ANÁLISE DO ASPECTO INTERTEXTUAL PRESENTE NA OBRA O SÍTIO DO PICAPAU AMARELO

                                               Pobres crianças brasileiras! Que traduções galegais!                                                               Temos de refazer tudo isso – abrasileirar a linguagem.

                                                                                                                      Monteiro Lobato

            O principal ponto de estudo dessa pesquisa é a intertextualidade (a recriação que o autor faz de um texto em outro). Diante do oposto, passaremos a visualizar focos intertextuais presentes na obra O Sítio do Picapau Amarelo, que serão referendados ao livro da série, intitulado O Picapau Amarelo, que é composto de intertextos lobatianos para a literatura infantil brasileira e considerados pelos estudiosos dessa grandiosa obra como o mais completo da série.

            De acordo com estudos feitos sobre o autor deste livro, toda a sua obra foi uma prefeita intertextualidade, pois esse aspecto não só é encontrado em relação ao mundo maravilhosos (fantasia e fábulas) como nas realidades históricas e temporais do Brasil e também de outros países.

            Comentários existem, de que o próprio Sítio do Picapau Amarelo é uma intertextualidade da fazenda onde Monteiro Lobato passou maior parte da sua infância: Fazenda São José do Buquira, a qual quando adulto herdou do seu avô, Visconde de Tremenbé. Espaço rural, onde se vivia de maneira mais livre e em contato com a natureza; onde as crianças brincavam, mas também tinham suas responsabilidades a cumprir e as cumpriam; onde se ouviam histórias da carochinha e contos de fada e se acreditava num mundo melhor no futuro. Vejamos o que nos diz Leonardo Arroyo quando comenta sobre a história que deu início à obra em análise:

                                               O peixinho puxou, na imaginação do escritor, velhas lembranças da                                        fazenda, brincadeiras com as irmãs, as estórias contadas pelo                                                            agregado Evaristo, a pesca de lambaris no ribeirão com a mulata                                               Joaquina – tudo gente da infância de Monteiro Lobato em Taubaté.                                       Daí nasceu o “Narizinho Arrebitado” (1990/2002).

            Assim, nasce o Sítio do Picapau Amarelo, o mundo criado por Monteiro Lobato para as crianças de outras terras.

1 – O ENREDO

                                               Acho que o único do mundo onde há paz e felicidade é no                                                      sítio da Dona Benta. Tudo aqui corre como um sonho.

                                                                                                                                                                                                                                                                              Emília

            Como toda literatura infantil para ser uma boa literatura deve ser essencialmente simples e clara, para tornar-se bela. Procuraremos encontrar e conseqüentemente mostrar ao leitor esse aspecto fundamental na obra de Monteiro Lobato, a qual está em análise: O sítio do Picapau Amarelo, e imediatamente deteremos-nos ao livro que tem em seu título, a marca da obra inteira: “O Picapau Amarelo”.

            Lobato estava cansado de ver a maneira como as crianças eram tratadas literariamente; diante de fato decidiu a idéia de fazer literatura para crianças. Estudiosos afirmam que sua primeira história, A menina do narizinho arrebitado, foi baseada em Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol, onde até a separação do sonho e do real existiu.

            Com o sucesso da história, Monteiro Lobato decidiu continuar, porém sua preocupação é constante em agradar cada vez mais seus leitores mirins e então usa o ingrediente mágico para fazer o seu mundo, O Sítio, ser realmente um mundo maravilhoso: a imaginação. Vai buscar na sua infância, na dos seus filhos, na do filho de seu amigo, os ingredientes básicos para formar o fantástico de suas histórias. Assim, Lobato coloca em ação suas idéias e surge daí o Sítio do Picapau Amarelo.

            O Sítio do Picapau Amarelo é habitado por inúmeros personagens, afinal, o sítio é um mundo criado por Lobato, porém necessário se faz enfatizarmos só os personagens principais. São eles: Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho, Quindim (um rinoceronte), Conselheiro (um burro falante), Emília (uma boneca) e o Visconde de Sabugosa (um sabugo de milho). Esta obra é considerada como um mundo que se iniciou focalizando o interior brasileiro, mas que no decorrer da trama tomou proporções universais.

            O Sítio do Picapau Amarelo é visto como um reino de liberdade. Lá todos os seus personagens tem direito de ser, fazer, pensar, agir e acima de tudo, de tomar iniciativa. É um lugar descrito como um reino de encantamento, no qual mistura-se realidade e fantasia. Entre seus personagens misturam-se pessoas, brinquedos e animais.

