ANÁLISE DO ARTIGO 102, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A MATERIALIZAÇÃO DE UM NOVO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO TRAZIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL nº 45/2004 – A REPERCUSSÃO GERAL[1]

Carolina Cavalcanti Almeida²

Gabriela Felix Marão Martins²

Christian Barros³

Sumário: Introdução; 1. O Requisito de Admissibilidade da Repercussão Geral das questões constitucionais: no que consiste?; 1.2. A Repercussão Geral como meio de amenizar a lotação do judiciário: como ficam as lides da sociedade?; 2. O novo Requisito de Admissibilidade no Recurso Extraordinário versus a antiga Arguição de Relevância; 3. A discricionariedade judicial a respeito do novo requisito de admissibilidade: como controla-la; 4. Críticas finais à Repercussão Geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário; Conclusão.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar os âmbitos do novo Requisito de Admissibilidade, isto é, apresentar as vantagens e desvantagens deste requisito e que problemas trouxe para a população. Destarte, primeiramente, será compreendido do que se trata a Repercussão Geral das questões constitucionais, para que se possa caracteriza-la e analisar suas peculiaridades. Serão expostos motivos que possivelmente justifiquem que se chame a emenda Constitucional nº 45/04 de a “Reforma do Judiciário”, bem como as inovações trazidas por este requisito. Posteriormente, é importante que se faça uma comparação da Repercussão Geral com antiga Arguição de Relevância, apontando suas semelhanças e, principalmente, demonstrando o porquê de não se tratarem da mesma coisa. Logo após, falar-se-á sobre o fato de alguns autores defenderem a tese de que o pressuposto seria inconstitucional, por ferir direitos individuais, fechando-se o artigo com a apresentação de demais críticas feitas ao novo requisito.  

Palavras-chave: Recurso Extraordinário; Repercussão Geral; Arguição de Relevância; Crise do judiciário; Discricionariedade; Filtragem.

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, instituiu um período de redemocratização do país, avivando a cidadania e ampliando direitos fundamentais a todos os seguimentos da população. A sociedade brasileira, outrora desacreditada por conta do período de ditadura militar, depositava, nesta nova época, uma esperança no Poder Judiciário, enxergando este como um instrumento para fazer garantir direitos agora constitucionalizados, o que, certamente, trouxe um processo conhecido como “Judicialização”, onde houve a expansão e fortalecimento do poder judiciário, em detrimento do poder Legislativo e Executivo.

Consequentemente, o Estado Brasileiro, mais especificamente o Judiciário, passou a enfrentar grande crise, devido ao acúmulo de lides, o que levou à uma grande morosidade na resolução destas, quebrando, de certa forma, as expectativas da população em relação ao órgão. Essa ineficiência, além de uma estruturação interna extremamente autocrática, gerou, portanto, grande descrédito diante da sociedade, o que acabou por afastá-la cada vez mais dos princípios democráticos que norteavam esse período em que o país buscava solidificar sua democracia.

É nesse contexto que surge a Emenda Constitucional nº 45, de 32 de dezembro de 2004, enquanto proposta de “Reforma do Judiciário”, trazendo significativas mudanças no processo democrático brasileiro, buscando proporcionar maior celeridade e eficiência processual - por meio, por exemplo, do novo requisito de admissibilidade materializado em seu artigo 102, III, §3, e maior transparência nas sessões judiciárias e administrativas, visando, portanto a redemocratização do Poder Judiciário.

O artigo 102, III, §3, da Emenda Constitucional nº 45/2004, materializou a Repercussão Geral, mecanismo que propunha a filtragem dos recursos extraordinários encaminhados à Suprema Corte - pois, parte do Judiciário, que exerce papel de guardião da Constituição, passava por essa crise. Buscava-se, então, por meio do novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, uma maior celeridade processual e crédito diante da sociedade, pois muito mais já havia sido feito e não houve resultados.

