UNIVERSIDADE DE UBERABA

GUSTAVO VIEIRA DOS SANTOS

 

 

 

 

 

 

 

 

ANALISE DO ART.1ª PARAGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988 POR MEIO DOS CONCEITOS DESENVOLVIDOS POR ROUSSEAU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UBERABA – MG

2013

GUSTAVO VIEIRA DOS SANTOS

 

 

 

 

 

 

ANALISE DO ART.1ª PARAGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988 POR MEIO DOS CONCEITOS DESENVOLVIDOS POR ROUSSEAU

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade de Uberaba como requisito para obtenção de título de bacharel em Direito.

Professor orientador: Sávio Gonçalves dos Santos.

 

 

 

 

 

 

UBERABA – MG

2013

ANALISE DO ART.1ª PARAGRAFO ÚNICO DA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988 POR MEIO DOS CONCEITOS DESENVOLVIDOS POR ROUSSEAU

 

 

Gustavo Viera dos Santos[1]

Sávio Gonçalves dos Santos[2]

 

 

RESUMO

 

 

Este artigo tem como propósito tratar da eficácia democrática através do poder popular que pode ser exercido de forma direta ou por meio de representantes conforme dispõe a Constituição Federal Brasileira de 1988, observando os ideais democráticos de Rousseau como base de construção ideológica democrática. A presente pesquisa traz as idéias democráticas de Rousseau a respeito da igualdade e importância desta para a efetivação das liberdades individuais e construção e efetivação da democracia tendo como apoio o art.1ª parágrafo único da constituição federal de 1988. 

 

 

Palavras-chave: Democracia. Democracia Direta e Representativa. Efetivação Democrática. Rousseau. Constituição Federal de 1988

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Como o interesse individual não colocar o interesse coletivo em perigo, e como este também não ofuscar o interesse individual, como a democracia liberal atual suprime a liberdade dos indivíduos, o exercício da cidadania destes? Eis ai um paradoxo democrático social, que impede a plenitude democrática, seja ela direta ou por representação. Dai a importância de colocarmos em questão a teoria democrática de Rousseau e o paragrafo único, do art.1ª. CF/88.

A constituição federal brasileira de 1988 nos diz em seu art.1º, parágrafo único, que todo poder emana do povo e que esse pode exercê-lo de forma direta ou por meio de seus representantes legais. Garantindo assim a democracia tanto na forma representativa quanto na forma direta.

Nas sociedades de massas com suas disparidades sociais e econômicas a que se construir o conceito de democracia em sua forma ampla, tendo a igualdade como base garantidora da liberdade civil, pois o conceito de democracia foi esvaziando-se pelos anos, reduzido o mesmo ao poder político. Conforme José Saramago(2008):

 

Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa que não se discute: não se discute a democracia. A democracia está ai como se fosse uma espécie de santa de altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como uma referência. Uma referência, a democracia. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada. O poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política - repito: na esfera política, a tirar um governo de que não gosta e pôr outro de que talvez venha a se gostar. Nada mais. Mas as grandes decisões são tomadas numa outra esfera as grandes organizações internacionais [...] nenhum desses organismos é democrático, como podemos continuar a falar de democracia, se aqueles que efetivamente governam o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo

 

 

Sendo assim, analisar-se-á na seguinte pesquisa o modelo democrático atual que, apesar de garantido pela Carta Magna Brasileira encontra dificuldades de efetivação pratica. Para tal estudo observaremos as teorias defendidas pelo filosofo politico do século XVIII Jean Jacques Rousseau.

2. TODO PODER EMANA DO POVO ART 1ª, PARAGRAFO ÚNICO, CF/88

 

 

A Carta Política de 1988 estabelece em seu Art.1ª, Parágrafo Único. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”, tal princípio constitucional é o fundamento básico da democracia.

Pois, o que da essência a democracia é justamente o fato do poder residir no povo, na vontade popular sendo fonte de poder, ou seja, este é fonte e titular do poder, eis o principio da soberania moderna no qual o povo é titular e fonte de poder, povo com cidadão legitimado por direito.

