ANÁLISE DA QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.694/12 SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS[1]

 

Igor Carvalhal Frazão e Alana Rocha Araújo[2]

 

SUMÁRIO: Introdução 1 A Lei 12.694/12 e o “juiz sem rosto” 2 A questão da constitucionalidade da Lei 2.1 Aspectos positivos 2.2 Críticas quanto a constitucionalidade; Considerações finais; Referências.

 

RESUMO

Nos últimos anos, casos de ameaças a juízes ganharam notoriedade na imprensa nacional. No esteio desses episódios, foi aprovada a Lei 12.694/12, que permite a adoção de um grupo de juízes em julgamentos de crimes praticados por organização criminosa; com isso, criou-se a figura do “juiz sem rosto” , pois prevê a publicação das sentenças sem qualquer referência a um possível voto divergente. Tal questão tem gerado debates na doutrina, pois alguns autores consideram o instituto do “juiz sem rosto” inconstitucional, visto que feriria diversos princípios constitucionais e penais, tais quais princípios da publicidade e motivação das decisões judiciais, do juiz natural e da identidade física do juiz. Este trabalho se trata de uma revisão bibliográfica que busca analisar a Lei em tela e seus aspectos quanto à sua constitucionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Lei 12.694/12; “juiz sem rosto”; princípios constitucionais, princípios processuais penais.

INTRODUÇÃO

 

Nos últimos anos, ganhou notoriedade no país uma série de casos de ameaças de morte a magistrados e membros do Ministério Público que atuavam em processos da esfera penal que tinham como réus, pessoas suspeitas de participação de homicídios, quadrilha, compra de sentenças judiciais e outros crimes. Algumas destas ameaças acabaram se confirmando e a morte de juízes criou um clima de insegurança para a livre atuação de promotores e magistrados.

A partir destes fatos, a mídia começou a dar destaque a estes casos, o que gerou uma reação não só da sociedade, mas também dos próprios órgãos judiciais, que começaram a exigir uma maior segurança para o exercício de seus membros. Exemplo desta mobilização foi um manifesto subscrito pela “Associação Juízes para a democracia” que, em edital publicado em seu jornal, discorreu sobre o crescimento da violência e a passividade do Estado, clamando por medidas mais enérgicas que pudessem garantir a atividade jurisdicional segura e livre de qualquer constrangimento.

Neste contexto, foi promulgada a 12.649/12, que traz no seu bojo a ideia do “juiz sem rosto”, que surge para preservar a própria segurança dos juízes, que teriam sua identidade protegida. Porém, essa não identificação do juiz gerou a discussão se esta seria um retrocesso jurídico, visto que o juiz oculto estaria esquivando-se de sua responsabilidade enquanto profissional do Direito, podendo exercer sua função de forma arbitrária e não condizente com os objetivos de justiça consagrados.

Para os críticos, a garantia da identidade física do juiz é afetada no momento em que dois outros magistrados poderão determinar a sentença sem participação efetiva nas fases anteriores ao processo. Além disso, as possibilidades da defesa estariam consideravelmente reduzidas. Já para outros doutrinadores, é importante garantir essa proteção aos magistrados e seus familiares, que diante do quadro de  violência e insegurança atual, se veem limitados e desencorajados a fazer justiça com medo das consequências do exercício de sua função.

Considerando esta nova Lei e os questionamentos e debates que ainda pairam com sua promulgação, este trabalho tem por objetivo a investigação da possível constitucionalidade do instituto “juiz sem rosto”, submetendo esta figura a uma filtragem constitucional a partir não só de princípios resguardados pela Carta Magna, mas também dos próprios princípios processuais penais.  

Para tanto, o caminho a ser traçado se iniciará pelo escrutínio da própria Lei 12.694/12 e da criação do “juiz sem rosto”, buscando a compreensão dos dispositivos legais e a delimitação do que seria o objeto deste estudo. Após este momento, analisar-se-á o tema da constitucionalidade do instituto, destacando o que há de positivo com a criação legal, mas também ponderando as críticas que a doutrina já tem feito à questão. Para tal análise serão verificados os princípios processuais penais oriundos da Constituição Federal e também específicos do Direito Processual Penal que são atinentes ao tema, destacando os princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais.