            No livro O Picapau Amarelo encontraremos, além dos personagens já habitantes do sítio, outros personagens que se mudam para lá: São personagens do mundo das fábulas européias e orientais e da mitologia grega, que vão fazer com que as crianças do sítio fiquem polvorosas com a experiência que estão prestes a viver: a convivência com esses seres fantásticos do mundo da fantasia. Anunciados por uma carta enviada pelo Pequeno Polegar, os personagens do mundo da fábula decidem morar no Sítio do Picapau Amarelo: Aladim, Branca de Neve, Chapeuzinho, o Gato de Botas, Dom Quixote, Barba Azul, a Gata Borralheira, Peter Pan e seus meninos perdidos, Alice, os personagens da mitologia grega... Para cômoda-las, Dona Benta, enriquecida pelo petróleo, adquire as terras vizinhas ao sítio. As aventuras do Picapau Amarelo terminam com a chegada dos monstros do País da fábulas, que se consideram incluídos no convite, mas são indesejáveis. A turma do sítio consegue livrar-se dos monstros, mas com uma baixa: Tia Nastácia é raptada.

            Dessa forma, vive-se a maior aventura no Sítio do Picapau Amarelo, onde todos estão sempre juntos nos problemas e também nas vitórias.

1.2 – OS PERSONAGENS

 

            Segundo Nely Novaes Coelho (1984), os personagens do Sítio, com exceção de Emília são arquétipos. Assim como todos os autores estudados, começamos nossa análise sumária pela personagem de Dona Benta.

            Dona Benta: É apresentada ao leitor como a avó ideal. A avó que toda criança gostaria de ter: sábia, amável, paciente, equilibrada, culta e educada. Dá liberdade aos netos como aos outros integrantes do Sítio, entretanto se ultrapassarem o limite, impõe-se, lembrando-os que lhe devem respeito e obediência, afinal, é a proprietária do sítio. É viúva, de idade variada entre as histórias, mas aparece sempre na casa dos sessentas. Lobato descreve-a, variavelmente, como uma velha de mais de 60 anos. Apesar da idade, é uma avó que participa da vida e das aventuras dos netos, Pedrinho e Narizinho.

            Além de todas as qualidades apresentadas, Dona Benta ainda é narradora de fábulas às crianças do Sítio, e  as narra de uma maneira muito simples. Veja o que diz Ruth Rocha sobre o assunto:

                                               Fazia tempo que Dona Benta não contava aos meninos uma história,                                       --- vovó secou, não tem mais suco --- dizia Pedrinho. --- Está como                                         laranja chupada: bagaço só.

                                               --- Mas que história vocês querem? Perguntou Dona Benta.

                                               --- Conte a história de Monteiro Lobato, vovó (...), mas conte da sua                                        moda. Suprimindo todos os pedaços que habitualmente os leitores                                         pulam (1981, p. 03).

            Nessa fala, a autora mostra que Dona Benta ao narrar histórias aos netos, deixava de lado o rebuscamento da época e as contava da forma mais simples e clara que a linguagem popular pode apresentar.

            Tia Nastácia: Aparece como a personagem que mais se aproxima de Dona Benta, afinal, de adultos são só elas duas, para comandar o Sítio. Tia Nastácia é vista como a companheira fiel de Dona Benta e não é só: a empregada tem mais ou menos a mesma idade de Dona Benta.

            Lobato, criou o personagem Tia Nastácia inspirando-se na babá de seu filho, Edgard, que tinha o nome Nastácia e era querida na família. Ademais, Tia Nastácia é querida por todos, afinal, faz gosto em contar histórias populares e mais gosto ainda em preparar os petiscos deliciosos que a tornaram conhecida no mundo inteiro, fazendo com isso algum dos novos moradores do sítio não quererem sair da cada de Dona Benta.

            Tia Nastácia é uma figura bem brasileira, é através dela que são narrados os contos populares, que tem suas origens no folclore.

            Narizinho: É descrita como uma menina com idade de 7 a 9 anos, neta de Dona Benta e, nas narrativas, seus pais nunca são mencionados. Sendo assim, Narizinho vive com a avó. Seu nome é Lúcia. Provavelmente A menina do Narizinho Arrebitado seja uma intertextualidade de “Alice no País das Maravilhas”.

