Edward Norton) seja a figura chave desse trajeto de sangue, suor e anarquia, acaba sendo um pouco ofuscado (propositalmente acredito eu) por si mesmo, mesmo tendo, após a reviravolta chave uma exposição de personalidade maior, não teve tempo o suficiente para brilhar. Mas e se eu lhe disser que tudo isso foi proposital? Acreditaria em mim? Se Tyler é a representação do que queremos ser, Sebastian é a representação do que somos, ao menos, dentro do convívio social. O mesmo chega ao ponto de necessitar que o seu subconsciente crie uma figura, para que ele perceba que, desde o começo, já tinha a autonomia de ser contra o sistema imposto a todos nós.

Temos consciência de que algo no impede de termos o direito de controlarmos nossa própria liberdade? Sim. Fazemos algo para a termos, comprarmos o que nos convêm sem deixar nos influenciar pelas propagandas, pelo marketing agressivo ou por uma elevação de status que aquilo que temos ou compramos nos dá? Deixo essa pergunta em aberto.

Percebo o quanto a necessidade de se conhecer é importante para podermos conhecer o âmbito da nossa liberdade individual, algo que muitos jovens iguais a mim procuram escapar. Convivi comigo tempo suficiente para saber o que é meu e o que é algo que aderi, por absorção do mundo externo e/ou das pessoas ao meu redor. A clareza das minhas ações, falas e ideais não me permite arrependimentos, medo ou tristeza (pelo menos quando o único objeto em questão é somente a minha pessoa, o trabalho de empatia é algo a ser trabalhado em um texto posterior). Não estou querendo me vangloriar ou me passar por superior, apenas mostrar o quanto o autoconhecimento ajuda na tomada de decisões. Deve-se também haver um equilíbrio entre o são e a insânia, a razão e a emoção, o Tyler Durden e o Sebastian.

Ao fim, quero dizer que Clube da luta se trata de um retrato cru, e em alguns momentos, com um humor negro sólido que demonstra até aonde os impactos do consumismo, exageros, e a falta de propósitos levam o ser humano. Sobretudo o autoconhecimento como peça-chave para a quebra de paradigmas impostos por indivíduos que sequer aplicam o que impõem para os menos afortunados. Clube da luta não é só um filme, é um tapa na cara e ao mesmo tempo um beijo, ele te mostra seus erros como indivíduo e lhe mostra os culpados. Não somente o filme é bom por ter isso ou aquilo legal, ele faz por onde para merecer o título de “Um dos melhores filmes já feitos” embora muitos se esqueçam, que acima de tudo ele é:”Uma das melhores adaptações de um livro na história do cinema”.