Este trabalho se trata de uma revisão bibliográfica da Lei 12.694/12, de artigos científicos e da doutrina existente que discorre sobre o “juiz sem rosto” e sobre os princípios do Processo Penal.

1 A Lei 12.694/12 e o “juiz sem rosto”

 

Apesar de recentemente aprovada a Lei 12.694, a figura que “surgiu” a partir desta, não é necessariamente nova. O “juiz sem rosto” já havia sido adotado em outros países, com o intuito de resguardar a segurança dos magistrados expostos a situações de crime organizado e ameaças criminosas. Na Itália, por exemplo, a “operação mãos limpas”, iniciada em 1992, para combater a corrupção no país, acabou colocando em risco a vida e a integridade dos promotores, juízes e suas famílias, sendo adotada então, na época, uma figura assemelhada ao “juiz sem rosto”, que apesar de algumas diferenças, preservava a identidade das autoridades judiciárias envolvidas nas investigações e julgamentos (Andreucci, 2012).

Em 2003, um projeto de Lei do Senado nº 87, chegou a tratar do assunto no Brasil, o que ocasionou na época, grandes discussões a respeito da constitucionalidade da possibilidade de julgamento sem a identificação do julgador. No entanto, apenas com a nova Lei nº 12.694, de 24 de julho deste ano, a possibilidade de formação de um colegiado de juízes para a prática de qualquer ato processual em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, foi instituída. Sendo assim, o juiz quando exposto a determinadas circunstâncias de extrema gravidade, poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada.

     Tratando especificamente da nova Lei, pode-se resumir seu objetivo na busca de conferir segurança aos magistrados que atuam em processos criminais. Tal Lei (fruto de anteprojeto de lei sugerido ao Congresso Nacional pela Associação dos Juízes Federais do Brasil) estabelece que em processos ou procedimentos relativos a crimes praticados por organizações criminosas, o juiz da causa poderá instaurar um colegiado de três juízes (ele e mais outros dois) para a prática de qualquer ato desse processo. Esse colegiado de juízes poderá ser instaurado em qualquer tipo de processo ou procedimento relacionado com crimes praticados por organizações criminosas, seja antes, durante, ou mesmo depois da ação penal. Observa-se, portanto, que o colegiado pode ser instaurado antes de proposta a denúncia, durante a ação penal ou mesmo na fase de execução.

O julgamento colegiado poderá ser adotado tanto nos processos de competência da Justiça Federal como da Justiça Estadual, tendo como único requisito, a exigência que o processo ou procedimento tenha por objeto crimes praticados por organizações criminosas. Ainda, os dois outros juízes serão escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício no primeiro grau de jurisdição, sendo certo que a competência do colegiado se limitará ao ato para o qual foi designado. As decisões desse colegiado devem ser devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, e publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro. Além disso, a referida Lei traz a possibilidade de sigilo das reuniões, nos casos em que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

Observa-se que as decisões dos colegiados serão devidamente assinadas por seus integrantes, o que demonstra que não há propriamente a instituição de um “juiz sem rosto” como sustentado erroneamente por alguns críticos. O que se objetivou com o uso dessas decisões foi dividir a responsabilidade pelas mesmas, que envolvem questões tão arriscadas relativas ao ambiente do crime. Em outras palavras, a divisão foi tão somente do ônus dos magistrados de “responder” por seus julgamentos e opiniões, estes continuam com sua identidade vinculada, dividindo a insegurança agora com dois outros colegas.

A Lei enumera possibilidades de atos que poderão ser praticados, dentre eles, a decretação de prisão ou de medidas assecuratórias; a concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão; sentença; progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena; concessão de liberdade condicional; transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.

A Lei em questão dispõe tanto sobre o processo como sobre o julgamento colegiado, o que sinaliza que não apenas o julgamento, mas também os demais atos do processo podem ser realizados de forma colegiada. O artigo 1º traz em sua redação que “o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual (...)”, confirmando, portanto, essa afirmação. Além disso, as ameaças sofridas pelos magistrados ocorrem não apenas no momento da decisão judicial, ao contrário, podem ocorrer durante toda a instrução processual.  No mais, dependendo da gravidade das ameaças sofridas, pode ser que toda a condução do processo seja realizada pelo colegiado.

