Analise do conto “O espelho de Machado de Assis”

Alcantara. Patricia Moreira (URCA)

Neste conto, Machado de Assis apresenta a teoria de que o homem tem duas almas ‘uma que olha de dentro pra fora, outra que olha de fora pra dentro... Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; e assim também a polca, o voltare, um livro, uma maquina, um par de botas, uma cavatina um tambor, etc. E narra o caso de um jovem que, sendo nomeado alferes da Guarda Nacional, tanto se identificou com a patente que o ‘alferes eliminou o homem’.

O conto tem como tema central a questão da identidade, ou melhor, o problema da divisão de eu ou do desbrobramento da personalidade. O enredo trata de um momento da vida de Jacobina, narrador e protagonista da historia, que passa por um processo de (re) estruturação e que inusitadamente, confronta-se com o outo que lhe habita, ou seja, com seu próprio desejo.

Ao ser nomeado alferes, sendo ele um jovem pobre, esta patente lhe deu ascensão social. Logo no inicio da careira ele adquirir um status, se tornando a atenção de todos. Ocorreu uma transformação rápida, a mudança do seu nome de batismo e ao diminutíssimo de afeto familiar Joãozinho para o de Senhor Alferes.

Ao passar alguns dias na fazenda de sua tia, ele elimina o homem e dá lugar ao Sr. Alferes. A entrada do espelho no quarto de Jacobina é mimosamente descrita e cuidadosamente marcada no conto, pois o objeto mais precioso da casa reproduzirá aquela imagem do novo Jacobina, criada pela sua passagem a alferes.

Ao ficar sozinho Jacobina perde sua identidade, não consegue se reconhecer, ou seja, não conhece a sua verdadeira imagem de Joãozinho. Jacobina só reconhece o alferes ao procurar sua imagem apenas reconhece a imagem criada pelos outros. Deste modo, vemos que não basta vestir a farda; é preciso que os outros a vejam e a reconheçam como farda, que acaba sendo sua alma exterior, indispensável para a integridade psicológica do personagem: ser por meio dos outros. Quando falta o olhar do espelho do outro, Jacobina vai ao espelho, que dirá o que o eu parece ser.

Machado de Assis inserir no conto um jogo de alternâncias entre objetividade e subjetividade; entre concreto e abstrato; entre tempo cronológico e psicológico; entre narrador em terceira pessoa e primeira pessoa.

O conto tem como espaço físico Santa Tereza, um bairro bucólico de classe media alta no Rio de Janeiro, na época residiam muitos funcionários públicos. Passava-se no final do século XIX.

O conto narra uma experiência única que evidencia o quanto se faz real a fixação de uma imagem construída pela farda. É uma imagem que absorve o homem, deixando para trás a face escura do desejo, que permanece sempre em forma de uma interrogação não respondida.