Foi, sem dúvida, a necessidade de controlar e reduzir o sempre crescente e intolerável volume de recursos da espécie que passou a assoberbar o Supremo Tribunal a ponto de comprometer o bom desempenho de sua missão de Corte Constitucional, que inspirou e justificou a reforma operada pela Emenda Constitucional n° 45. (Theodoro, p. 717, 2007).

Trata-se, então, de um instituto de grandes iniciativas legislativas com o escopo de garantir, principalmente, a rapidez com eficiência nos processos e de tornar mínima a morosidade judiciária, o que será visto se é mesmo possível. Além disso, o fato de o cumprimento do requisito da repercussão geral depender, de certo modo, de uma iniciativa dos Tribunais Superiores, traz à tona uma discussão entre autores e operadores do direito a respeito das vantagens e desvantagens que pode causar essa “discricionariedade do legislativo”, termo, inclusive, muito utilizado pela doutrina.

  1. 1.                  O REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS: NO QUE CONSISTE?

Tal como outros recursos elencados pelo Código de Processo Civil, o recurso extraordinário só pode ter seu mérito analisado e julgado, se tiverem seus requisitos próprios preenchidos. A Repercussão Geral fora materializada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com o intuito de aumentar a celeridade processual, diminuindo a sobrecarga do STF na análise dos recursos extraordinários, enquanto o Prequestionamento baseia-se em doutrina e Jurisprudência. (ORELLI, 2009.) Nos ateremos à Repercussão Geral.

O artigo 102, III, §3 da Emenda Constitucional nº 45/2004 alude: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”. Ou seja, há necessidade de que a matéria do recurso extraordinário demonstre Repercussão Geral para que seja apreciado no Supremo Tribunal Federal. 

Repercussão Geral, conforme RIBEIRO (2011) é algo transcendente e relevante. Em acordo com o Minidicionário da Língua Portuguesa Silveira Bueno (2000), relevância significa “importante, saliente”, enquanto transcendente significa “superior, que ultrapassa, que transcende”. Isso demonstra que Repercussão Geral é algo que verse sobre tema importante e que ultrapasse o interesse da parte. Como demonstra o artigo 543-A, §1º do Código de Processo Civil, essa relevância deve se dar tanto no ponto de vista político, quanto econômico, e jurídico ou social, tendo interesse geral, ultrapassando o interesse subjetivo da causa, que, conforme JUNIOR (2011, p.5) alude, são aquelas decisões que tratem de “bem comum”.

No que diz respeito à relevância política, econômica, jurídica ou social, SCHLOSSER; WICKERT (2008) assinalam que não existe um conceito fechado para tais valores econômicos, políticos e jurídicos ou social, impostos pela lei, posto que, ainda que a lei regule sobre aquilo que de fato repercute, na prática da realidade, existem casos que não podem ser previstos pelo legislador, o que, ao conceituar, poder-se-ia chegar a conclusões injustas. Fato é que devem ser questões relevantes.

Nesse sentido, JUNIOR (2011) aponta exemplos que seriam capazes de demonstrar como essa relevância econômica, política, jurídica ou social podem se dar. JUNIOR (2011) afirma que, no que se refere à relevância econômica, esta existiria quando se tratar, por exemplo, de uma decisão dê condições de criar um fato que conceda direitos que podem vir a ser pleiteado por uma quantidade relevante de pessoas. Afirma ainda JUNIOR (2011) que quando se tratam de decisões que modifiquem políticas econômicas ou quaisquer outras diretivas governamentais, independente de ser no âmbito Municipal, Estadual ou Federal, está aí presente a relevância política.

 Têm relevância social, no entendimento de JUNIOR (2011), as decisões que abordem direitos, deferindo-os ou indeferindo-os e transformando a situação jurídica de diversas pessoas. Sendo assim, esse autor considera que todas as ações coletivas, desde que possuam natureza constitucional, são dotadas de relevância social e repercussão geral. No que diz respeito à relevância jurídica, JUNIOR (2001) afirma que possuem essa relevância as decisões nas quais sua interpretação for expressamente adversa ao texto constitucional.