Segundo a redação do parágrafo 1º do artigo 1º da referida Lei, o juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstâncias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional, como se observa, quanto aos riscos à integridade física dos magistrados, estes devem fundamentar a decisão de instauração do colegiado, no entanto, apesar do parágrafo tratar apenas do risco físico dos juízes, o risco a integridade de seus familiares tem igual ou até superior importância para estes e, sendo assim, é razoável entender que o colegiado poderá ser instaurado também quando as circunstâncias indicarem risco à integridade física desses familiares. Além disso, mesmo com a constatação desse risco pelo magistrado, pode ser que o mesmo não opte pela instauração do julgamento colegiado, visto que, esta é facultativa para o juiz da causa natural e este pode conduzir o processo singularmente.

O parágrafo 5º do artigo 1º da Lei afirma que se o colegiado for formado por juízes domiciliados em cidades diversas, a reunião entre eles para tomar alguma decisão poderá ser feita pela via eletrônica, dessa forma, a Lei não exigiu que a reunião do colegiado fosse feita por videoconferência, mencionando apenas a “via eletrônica”, e sendo assim, as discussões e deliberações do colegiado poderão ser tomadas por variadas formas eletrônicas, tendo o cuidado somente de assegurar a autenticidade da manifestação dos juízes, o que pode ser feito com o uso de certificação digital. Já o parágrafo 7º do mesmo artigo afirma que os tribunais, no âmbito de suas competências, deverão expedir normas regulamentando a composição do colegiado e os procedimentos a serem adotados para o seu funcionamento.

A Lei 12.694 traz a possibilidade de sigilo das decisões em seu artigo 1º, parágrafo 4º, o que difere da disposição constitucional trazida no artigo 5º, LX da Constituição Federal, que afirma que os atos processuais praticados pelo colegiado devem ser, em regra, públicos, salvo se o sigilo for necessário para a defesa da intimidade ou por razões de interesse social. Dessa forma, as decisões judiciais dos colegiados, também deveriam ser públicas, porém, as reuniões do colegiado para discutir sobre a deliberação de algum ato processual são obviamente sigilosas, o que pode ser sustentado inclusive, pelo parágrafo 6º do referido artigo, que traz a definição de que as decisões do colegiado deverão ser publicadas sem qualquer referência a eventual voto divergente, justamente para preservar a segurança desses juízes, visto que os criminosos poderiam ter conhecimento dessa divergência.

No mais, a decisão como já mencionado, deve ser devidamente fundamentada, deverá também ser formalizada (escrita) e assinada pelos três juízes, mesmo que um deles tenha discordado do que os outros dois decidiram, como demonstra o parágrafo 6º já citado: “As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes (...)”.

Outra novidade trazida pela Lei 12.694/12 a autorização dos tribunais, no âmbito de suas competências, a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, tais como controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais, instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes, e instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios (Andreucci, 2012).

Ainda, o Poder Judiciário e o Ministério Público poderão contar com servidores de seus quadros pessoais devidamente armados, quando no exercício de funções de segurança, além disso, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos.

2 A questão da constitucionalidade da Lei

 

A Lei 12.694/12 surgiu no esteio de intensa discussão acerca da segurança dos magistrados, nasceu como fruto da pressão da própria categoria, porém a sua promulgação trouxe junto – também – diversas críticas sobre a constitucionalidade sobre alguns de seus dispositivos. Para a análise da questão constitucional é necessário verificar – primeiramente – alguns dos princípios constitucionais e também específicos do Processo Penal que seriam atingidos por tal Lei.