No entanto, a forma pelo qual o povo participa do poder conforme o Art.1ª, Parágrafo Único, Constituição Federal de 1988, pode ser ela direta ou por meio de representantes eleitos. Ou seja, Democracia Representativa, Democracia Direta e Democracia Semi-Direta.

A democracia representativa, ou indireta, é aquela onde o povo como fonte originaria de poder outorga as funções de governo aos seus representantes, eleitos periodicamente, gerando um mandato político representativo, tal mandato representativo teve sua origem no Estado liberal burguês, tornando abstrata a relação povo governo, nas palavras de José Afonso da Silva (2009, p.140): “a representação é montada sobre o mito da identidade entre povo e representante popular”.

A democracia direta é aquela onde todo o cidadão tem legitimidade para participar de forma direta no processo de tomada de decisões, sem intervençao através de assembléias gerais este modelo político democrático teve inicio na Grécia Antiga, a chamada democracia ateniense, a vontade popular exercida pela forma direta por meio da Eclésia, uma assembléia popular.

Como observamos no texto constitucional, a Carta Magna de 1988, em seu Art.1ª, Parágrafo Único. Adotou o modelo de democracia Semi-Direta, ou seja, onde o poder popular está garantido tanto na forma representativa quanto na forma direta através de plebiscitos, referendos e da ação popular. Nas palavras de Jose Afonso da Silva (2009, p.136): “democracia semi-direta é, na verdade democracia representativa com alguns institutos de participação direta do povo na função de governo entre outros integram a democracia participativa”

 

3. OS IDEIAS DEMOCRATICOS DE ROUSSEAU

 

 

“Igualdade, liberdade e fraternidade”; Robespierre propôs em 1790 que o lema que se tornou símbolo da revolução francesa fosse escrito nos uniformes da Guarda Nacional e em todas as bandeiras. Em 1848 esse lema foi definido na constituição francesa como constituindo um princípio da república. Eis o Iluminismo, século das luzes, era das revoluções. Nas palavras do historiador inglês E.J. Hobsbawn (1986, p.38):

Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influencia da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-bretanha forneceu o modelo para as ferrovias e as fabricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem se tornando o emblema de praticamente todas as nações emergentes,e a política européia(ou mesmo mundial) entre  1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789,ou os ainda mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo.

Dentre os iluministas que ditaram o vocabulário político do século XVIII, deve-se destacar o pensamento de Rousseau. No Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Rousseau nos diz que o homem é naturalmente bom, nasceu bom e livre, mas sua maldade ou sua deterioração adveio com a sociedade que por meio de sua forma de organização, permitiu e impôs a escravidão, a tirania, a servidão e inúmeras leis que favorecem uma classe dominante em detrimento da grande maioria, instaurando a desigualdade em todos os segmentos da sociedade humana.

Rousseau (1978, p. 267-268) apresenta o seguinte raciocínio:

Porque, tudo mudando à sua volta, somente eles não mudaram, viram-se obrigados a receber ou roubar sua subsistência da mão dos ricos. Daí começou a nascer, segundo os vários caracteres de uns e de outros, a dominação e a servidão, ou a violência e os roubos.

O filosofo também se mostra contra o principio fundador da sociedade política liberal burguesa, o principio da propriedade privada que legitima a desigualdade entre os homens. Nos dizeres de Rousseau (1978, p. 268):

Os enriquecidos só pela indústria não podiam basear sua propriedade em melhores títulos. Por mais que dissessem: “fui eu quem construiu esse muro; ganhei este terreno com meu trabalho”, outros poderiam responder-lhes: “Quem vos deu as demarcações, por que razão pretendeis ser pagos a nossas expensas, de um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmão perece e sofre a necessidade do que tendes a mais e que vos seria necessário um consentimento expresso e unânime do gênero humano para que, da subsistência comum, vos apropriásseis de quanto ultrapassasse a vossa?