Partindo deste ponto de vista, mister se faz ressaltar que ter-se-á também Repercussão Geral sempre, e em todos os casos em que o recurso venha a impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal (artigo 543-A, §3º, Código de Processo Civil). É o que TUCCI (2011) considera como presunção legal da Repercussão Geral. Quanto ao termo “contrariar” exigido no texto da lei, JUNIOR (2011) entende que haverá contrariedade quando esta decisão desconsiderar preceito existente na Constituição, ou ainda, se aplicá-lo de forma imprópria. Destarte, conforme RIBEIRO (2011), jurisprudência dominante é aquela sobre a qual não incidem divergências, ou, existindo divergências, já foram resolvidas no Tribunal.

É, portanto, um requisito de admissibilidade de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, proporciona que este órgão decida, nos recursos extraordinários, somente por aqueles que tenham real e transcendente importância. Nesse contexto, MEDINA; WAMBIER; WAMBIER (2008) compreendem que esta é a recuperação da verdadeira função do Supremo Tribunal Federal:

"Entende-se, com razão, que, dessa forma, a Suprema Corte será reconduzida à sua verdadeira função, que é a de zelar pelo direito objetivo - sua eficácia, sua inteireza e a uniformidade de sua interpretação - na medida em que os temas trazidos à discussão tenham relevância para a Nação". (MEDINA; WAMBIER; WAMBIER, Repercussão Geral e Súmula Vinculante, Reforma do Judiciário, 2005, p.374)

Quanto à natureza jurídica da Repercussão Geral, como já dito anteriormente, é um requisito de admissibilidade, haja vista que, somente se presente a Repercussão Geral é que o recurso virá a ser admitido e analisado, sendo assim, este não pode ser considerado como mero embasamento do recurso extraordinário (AURELLI, 2007). É, portanto, um “mecanismo de filtragem” (TUCCI, 2011).

Sendo este um requisito de admissibilidade, é analisado antes das questões de mérito recursal. Sendo, portanto, preliminar, tem o recorrente o ônus de provar sua Repercussão Geral e isso deve se dar de forma fundamentada, expressa e formal, até mesmo aqueles recursos em que há presunção de Repercussão geral - os que venham a atacar súmula ou jurisprudência dominante no Tribunal, devem ser assim demonstradas pelo recorrente. Portanto, em um capítulo independente, deve a parte demonstrar a relevância econômica, política, social ou jurídica, conforme o artigo 543-A §1º, do Código de Processo Civil (TUCCI, 2011).

1.2              A REPERCUSSÃO GERAL COMO MEIO DE AMENIZAR A LOTAÇÃO DO JUDICIÁRIO: COMO FICAM AS LIDES DA SOCIEDADE?

A Repercussão Geral fora materializada pela EC nº 45/2004, mas sua implementação só fora se deu com a edição da Lei 11.418/2007 e por meio da Emenda 21 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que fora publicada também em 2007. (FILHO, 2011). E é exatamente a partir desse período que se percebe uma melhoria conquistada por meio desse instituto, apresentando uma queda nos números dos processos examinados pelo STF.

Marina Cardoso de Freitas (2009) assinala que o Relatório de atividades do STF em 2008 mostrava a importância do instituto para redução do volume da atividade jurisdicional do STF, posto que em 2008, pela primeira vez, o total de processos encaminhados a Suprema Corte tivera uma diminuição significativa, sendo a Repercussão Geral marcada com destaque para essa queda.

FREITAS (2009) afirma ainda que esses dados mostram que a Repercussão Geral garantiu uma queda de 41,7% no total de processos que foram distribuídos em 2008, se comparados com o ano de 2007 (ano em que começara, de fato, a implementação desse mecanismo de filtragem). E essa eficácia é real, tanto que 89% dos processos em trâmite no STF tratavam-se de Recursos extraordinários.