Quanto ao princípio da Publicidade, este surge como consequência direta do art. 5º, inc. LX CF que traz a seguinte redação: “a lei só poderá restringira a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.  Em complemento, o art. 792 CPP afirma que as audiências, sessões e atos processuais são, em via de regra, públicos; porém o parágrafo 1º do mesmo artigo afirma que a publicidade poderia ser restringida em caso de possível escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem. No entanto, apesar desta restrição a publicidade, é preciso que se faça uma distinção entre o que seria publicidade interna e externa, para Távora e Alencar (2010, p.58), a publicidade interna seria o conhecimento pleno dos atos processuais às partes, já a publicidade externa é a relativa ao público, para os autores, somente esta última poderia ser mitigada.

Já o princípio do Juiz Natural vem descrito no inc. LIII do art. 5º CF que diz que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Sobre este preceito, Mendes, Coelho e Branco (2010, p. 672) observam:

 

Entende-se que o juiz natural é aquele regular e legitimamente investido de poderes da jurisdição, dotado de todas as garantias inerentes ao exercício de seu cargo (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos – CF, art.95, I, II, III), que decide segundo regras de competência fixadas com base em critérios gerais ao tempo do fato[...].

Integra também o conceito de juiz natura, para os fins constitucionais, a ideia de imparcialidade, isto é, a concepção de “neutralidade e distancia em relação às partes”.

 

Complementando esta ideia, traz os seguintes argumentos Alexandre de Moraes (2009, p.88):

 

O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se, não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, apara que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador.  

 

O princípio da Ampla Defesa é corolário da Justiça, sendo descrito no art. 5º, LV CF, tratando-se da garantia que é dada ao réu de trazer ao processo e à sua consequente fase recursal todos os elementos que possam trazer luz à verdade (MORAES, 2009, p. 106). Tal ampla defesa se desdobraria no direito a informação (da regra alemã Recht auf Information), segundo o qual o órgão jurisdicional estaria obrigado a informar ao réu os atos praticados no processo e sobre os elementos (grifo nosso) que constam neste processo (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010, p. 646).

 Em relação ao principio da Identidade do Juiz, ele vem descrito no art. 399 parágrafo 2º que traz a seguinte redação: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. Nas palavras de Eugenio Pacelli de Oliveira(2009, p.292):

 

[...] o provimento judicial final deve demonstrar sempre um juízo de certeza, quando condenatória a sentença. E, essa, a certeza, de tão difícil, deve cercar-se das maiores cautelas. Daí a exigência de o juiz da instrução ser o mesmo alinha-se com um modelo processual que valoriza o livre convencimento motivado e da persuasão da convicção do magistrado.

 

 Também merece destaque o princípio da Motivação das Decisões que é uma decorrência do art. 93, inc. IX que declara que as decisões do juiz devem ser motivadas, sob pena de nulidade insanável. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2010, p. 57) afirmar que este princípio alberga outros, tal qual o devido processo legal. Também se relaciona ao cumprimento escorreito do contraditório, como afirma Marinoni e Mitidiero (2011, p.562):

 

[...] a motivação das decisões judiciais constitui o último momento da manifestação do direito ao contraditório e fornece seguro parâmetro para a aferição da submissão do juízo ao contraditório e ao dever de debate que dele dimana. Sem contraditório e sem motivação adequados não há processo devido, não há processo justo.

De acordo com a doutrina que critica a Lei 12.694/12, todos estes princípios seriam atingidos, direta ou indiretamente, pela criação do “juiz sem rosto”, cabe a análise detalhada da interação entre estes pressupostos e os artigos da Lei para saber se realmente esta afetação gera a inconstitucionalidade da norma.

2.1 Aspectos positivos

A Lei 12.694/12 trouxe diversos aspectos positivos principalmente ao trazer medidas de seguranças que trazem mais tranquilidade para que magistrados possam exercitar sua jurisdição. Como exemplos destas medidas, pode-se destacar: proteção pessoal para o magistrado e membro do MP; autorização para que veículos utilizados por membros do Judiciário e MP tenham a placas especiais provisoriamente para proteger a identificação de seus usuários; porte de arma para servidores que exerçam atividades de segurança.