            Pedrinho: Este é também neto de Dona Benta, não mora definitivamente no sítio, como Narizinho, mas passa todas as suas férias por lá, vivendo e também fazendo as aventuras maravilhosas do Sítio do Picapau Amarelo. Tem entre 8 e 10 anos de idade. Pedrinho mora no Rio de Janeiro com sua mãe, Tonica, filha de Dona Benta. É um menino mais ativo que a prima, tanto física, quanto intelectualmente, Lobato atribui características meio idealizadas ao mesmo, muitas vezes descrito como corajoso, honesto, responsável, interessado por assuntos sérios.

            Pedrinho é o modelo de Monteiro Lobato quando menino, pois como Lobato, Pedrinho é leitor ávido das narrativas de aventuras. Mas também existe fundamento em o autor ter-se baseado na figura do filho de Godofredo Rangel. Vê-se assim, que o personagem em análise é uma junção do Lobato menino e do filho de seu amigo Godofredo Rangel. Alguns analistas dizem que Pedrinho, na saga do Sítio do Picapau Amarelo, representa de certa forma o homem da casa.

            Quindim: É um rinoceronte que fugiu de um circo e foi parar lá no Sítio de onde ficou gostando e acabou ficando. Recebeu este nome de Emília. Quindim nada tem no seu comportamento que se compare à sua aparência. Ao ser adotado de maneira entusiasmada pelas crianças do sítio, Quindim passa a ser o guarda-costas do lugar, pelo seu tamanho enorme, pela sua bondade e educação, o que leva a ser visto como o protetor do Sítio do Picapau Amarelo.

            Conselheiro: Aparece nas histórias desde o primeiro volume: Reinações de Narizinho. É um burro falante, porém de pouca fala, no entanto o que diz é sempre sensato. Um sábio!”

            Marquês de Rabicó: é um dos filhotes que ocupa o sétimo lugar em uma ninhada de porquinhos. Dos sete, só restou Rabicó, o último dos irmãos, por ter em Narizinho sua aliada, tomando-o como seu animalzinho de estimação e fazendo seu casamento com Emília, sua boneca, que só o aceitou para ganhar um título nobre: Marquesa de Rabicó, mas não demorou muito para se divorciar. Rabicó é visto como a representação da gula e de um ser incorrigível, mau-caráter.

            Visconde de Sabugosa: É um sabugo de milho que pensa e fala, e sobretudo lê todos os livros: é um sábio. É visto como o intelectual do Sítio, o qual conduz os ensinamentos e informações desse espaço. É a sabedoria masculina adulta do Sítio do Picapau Amarelo.

            Visconde de Sabugosa é colocado também nesse enredo para ocupar o lugar do homem, que não existe no Sítio. Às vezes, ele faz ações de pai, outras, de mestre, companheiro, e assim se faz presente em todo o desenrolar da trama.

            Entretanto, alguns críticos afirmam que Lobato criou esse personagem para com isso, mostrar sua aversão aos títulos, pois o faz fraco ou até o mata. Outros dizem que quando faz isso, é querendo referir-se ao seu relacionamento com o pai e o avô. O personagem Visconde de Sabugosa teria chegado a ser principal, se não existisse a Emília no Sítio, pois o mesmo se desenvolve no desenrolar do enredo e vai-se tornando simpático.

            Emília: É de concordância de todos os críticos da obra infantil de Monteiro Lobato que Emília é o personagem principal das histórias lobatianas e também é notável a idéia comum entre os autores estudados de que Lobato criou em Emília o modelo mirim do Super-Homem, no qual predomina o autodomínio e o individualismo: filosofia que Lobato acreditava ser ponto-chave para a solução dos problemas existentes na sociedade.

            Segundo Coelho:

                                               Emília é o Alter-Ego de Monteiro Lobato; aparece dentro do universo                                       lobatiano, como modelo de rebeldia criadora e de individualismo                                            audaz, confiante e empreendedor e assim, encontra-se na Emília, sua                                           mais completa realização. (...) Indiscutivelmente, ela é a personagem                                     chave do universo lobatiano, pois é a única que vive em tensão                                     dialética com os demais e também a única que sofre transformações                                      em sua personalidade. (1988, p. 730).

            Nas leituras feitas sobre essa personagem, é intrigante a maneira como nos é passado seu comportamento, é é nesse aspecto que se sente de forma penetrante o poder artístico de Lobato em fundir o maravilhoso com o real, pois, através de uma boneca, ele passava sua mensagem às crianças e também aos adultos, com um jeito tão real, que ao mergulhar nas tramas do enredo, Emília torna-se até mais que o próprio leitor. E isso se dá porque, na verdade, as idéias da boneca é a visão que seu criador tem do mundo.