Essa queda também fora documentada pelas estatísticas do STF em 2009:

Com a repercussão geral e a edição de súmulas vinculantes que devem ser seguidas por toda a Administração Pública, é possível que o número de processos no Supremo continue a tendência de queda, que é bem-vinda pelos ministros e pela sociedade, uma vez que ela representa além de um trabalho mais célere por parte do Judiciário a solução mais pacificada de conflitos semelhantes. De abril de 2008 a abril de 2009, foram editadas 11 súmulas, entre elas as que proíbem o nepotismo em órgãos públicos, o uso indiscriminado de algemas durante as prisões e a cobrança de taxas de matrícula em universidades públicas. (Conheça os números da movimentação processual do STF nos últimos 12 meses. Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/1013761/conheca-os-numeros-da-movimentacao-processual-do-stf-nos-ultimos-12-meses>).

                                                                                                                                   

Ainda sobre o ano de 2009, FREITAS (2009, p. 75) leciona também que no primeiro semestre de 2009, nos seis primeiros meses de 2009, fora noticiado “uma redução de 63% no número de processos distribuídos aos Ministros em relação ao mesmo período de 2007”, período este em que “não existia ainda o filtro processual da repercussão geral.”.

FREITAS (2009), no entanto, entende que essa queda não é exclusiva da Repercussão Geral, mas sim, de outros demais mecanismos incorporados no ordenamento para regular o instituto Repercussão Geral. Nas palavras de FREITAS (2009):

A comparação desses números nos permite concluir que não foi apenas a inclusão de mais um pressuposto de admissibilidade aos recursos extraordinários que permitiu a grande redução do volume da atividade jurisdicional do STF a partir de 2008. A votação feita em Plenário Virtual para a escolha dos Recursos com relevância e transcendência sem dúvidas contribui para a queda dos Recursos Extraordinários julgados pela Corte, mas os demais mecanismos trazidos pela Lei 11.418/2006 e pelo Regimento Interno do STF também possuem grande responsabilidade por tamanha redução. (FREITAS, 2009, p.76)

Em 2010, baseando-se no Relatório da Repercussão Geral desenvolvido pela Assessoria especial de presidência junto da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal, José dos Santos Carvalho Filho (2011) conclui que até 19 de abril de 2010 26,% de recursos extraordinários tiveram a Repercussão Geral negada, o que, na opinião de FILHO (2011), ainda não eram números tão elevados, mas, eram sim, significativos. 

FILHO (2011) traz ainda outra situação relevante que o instituto propiciou, desafogando a Suprema Corte e gerando maiores condições para a celeridade recursal: conforme o estudo do autor, a sistemática da Repercussão Geral permitiu que, por meio do exame de apenas um recurso extraordinário com tese jurídica mais repetitiva dentro da Suprema Corte, cerca de dez mil processos fossem devolvidos ao tribunal de origem.

Assim, o número de processos distribuídos ao tribunal superior, que era de 21.103 em janeiro de 2007, reduziu-se à quantidade de 2.991 no mesmo período do ano de 2010, uma quantidade 7 vezes menor do que era pertinente no período onde ainda não havia a Emenda 21 que implementou de fato o instituto. (FILHO, 2011).

Destarte, nos dias atuais, o portal do Supremo Tribunal Federal disponibiliza uma análise dos números da Repercussão Geral. Assim, os dados do portal mostram que de 100% dos recursos extraordinários ajuizados no STF no ano de 2014, 30,7% não foram submetidos à análise da Suprema Corte por não apresentar Repercussão Geral, o que corrobora para uma significante redução só nesse ano, possibilitando a confirmação do fim objetivado de tal mecanismo de filtragem, efetivando, então, uma maior celeridade processual. (Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>).

