Mas, recusando-me o privilégio de um dia tão grande, ainda me consentiu o encanto de vos falar, de conversar convosco, presente entre vós em espírito; o que é, também, estar presente em verdade (p. 5-6).

Neste célebre discurso, lido em 1920 aos formandos do curso de direito, Rui Barbosa fala do orgulho que sentia em falar aos “juízes de amanhã”, como ele próprio dizia. Experiente jurista, Ruy serviu ao Direito por cinquenta anos. Sua experiência e paixão à causa serviram de base para grande parte de suas palavras. Como um pai que aconselha o filho, Ruy se referia aos bacharelandos sempre com uma maneira muito pessoal, paternal, fornecendo valiosos conselhos e diretrizes a seguir. “Não, filhos meus (deixai-me experimentar, uma vez que seja, convosco, este suavíssimo nome) [...]” (p. 6).

Oração aos moços é uma brilhante lição de fé e amor à causa servida. Possui ensinamentos sábios e pareceres valiosos para o profissional do Direito. Com palavras eloquentes e emocionantes, fortalece os ideais que caminham juntos aos jovens brasileiros, revelando a força da juventude na construção de uma nação forte e mais justa e convocando os jovens a fazerem parte da “ressureição” do país, da materialização de seu sonho de ver um Brasil íntegro.

Eia, senhores! Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre nação explorada! Brasil de ontem e amanhã! Dai-nos o de hoje, que nos falta. [...] Trabalhai por essa que há de ser a salvação nossa (p. 41).

  

O discurso fala acerca do papel do magistrado e a missão do advogado. Com palavras sobre fé, trabalho, amor, justiça, filosofias, dá conselhos para o crescimento tanto profissional quanto pessoal daqueles que vivem no mundo das ciências jurídicas.

A carreira do advogado e do magistrado é tratada como sacerdócio. Dedicação, estudo, leitura, reflexão e oração devem ser companheiros eternos do servidor do Direito. Um profissional que honra sua vocação, não deve se recusar nunca ao trabalho, seja o grande ou pequeno, rico ou pobre quem procura por seus serviços.

A fé é sempre abordada na obra. A prática da oração e o trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem, segundo Ruy Barbosa. Para ele, o homem que trabalha se aproxima cada vez mais de Deus. Essa relação entre criatura e criador é, então, indispensável. “O indivíduo que trabalha acerca-se continuamente do autor de todas as coisas, tomando na sua obra uma parte, de que depende também a dele. O Criador começa, e a criatura acaba a criação de si própria.” (p.18)

O trabalho é tratado por Rui Barbosa como recurso poderoso na criação moral do ser humano, juntamente com a oração. Ambos devem fazer parte da vida do homem, pois “quem quer que trabalhe está em oração ao Senhor”. Mas a oração do ocioso não é válida, pois este desagrada a Deus na sua preguiça.

Segundo Rui Barbosa, a estadia do homem na terra é marcada, após sua morte, com os elementos por ele herdados (que são a parte da natureza) e os criados por ele (o trabalho). A parte da natureza varia muito, pois não existem no universo duas coisas iguais. Podem até ser parecidas, mas nunca iguais. “Mas se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho” (p.18).

Citando a história do padre Suárez ao ingressar na Companhia de Jesus, Rui Barbosa mostra que nada é impossível àquele que trabalha: “Já vedes que ao trabalho nada é impossível” (p.20)

Para um bom crescimento profissional e intelectual, Rui Barbosa dá alguns conselhos aos bacharelandos baseados em sua vasta experiência como trabalhador e estudioso. É importante que o despertar para o trabalho anteceda o amanhecer do dia. Adverte também acerca das inversões que comumente os libertinos fazem trocando a noite pelo dia, pois isso é desperdício. A cabeça cansada e exausta não consegue refletir direito.

Mas o trabalhador é como o semear [...]. O cérebro, cansado e seco do laborar diurno, não acolhe bem a semente: não a recebe fresco e de bom grado, como a terra orvalhada. Nem a colheita acode tão suave às mãos do lavrador, quando o torrão já lhe não está sorrindo entre o sereno da noite e os alvores do dia (p.22).

Lembrando-se de sua juventude, Rui Barbosa fala da importância que tiveram as madrugadas para os estudos. Credita às suas noites de estudos e leituras suas primeiras vitórias no trabalho. Mas não basta apenas ler. É preciso pensar. “Vulgar é o ler, raro o refletir” (p.23).

Uma discussão entre Alcibíades e Péricles, em palestra registrada por Xenofonte, é ponto inicial para Rui Barbosa falar sobre o que seja lei. Faz, a partir daí, uma reflexão acerca de leis e justiça. Ao citar o Brasil, lembra os bacharelandos que este é um país onde a moral e as lei não existem e, dessa maneira, adverte-os a preservar a justiça.

Como futuros magistrados e advogados que serão, Rui Barbosa dedica-se a aconselhar e advertir os formandos quanto ao Direito exige de cada um deles. “preservai, juízes de amanhã, preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas” (p.34). Como um pai, Rui Barbosa recomenda a seus afilhados em letras que não sejam juízes sem escrúpulos, irresponsáveis e que tratam os pleiteantes sem serenidade; que não acompanhem aqueles que no júri ajam como juízes, a ponto de julgar o réu com severidade; que não julguem por consideração a pessoas ou pela quantia litigada ou observado situação social ou poder; que sejam sempre profissionais retos e íntegros.

Após falar sobre os acontecimentos históricos e significantes do Brasil e do mundo ocidental que aconteceram desde seu início de carreira jurídica, Rui Barbosa conclui seu notável discurso fazendo um apelo aos futuros juristas, advogados, magistrados, não só aqueles a quem ele falava, mas todos os que um dia viriam a ler suas palavras: que eles trabalhassem pela salvação do Brasil. Salvação das invasões econômicas, dos impérios que queiram tirar proveito desta cobiçada nação. Salvação das mãos mentirosas dos políticos corruptos.

Trabalhai por esta que há de ser a salvação nossa. Mas não buscando salvadores. Ainda vos podereis salvar a vós mesmos. Não é sonho, meus amigos; bem sinto eu nas pulsações do sangue, essa ressurreição ansiada, oxalá não se me fechem os olhos, antes de lhe vir os primeiros indícios no horizonte. Assim o queira Deus (p.41).