1.3 – OS INTERTEXTOS

                                               Cada vez que uma criança diz: “não acredito em conto de fadas”, em                                       algum lugar uma pequena fada cai morta. (Lobato, 1995, p. 13).

                                                                                                                                 Peter Pan

            Neste item ater-nos-emos em alguns episódios ocorridos somente no volume em análise, O Picapau Amarelo, de maneira a focalizarmos acentuadamente sua intertextualidade.

            Conforme comentário anterior, Lobato narra as aventuras dos personagens do Sítio, quando lá se instalam todos os personagens do Mundo da Fábula. Neste livro, o autor faz um verdadeiro “Rocambole Infantil”, como dizia a seu amigo Godofredo Rangel, em cartas, pois nele acontece a mistura da mitologia brasileira com a mitologia grega, a tradição européia e a oriental, realizando a convivência dos personagens do Sítio com personagens das mais variadas origens fantásticas.

            Faz-se necessário o esclarecimento de que neste livro o autor faz uso da intertextualidade alusiva, pois ao lê-lo, o leitor vai encontrar, como já comentamos, personagens fantásticos variadíssimos, porém, nenhum na totalidade de sua história. O leitor vai encontrá-los sempre conversando com os moradores do Sítio de Dona benta, ou o pessoal do Sítio comentando sobre eles. É portanto, considerado por muito autores, “o ápice” da obra Sítio do Picapau Amarelo, já que incentiva o leitor a conhecer, se ainda não conhece, as obras originais nela aludidas.

            Diante de tantos grandiosos intertextos, destacaremos três, que nos levarão a conhecer decisivamente, o poder que tinha Lobato de intertextualizar as fábulas estrangeiras assim como o fantástico e a realidade brasileira. São eles:

            1 – A Cartinha de Polegar

            2 – Começa a Mudança para o Sítio.

            3 – Branca de Neve e os Meninos.

1.3.1 A cartinha de Polegar

            É o primeiro intertexto do livro em análise e, nele o autor cria uma maneira de trazer o Mundo da Fábula para o Sítio do Picapau Amarelo: é uma cartinha destinada a Dona Benta, escrita pelo Pequeno Polegar, solicitando permissão para que todos os personagens do Mundo da Fábula possam morar no Sítio do Picapau Amarelo.

            É interessante a forma como Lobato começa esta história com jeito sutil de falar, o autor inicia o texto e imediatamente passa a fala para os personagens, sem fazer interrupção. Até aí, vemos sua capacidade de fundir o real com o fantástico. Observe como começa:

                                               O Sítio de Dona Benta foi se tornando famoso tanto no mundo de                                          verdade como no chamado Mundo de Mentira. O Mundo de Mentira,                                       ou Mundo da Fábula, é como a gente grande costuma chamar a terra                                               e as coisas do País das Maravilhas, (...) mas o Mundo da Fábula não                                               é realmente nenhum Mundo de Mentira, pois o que existe na                                                    imaginação de milhões e milhões de crianças é tão real como as                                             páginas deste livro (...).

                                               Só acredito no que vejo com meus olhos (...), dizem os adultos, mas                                      não é verdade. Eles acreditam em mil coisas que seus olhos não                                            vêem, (...).

                                               Deus, por exemplo --- disse Narizinho --- todos crêem em Deus e                                             ninguém anda a jogá-lo, cheirá-lo, apalpá-lo.

                                               Exatamente. E ainda acreditam na justiça, na civilização, na bondade                                       --- em mil coisas, invisíveis, (...). De modo que se as coisas do Mundo                                               da Fábula não existe, então também não existem nem Deus, (...) ---                                        nem todas coisas abstratas.

                                               Eu sei o que quer dizer abstrato --- disse Emília --- É tudo quanto a                                          gente grande não vê (...) --- mas sente que há.

                                               Muito bem. Logo, o Mundo da Fábula existe, com todos os seus                                            maravilhosos personagens.

                                               E tudo existe --- declarou Dona Benta --- que tenho aqui uma carta                                           muito interessante, recebida hoje.

                                               É da mamãe, já sei --- murmurou Pedrinho (...). (Lobato, 1997).

            Nestes trechos transcritos, percebe-se que o autor conversa com os personagens, tornando-se um personagem também. É a fusão do real com o maravilhoso.