O Supremo Tribunal Federal ainda mostra que do 2º semestre de 2007 até a última atualização datada de 16 de outubro de 2014, 107.609 processos foram devolvidos por não existir Repercussão Geral, sendo de 64% o número de redução na distribuição dos processos recursais e de 58% o número de redução no estoque de processos recursais. (Supremo Tribunal Federal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>).

Posto os dados e entendimentos acima, percebe-se a importância do instituto Repercussão Geral dentro do ordenamento jurídico, no entanto, as conquistas numéricas apresentadas, não se devem única e exclusivamente à Repercussão Geral, porém este mecanismo de filtragem tem sim seu destaque e importância, confirmando o fim de celeridade e efetividade processual que outrora motivou sua existência.

2. O NOVO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO VERSUS A ANTIGA ARGUIÇÃO DE RELEVÂNCIA

A Arguição de Relevância fora abordada no artigo 119, III a e d c/c §1º da Constituição Federal de 1967, e alterada pela Emenda Constitucional 1 de 1969 c/c artigos 325, I a XI, e também pelo artigo 327, §1º do RISTF, tendo redação dada pela Emenda Regimental 2 de 1825.

Conforme esse instituto, somente as lides que apresentavam discussão de um assunto relevante para a federação seriam analisadas pelo STF, de forma que essas demandas deviam justificar “apelo extremo”, seja pela própria essência de sua matéria, ou por seu reflexo na sociedade ou pelas partes envolvidas na lide. (JUNIOR, 2011, p. 3). Era também, portanto, um requisito de admissibilidade em recursos extraordinários.

Desde esse período tinha-se problemas com o grande número de recursos e, portanto, morosidade dos processos. DANTAS (2008) assinala que devido à preocupação com o enorme acúmulo de recursos direcionados ao STF, já em 1970, esse órgão iniciara um processo que daria início à Arguição de Relevância da questão federal que fora de fato lecionado no ano de 1975. Surgiu, então, com o mesmo intuito de filtragem da Repercussão Geral. É como se pode notar nas palavras de NETTO (1999), que, já em 1999, lecionava sobre o assunto:

“(…) a relevância é um sistema de filtro que permite afastar do âmbito dos trabalhos do Tribunal as causas que não têm efetivamente maior importância e cujo pronunciamento do Tribunal é injustificável. Mas, como se sublinhou, se, dentre essas, algumas se marcarem pela sua relevância, dessas haverá de tomar conhecimento o Tribunal”. (NETTO, 1999, p.40)

Alguns doutrinadores, como TUCCI (2011), entendem que a Repercussão Geral teve sua função inspirada na Arguição de Relevância, em contrapartida, apesar dessa semelhança, a professora Teresa Arruda Alvim Wambier (2008) bem assinala que, diferente da Arguição de Relevância, onde a questão da repercussão era analisada em plano federal, hoje, com a Repercussão Geral, são somente as matérias de relevância no plano do Direito Constitucional que serão objeto de exame do Superior Tribunal Federal. AURELLI (2007) abraça esse entendimento, afirmando que a Arguição de Relevância reservava-se às matérias infraconstitucionais, ou seja, matérias de lei federal ou constitucional, e hoje, somente nas questões constitucionais são exigidas a Repercussão Geral.

Por mais que ambos os institutos não estivessem confinados ao interesse particular do demandante, ORELLI (2009) nota que, enquanto na Arguição de Relevância pressupunha-se relevância em todo e qualquer recurso que havia afronta ao direito objetivo em si, na Repercussão Geral exige-se que essa ofensa à Constituição Federal ultrapasse o caso particular, zelando, portanto, somente pelo direito objetivo que tenha importância para o país, o que não havia necessidade de se provar na Arguição de Relevância, pois a ofensa ao direito em tese já fazia-se suficiente para ser relevante.