O que buscou Rousseau com relação à propriedade privada, não é sua extinção, pois estaria ferindo as liberdades e necessidades individuais do ser humano, busca-se a limitação desta, a contenção dos excessos, ou seja, garantir a igualdade entre os homens como forma de garantir a liberdade individual, pois a desigualdade garante ao pobre a miséria e ao rico continuar na usurpação.

Para o filosofo político do século XVIII, a historia da sociedade culmina com a legitimação da desigualdade, tendo tal verticalização social sido iniciada com o pacto apresentado pelo rico,

“Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence, instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a conforma-se, que não abram exceção para ninguém e que, submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco, reparem de certo modo os caprichos da fortuna. Numa palavra, em lugar de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamonos num poder supremo que nos governe segundo sábias leis, que protejam e defendam todos os membros da associação, expulsem os inimigos comuns e nos mantenham em concórdia eterna.”(ROUSSEAU, J-J. Discours sur l’origine de l’inegalité. apud NASCIMENTO, M. M. Rousseau: da servidão à liberdade. In WEFORT, F. (Org). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Ática, 2006. p. 195.)

Em seguida nos diz:

“Fora preciso muito menos do que o equivalente desse discurso para arrastar homens grosseiros, fáceis de seduzir, [...] Todos correram ao encontro de seus grilhões crendo asseguras suas liberdade [...] Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos estraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram doravante todo o gênero humano ao trabalho, a servidão e a miséria” (ROUSSEAU, J-J. Discours sur l’origine de l’inegalité. apud NASCIMENTO, M. M. Rousseau: da servidão à liberdade. In WEFORT, F. (Org). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Ática, 2006. p. 195.)

Partindo dessa condição da origem da desigualdade humana, Rousseau tecera sua teoria política onde vai estabelecer condições para um pacto social legitimo, onde os homens em troca da perda de sua liberdade natural usufruam de sua liberdade civil.         Rousseau entende que a igualdade entre as partes contratantes é condição fundamental no processo de legitimação do pacto social.

Para que se entenda que tipo de igualdade que se quer preservar, Rousseau em seu Discurso sobre a origem da desigualdade mostra a distinção entre desigualdade natural e desigualdade convencional. No qual a primeira consiste em diferenças em vigor físico, saúde, agilidade mental etc; e a segunda em diferenças de autoridade, poder, riqueza e virtude. Para o filosofo as primeiras desigualdades são inevitáveis e a fazem bem para a sociedade; as segundas, por outro lado, são ilegítimas, e sem justificação.

Daí, a importância da igualdade para Rousseau, pois só por esta se pode ter um pacto legitimo e horizontal, capaz de gerar um corpo soberano, onde o povo é o soberano, sendo este parte ativa e passiva, ou seja, sendo o cidadão agente legitimado para a criação das leis e aquele que as obedece, ou seja, um povo livre que faz valer sua liberdade obedecendo as decisões derivadas desta. Em suas palavras:

Ora, o soberano, sendo formado tão somente pelos particulares que o compõe, não visa nem pode visar interesse contrario ao deles e, consequentemente, o poder soberano não necessita de qualquer garantia em face de seus súditos, por ser impossível ao corpo desejar prejudicar a todos os membros[...]O soberano, somente por sê-lo, é sempre aquilo que deve ser. (ROUSSEAU, J-J. Discours sur l’origine de l’inegalité. apud NASCIMENTO, M. M. Rousseau: da servidão à liberdade. In WEFORT, F. (Org). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Ática, 2006. p. 222.)

Rousseau nos trás o conceito de autonomia onde só devemos obedecer à lei que editamos racionalmente, através de nossa vontade, na assembléia. A assembléia popular é o momento supremo da soberania, ou seja, uma democracia direta, onde os cidadãos são os legitimados a criação e sujeitados a efetivação das leis.