            A intertextualidade referente à Fábula do Pequeno Polegar dá-se ao introduzi-lo no Sítio do Picapau Amarelo, através do recebimento de sua cartinha. O autor é fiel ao personagem quando, devido o seu tamanho, faz sua cartinha em uma pétala de rosa. Vejamos:

                                               Dona Benta pôs os óculos e tirou da bolsa uma coisinha dobrada,                                          pequeníssima – uma pétala de rosa!

                                               E o papelzinho em que ele escreve --- e escreve sem tinta, com a                                            ponta de um espinho.

            Na frase sublinhada, vê-se claramente um fato verossímil, que no período, junta-se a um personagem imaginário. É o real mesclado ao maravilhoso.

            Prosseguindo a narrativa, encontramos que quem lê a cartinha do Polegar é Emília:

                                               Muito orgulhoso do seu papel de olho nº 1, Emília aproxima-se                                                           rebolando. Tomou a pétala dobrada, cheirou-a: ah! Rosa Bela Helena!                                     Abriu-a e leu com a maior facilidade:

                                               Prezadíssima Senhora Dona Benta Encerrabodes de Oliveira:                                                  Saudações. Tem esta por fim comunicar a V. Exª que nós, os                                                 habitantes do Mundo da Fábula, não agüentamos mais as saudades                                                do Sítio do Picapau Amarelo, e estamos dispostos a mudar-nos para                                        aí definitivamente. O resto do mundo anda uma coisa sem graça. Aí é                                                que é o bom, em vista disso mudar-nos-emos todos para sua casa ---                                     se a senhora der licença, está claro...

            Diante desse pedido tão cerimonioso e tão convincente, Dona Benta sente-se impossibilitada de recusá-lo, pois além da carta jeitosa, tinha as crianças do Sítio, que ficaram polvorosas: o assanhamento da criançada subiu a 100 graus, que é o ponto de fervura da água. (...) Dona Benta refletiu ainda uns instantes: depois concordou.

            Compra então terras novas para poder receber o mundo da Fábula nas terras do Picapau Amarelo.

1.3.2 – Começa a mudança para o sítio

            Percebe-se que neste episódio é onde se dá a grande mistura dos personagens do “mundo maravilhoso”, pois na sua leitura encontraremos relacionados todos eles: das fábulas grega e oriental.

            Todos chegando com suas bagagens e moradias, menos Pequeno Polegar, que só trouxe suas botas, e Dom Quixote, que além de seu fiel escudeiro, trouxe só o seu escudo, sua espada e sua lança.

            Porém, para tudo isso acontecer, Dona Benta escreve ao Pequeno Polegar aceitando seu pedido, entretanto, impõe-lhe condições: Só poderão morar no sítio do Picapau Amarelo se prometerem ficar só nas “Terras Novas”.

                                               Eles ficavam para lá da cerca e ela e os netos ficavam para cá da                                           cerca, nas velhas terras do Sítio. Quando algum quisesse visitá-los,                                        tinha que tocar a campainha da porteira e esperar que o Visconde                                             abrisse. As condições foram aceitas, e passada uma semana                                                  começou a mudança dos personagens do Mundo da Fábula para as                                                Terras Novas de Dona Benta. O Pequeno Polegar veio puxando a fila.                                                 (Lobato, 1944, p.12).

            Estudiosos afirmam que Monteiro Lobato fez Literatura Infantil para as crianças lerem e morarem juntas com os personagens, mas que também passou, através dessa literatura, informações e formações.

            Como já afirmamos anteriormente, nesse episódio acontece a mistura de todos os personagens fantásticos, onde todos os habitantes do sítio e arredores ficaram em devaneio, crianças e adultos, vendo aquele povo passando. Ficaram felizes e radiantes por tê-los como vizinhos.

1.3.3 – Branca de Neve e os Meninos

            Como já foi comentado, este volume da obra Monteiro Lobato é recheado da intertextualidade alusiva e mais um intertexto nos mostra a graciosidade com que é feito este trabalho do autor.

            Em trechos que serão transcritos, denotaremos a intimidade que Lobato cria entre os personagens tradicionais (europeus e gregos) e os personagens modernos brasileiros (crianças do sítio), construindo uma interação entre eles, e com isso, tece informações de ambos os lados, criando assim um ambiente descontraído.

                                               Lá no castelo da Branca de Neve os meninos ouviam a história da                                           galante princesinha contada por ela mesma.

                                               Pois é assim --- dizia Branca --- A minha perversa madrasta tanto fez                                        que me transformou em princesa. Is to é que se chama atirar no que                                        vê e acertar no que não vê. Os anõezinhos me salvaram. Vejo o                                        príncipe e casei-me.

