Publicado em 1934, dentro do estilo modernista, o romance São Bernardo do escritor Graciliano Ramos inicia-se com o desejo que o personagem principal, Paulo Honório, possuía de escrever um livro autobiográfico e traz ainda uma pequena apresentação sobre a vida do protagonista.
É narrado em primeira pessoa, pelo narrador-personagem Paulo Honório, uma pessoa recalcada, fria e calculista, que possuía tais características, talvez devido à vida dura que sempre levou.
Podemos inferir ainda, que os comportamentos de Paulo Honório, deve-se ao fato de ter vivido muitos anos de sua vida à margem de uma sociedade desigual.
Esta desigualdade social fez com que ele lutasse usando todos os artifícios necessários para se tornar um cidadão rico e respeitável, mesmo que para isto tivesse que usar formas pouco escrupulosas.
A narrativa São Bernardo é muito marcada por um tempo psicológico que podemos perceber nitidamente pela alteração da ordem natural dos fatos.
A partir do capitulo 3, o personagem saí do tempo presente, quando fala do projeto quase frustrado de escrever um livro com a colaboração de alguns amigos e começa a falar de sua infância e juventude, do caminho que teve que percorrer até a posse da fazenda São Bernardo, chegando ao casamento e ao suicídio de Madalena.
Até então podemos dizer que o tempo transcorre de forma linear, mas a partir do capitulo 19 as reflexões da personagem quebram a linearidade do tempo e começam os conflitos de Paulo Honório em relação ao tempo passado e presente/realidade e memória (Teotônio:1993).
Os conflitos entre Paulo Honório e Madalena se dão pela divergência da "visão de mundo" de ambos. Madalena é instruída, humanitária e não concorda com as atitudes egoístas e materialistas de Paulo Honório. Desde o início do casamento percebe-se que a relação dos dois estava fadada ao fracasso.
Paulo Honório sente-se "frágil" diante da aparente "fragilidade" de Madalena que não o permite conter seus pensamentos e começa então a exercer sobre ela um extremo ciúme.
A relação torna-se a cada dia mais conflituosa e o clímax da narrativa se dá quando Paulo Honório encontra uma carta de Madalena, destinada a ele próprio e parte para tirar satisfações, julgando ser a carta destinada a outro homem.Tais fatos culminam com o suicídio de Madalena para perplexidade de Paulo Honório.
São Bernardo tem como pano de fundo ficcional, a zona rural de Alagoas, com algumas poucas citações sobre a cidade grande.
O ambiente é carregado por referências à aridez do sertão e ao sofrimento do homem sertanejo, cansado das desigualdades social e descrente com as reformas.
Os demais personagens do romance participam do enredo sem interferir diretamente nos conflitos entre Paulo Honório e Madalena, sendo relevante citar apenas as que viviam mais próximos do protagonista e seu papel na narrativa. São eles:
D. Glória: tia de Madalena;
Sr. Ribeiro: ex-major que após reformas políticas deixa de ter papel de destaque na sociedade em que vivia e torna-se contador de Paulo Honório;
Azevedo Godim: amigo de Paulo Honório e redator e diretor do Cruzeiro;
Casimiro Lopes: fiel escudeiro de Paulo Honório e o único que o compreendia;
Padilha: herdeiro da São Bernardo que a perdeu para Paulo Honório devido a dívidas contraídas;
Velha Margarida: vendedora de doces que criou Paulo Honório;
Mendonça: vizinho de Paulo Honório que morre em uma tocaia (fica subentendida a participação de Paulo Honório na emboscada);
Marciano e Rosa: empregados da São Bernardo.
No romance São Bernardo, Graciliano Ramos trata de dramas psicológicos, sociais e morais do sertanejo, dentro de um cenário regional, conferindo a estes conflitos um caráter universal, como se falasse do drama de qualquer ser humano, fazendo assim uma denúncia sobre a condição humana diante às divergências sociais causadas pelo capitalismo.
As personagens das obras regionalistas são "esmagadas" por sistemas políticos arbitrários, sendo "empurradas" cada vez mais, para longe de suas origens. Procuram assim, sobreviver num sistema diametralmente injusto, o que as leva quase sempre a situações de fatalismos e impotência, diante do mundo em que se encontram.
Simbolicamente, em São Bernardo, reconhecemos o papel social do burguês, do capitalismo, do paternalismo, do ser humano e do socialismo.
O personagem Paulo Honório se enquadra num contexto capitalista, quando este ao tentar igualar os sentimentos ao materialismo, o "ser" ao "ter", coloca as pessoas em igualdade com os bens materiais.
Constata que de nada valeu acumular tantos bens deixando a vida passar sem vive-la. Termina sentido-se impotente ao maior de todos os sentimentos, o único que não conseguiu administrar e que o relegou à eterna solidão: "o amor".


Geraldo Goulart - 2011