Após as deliberações do corpo político na assembléia popular, é necessário que o corpo político assuma a forma de estado, fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo estabeleceu como soberano, formando assim o poder, o poder do soberano e do estado que se efetiva dessa forma nas palavras de Rousseau com “cidadãos e súditos”.

Rousseau, só vê legitimo o poder legislativo se exercido de uma forma direta, pela vontade geral, não cabendo nessa instancia qualquer tipo de representação. No entanto quando se trata do governo, poder executivo, seria necessário a reapresentação ou instrumentalização pois a lei seria a declaração da vontade geral, sendo o poder executivo a força aplicada a lei.

A democracia para Rousseau seria direta em sua base, na criação das leis sendo as deliberações advindas do soberano executadas por um corpo político destacado, chamado governo, um empregado do soberano, que pode ser considerado um instrumento do soberano e não um representante deste. O governo é apenas um acidente para a execução da democracia direta. No entanto, a democracia é uma forma de governo que, segundo Rousseau, seria possível somente no contexto ideal de um Estado pequeno no qual reinasse uma situação de igualdade e liberdade entre os cidadãos. Segundo o próprio filósofo, a Democracia nunca existiu em sua forma pura.

6. CONCLUSÃO:

Por fim podemos observar um distanciamento fático entre os preceitos constitucionais de poder popular, as teorias democráticas de Rousseau e a realidade efetiva, tornando assim legitima nossa discussão a respeito da construção da sociedade democrática. Conforme entende José Afonso da Silva (2009, p.125-126):

Democracia é conceito histórico. Não sendo por si valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do envolver social, mantido sempre o principio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da historia.

Já nas palavras de Wanderley (2007, p. 143):

A democracia é a única forma de exercício do poder político que reconhece como legitimas demandas a que não pode atender. Esta é a anomalia democrática. Não a registro de outra sociedade organizada de acordo com o mesmo principio. Todas as aspirações geradas em ordens políticas anteriores, se inalcançáveis por questões naturais, eram por definição ilegítimas, quando não ilegais.

                     

O Governo democrático como visto neste estudo, necessita de horizontalidade para se efetivar, sendo a desigualdade o fator chave para tornar a democracia condicionada a verticalização, fato que deslegitima a construção da sociedade democrática, suprimindo liberdade por liberdade, e contrariando os preceitos rousseaunianos de igualdade por liberdade.

Visto posto, entendemos a democracia como um conceito histórico, um conceito construído e reformado através dos séculos, um processo de afirmação do povo como soberano que necessita de instrumentos que garantam a horizontalização do poder social, ou seja, um governo revolucionário e transformador, pois é a soberania da vontade geral, o poder do povo, do cidadão e esse povo revoluciona-se e constrói o conceito de democracia.

 

 

ABSTRACT

This article aims to address the democratic effectiveness through people power that can be exercised either directly or through representatives as stipulated in the Brazilian Federal Constitution of 1988 observing the democratic ideals of Rousseau as a basis for building democratic ideology. This research presents the democratic ideas of Rousseau about the equality and importance for the realization of individual liberties and construction and realization of democracy support as having the sole paragraph of article 1 ª federal constitution of 1988.

Keywords: Democracy. Direct Democracy and Representative. Effective Democratic. Rousseau. Constitution of 1988

 

 

 

 

REFERENCIAS

BRASIL. Constituição da Republica federativa do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SARAMAGO, José. A Falsa democracia. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=m1nePkQAM4w> acesso em 01 de novembro de 2013

ROUSSEAU, Jean Jacques. Contrato social. Discurso sobre a desigualdade. São Paulo: Abril, 1979.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdades entre os homens. Brasília: UnB, 1989.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O paradoxo de Rousseau. São Paulo; Rocco, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA., 2009.

WEFORT, F. (Org). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Ática, 2006.



[1] Acadêmico da 10ª etapa do curso de Direito da Universidade de [email protected]

[2] Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia. Professor orientador. Professor de Sociologia Jurídica na Universidade de Uberaba.