Conforme entendimento da doutrina majoritária, no que se refere à forma procedimental, a Arguição de Relevância e a Repercussão Geral não possuem muita coisa em comum, posto que, como argumentam MARINONI e MITIDIERO (2008), o primeiro instituto era analisado em sessão secreta, sem a necessidade de fundamentação, enquanto o segundo é apreciado em sessão pública, devendo ter julgamento motivado.

Arlete Inês Aurelli entende que a Arguição de Relevância, diferente da Repercussão Geral, não era um requisito de admissibilidade de fato, “era instituto destinado a buscar acesso ao Judiciário, nos casos de vetos regimentais à admissibilidade” (AURELLI, 2007, p.6). Cabe ressaltar o entendimento de RIBEIRO (2011) na qual, nesse mesmo sentido, compreende que os institutos não se confundem. Para a autora, a Arguição de Relevância tinha caráter inclusivo, haja vista que esse instituto possibilitava que um recurso, outrora incabível, viesse a ser conhecido e apreciado pelo STF se conexo e relevante à questão federal fosse. Em contrapartida, RIBEIRO (2011) leciona que a Repercussão Geral tem caráter exclusivo, vez que impede a análise do recurso caso não possua questão de relevância e que transcenda o interesse particular da causa.  

Cabe ressaltar ainda que na Arguição de Relevância, para que a relevância fosse reconhecida, era necessário o voto de 4 ministros ou mais,  já na Repercussão Geral é imperativo que 2/3 dos Ministros se manifestem, caso venham a arguir a não existência da mesma. (RIBEIRO, 2011).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BUENO, Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa, ed. Ver. E atual., São Paulo: FTD, 2000.

Conheça os números da movimentação processual do STF nos útimos 12 meses. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/1013761/conheca-os-numeros-da-movimentacao-processual-do-stf-nos-ultimos-12-meses>. Acesso em: 16 outubro 2014.

DANTAS, Bruno. Repercussão geral, perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Os impactos da Repercussão Geral do Recurso Extraordinário na Jurisdição Constitucional Brasileira: Promoção do Acesso à Justiça, Redefinição de Competências e Consolidação do Sistema Eclético de Controle de Constitucionalidade. Brasília - DF, Instituto Brasiliense de Direito Público, 2011.

FREITAS, Marina Cardoso de. Análise do Julgamento da Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários. SBDP, São Paulo: 2009.

JUNIOR, Luis Manoel Gomes. A repercussão Geral da Questão Constitucional no Recurso Extraordinário. Revista de Processo, v.119, p.91, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São paulo: ed. Rt, 2007.

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante, Reforma do Judiciário (obra coletiva). São Paulo: RT, 2005.

 

NETTO, José Manuel Arruda Alvim. A Alta Função Jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no Âmbito do Recurso Especial e a Relevância das Questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, RePro nº 96.

ORELLI, Marilene Quaresma Dantas. A Repercussão Geral do recurso Extraordinário: Questões Doutrinárias e Jurisprudenciais. Brasília, Universidade católica de Brasília, 2009.

RIBEIRO, Flávia Pereira. A repercussão Geral no Recurso Extraordinário. Revista de Processo, v. 197, p.447, 2011.

SCHLOSSER, Liselotte Minéia; WICKERT , Lisiane Beatriz. A inserção e a regulamentação da Repercussão Geral como pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Revista de Processo, v. 161, n.161, p.115, 2008.

Supremo Tribunal Federal. Números da Repercussão Geral. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 16 outubro 2014.

TUCCI, José Rogério Cruz E. Anotações sobre a Repercussão Geral como Pressuposto de Admissibilidade do Recurso Extraordinário. Revista de Processo, v. 145, p.51, 2007.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed., reform. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 290-291.



[1] Trabalho de Paper apresentado à disciplina de Recursos no Processo civil, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

² Alunas do 6º período, do curso de Direito, da UNDB

³ Professor Mestre, Orientador