Interpretação dos poemas realistas, Idílio e A Um Poeta, de Antero de Quental

Orlando Rocha Machado (UFC) 

No poema, abaixo,  percebe-se a influência dos resquícios do romantismo na poesia adolescente de Antero de Quental, podemos observar, que, mesmo sendo uma poesia realista romântica  mas  já com um tom de uma poesia metafísica e existencial, timidamente, onde o eu lírico faz uma autocrítica ao fazer poético, como se percebe nos dois últimos versos: / E a poesia das coisas se insinua/, / Lenta e amorosa em nossos corações/. Formalmente, temos o soneto; versos decassílabos ; rimas em ABBA, nos quartetos, CDC no primeiro terceto e EDE no último.

 IDÍLIO

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,

Colher nos vales lírios e boninas,

E galgamos dum fôlego as colinas

Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas

Contemplamos as nuvens vespertinas,

Que parecem fantásticas ruínas

Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!

Não sei que luz no teu olhar flutua;

Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,

E a poesia das coisas se insinua

Lenta e amorosa em nossos corações.

No poema, abaixo, verifica-se formalmente a estética realista na forma de soneto, com versos decassílabos e  esquemas  de rimas em  ABBA, nos quartetos; CCD, EED, nos tercetos subsequentes.  Em relação à temática, o eu lírico anuncia uma nova estética literária, o Realismo, como vemos nos versos do segundo terceto / Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno /, / Afugentou as larvas tumulares... / Para surgir do seio desses mares /, / Um mundo novo espera só um aceno /. Como também, nos  tercetos temos uma manifestação do eu lírico que confunde-se  com o sentimento real do poeta Antero de Quental, ou seja, um ardente desejo próprio dos revolucionários, um desejo de combate, de uma  mudança imediata, caracterizando o imediatismo e a contemporaneidade,  baseado nas ideias iluministas que influenciaram  estes novos escritores  portugueses do século XVIIII, o século das luzes, da ciência e da razão (Racionalismo), principalmente, em Portugal,  através das influências da  revolução intelectual (Científica, Filosófica e Política ), especialmente, desenvolvida  na França.

A UM POETA

(surge et ambula)

Tu que dormes, espírito sereno,

Posto à sombra dos cedros seculares,

Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno.

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno

Afugentou as larvas tumulares…

Para surgir do seio desses mares

Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! São canções…

Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!