                                               Uma coisa curiosa --- disse Emília --- a gente sabe toda a vida de                                            vocês princesa, mas nunca sabe nada dos príncipes consortes. Esses                                                príncipes só aparecem no fim das histórias. Casam-se, há uma                                                       grande festa e pronto! (...) Onde anda o seu?

                                               Caçando, é doidinho por caçadas. Só a noite me aparece por aqui,                                         com uma penca de faisões ou perdizes.

                                               É feliz com ele? --- quis saber Narizinho?

                                               Muito. Meu marido não me amola. Deixa-me na maior liberdade aqui                                        dentro, com meus anões. Homem que não sai de casa é a maior das                                      pestes.

                                               Vovó diz sempre que o lugar do homem é na rua observou Narizinho                                       (...) Branca ficou de ouvidos à escuta. Depois disse:

                                               Lá está ele atrás dos veados! A caça hoje é de veado. Narizinho falou                                     a Branca da maravilhosa fita que andava correndo mundo com o título                                                Branca de Neve e os sete anões, feito pelo famoso Walt Disney.

                                               Que é esse Disney?

                                               Oh, um gênio! --- berrou Emília, o maior gênio moderno. (...) A fita de                                      você, Branca, é o suco dos sucos! Branca não era do tempo do                                             cinema, de modo que não sabia o que nossa “fita” nem como                                                           pudesse haver desenhos animados.

                                               Pois o cinema --- continuou Pedrinho --- é a única invenção realmente                                       boa que os homens inventaram. É uma invenção de paz.

                                                                                                          (Lobato, 1944, p. 23-24).

            Os meninos continuam explicando a Branca de Neve as invenções modernas, quando de repente:

                                                ... Um papel lá fora atraiu-lhes a atenção. Correram à sacada. Vinha                                         passando a cavalo um famoso herói grego. O herói Belerofonte                                              montado no Pégaso! --- exclamou Branca.

                                               No Pégaso, o tal cavalo de asas?

                                               Sim. Pégaso desta vez vem no trote, com as asas fechadas. Que                                           formoso animal... Percebendo-a na janela, o herói deteve-se e falou,                                       depois de amável cumprimento:

                                               Formosa princesinha, não poderá informar-me do paradeiro da                                                            Quimera? Antes que Branca abrisse a boca, Emília berrou:

                                               Não é um monstro de três cabeças, uma de cabra, outra de leão,                                            outra de cobra cascavel? Vamos sim (...).

                                               E onde o viu, graciosa figurinha?

            Assim prossegue a conversa entre os quatro tipos de personagens: crianças e brinquedo (modernidade), herói (mito), e princesa (tradição).

            Dessa forma, percebe-se que Lobato realmente quis fazer Rocambole, tamanha se vê a mistura de personagens e informações no desenvolvimento do enredo deste livro.

CONCLUSÃO

            A arte de Monteiro Lobato em intertextualizar a literatura infantil brasileira é de tamanha beleza, que este estudo desenvolvido tornou-se gratificante, pois fez-me aprimorar o conhecimento no três pontos fundamentais para a conclusão deste trabalho. São eles: A Literatura Infantil, A Intertextualidade e o escritor paulista José Bento Monteiro Lobato.

            De acordo com a pesquisa feita, a literatura infantil, no Brasil, só torunou-se verdadeiramente infantil quando o escritor literário Monteiro Lobato, com sua sensibilidade de recriação, sua agudeza de conhecimento de mundo e sua ideologia de um mundo melhor resolveu que intertextualizar o belo imaginário e a realidade seria a sua forma de ajudar a criança brasileira crescer. Crescer sabendo formar seu conceito de vida e seu senso crítico.

            E foi assim, que o autor criou um mundo para essas crianças. Um mundo maravilhoso: onde as crianças tinha voz e direito de falar; os adultos sabiam ouvi-las, e quando precisavam, repreendiam-nas, porém de maneira racional. Onde animais falavam e boneca virou gente. Onde crianças conversavam com os personagens do Mundo da Fábula. Um mundo fantástico, onde todas as crianças que o conheceram, queriam morar... no Sítio do Picapau Amarelo.

            O propósito é de que o leitor ao pegar este trabalho sinta-se enriquecido, senão por completo, mas em alguns aspectos, e, com isso, sinta-se fortalecido a prosseguir na busca do saber.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Fernando Teixeira de. Literatura II. Coleção Objetivo. Livro 27, p. 61/64.

COELHO, Nelly Novais. Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira. 2 ed. São Paulo: Quiron, INL, 1944.

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