Em relação ao “juiz sem rosto”, Cavalcante (2012, p.7) descarta a possibilidade de inconstitucionalidade rebatendo os doutrinadores que afirmam haver violação de princípios. Para tanto, o autor pontua princípio a princípio a interação destes com os dispositivos da Lei, na busca por uma conformação entre ambos. É interessante, para a discussão do tema, observar os apontamentos do escritor: o princípio da Publicidade não seria violado, pois – mesmo com a não-publicação do voto divergente – a decisão continuaria sendo regularmente propalada, sendo a ocultação de suposta divergência um pequeno custo em troca de maior segurança aos magistrados; o princípio do Juiz Natural restaria íntegro, pois os juízes que irão compor o colegiado são escolhidos via sorteio eletrônico e possuem competência, ao contrário, o anonimato das decisões ratificaria o princípio em tela, porque o julgamento imparcial só é possível quando o juiz exerce sua atividade sem pressões injustificadas; já a Ampla Defesa não seria atingida, pois o réu pode exercer seu direito de defesa e direito de recorrer independentemente de saber do conteúdo de um voto divergente, basta apenas ter domínio da decisão; a Identidade do Juiz está garantido porque, independentemente do momento em que o colegiado seja formado, o juiz que participou da instrução também participará da decisão; já a Motivação das decisões permaneceria intacta, pois a decisão ainda seria igualmente motivada, não importando se houve divergência, pois – endoprocessualmente – esta foi sanado.   

2.2 Críticas quanto a constitucionalidade

No entanto, diversos outros autores se opõem à constitucionalidade da Lei em questão, estes afirmam que ela viola gravemente princípios processuais penais constitucionais caros ao ordenamento jurídico pátrio, devendo – assim – ser expurgada do mesmo. Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, o professor da Universidade de São Paulo –USP Pierpaolo Bottini afirma que o “juiz sem rosto”viola o direito à informação do réu, visto que este deveria ter direito a conhecer o conteúdo integral das decisões, com seus argumentos, teses e – principalmente – o voto divergente (BEZERRA, 2012).

A promulgação também contrariaria a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa Rica) que em seu art. 8º traz uma série de garantias judiciais aos réus, entre elas o direito à publicidade dos processos e à ampla defesa.

O professor Luis Flávio Gomes (2012) pondera que, na verdade, que a Lei não cria o “juiz sem rosto”, pois este seria, em suas palavras “é o juiz cujo nome não é divulgado, cujo rosto não é conhecido, cuja formação técnica é ignorada. Do juiz sem rosto nada se sabe, salvo que dizem que é juiz. Nada disso foi instituído pela nova lei. Os juízes pela nova lei são conhecidos. Seus nomes são divulgados. Só não se divulga eventual divergência entre eles”. Inclusive a figura de tal juiz já haveria sido eliminada da legislação colombiana e peruana. À parte a confusão de nomenclatura, o instituto brasileiro deveria ser visto com cuidados, para que não fossem violados direitos do réu.

Estaria claro, para os críticos, que a figura criada restringiria garantias constitucionais individuais do imputado afetando o seu direito à informação, violando a publicidade interna, pois nega informações do processo a uma das partes, prejudicando a sua ampla defesa em grau recursal, considerando que ele não terá todos os elementos para fundamentar seu recurso e ferindo a motivação das decisões, pois ignora parte da discussão inerente à decisão.

Quanto ao princípio da Identidade do juiz também haveria o seu desvirtuamento, isso porque a possibilidade de instauração do colegiado em qualquer momento do processo pode enfraquecer as decisões, por exemplo, quando o colegiado fosse formado apenas na fase decisória, o convencimento dos juízes sorteados poderia ser formado por um processo diferenciado ao juiz original da causa, que acompanhou toda a instrução (CAVALCANTE, 2012, p.5).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dado o exposto, conclui-se que a Lei 12.694/12 foi aprovada, trazendo a figura do “juiz sem rosto”, no intuito de preservar a segurança e a integridade física dos juízes e seus familiares. Porém, como demonstrado, não há na verdade, um “juiz sem rosto”, mas a possibilidade de formação de um colegiado de três juízes para a prática de qualquer ato processual em processos que tenham por objeto, crimes praticados por organizações criminosas.

A nova Lei, apesar de representar um passo no combate à criminalidade, e amenizar a insegurança sofrida pelos magistrados, ainda não é capaz de solucionar tal problemática, pois o que se observa é uma divisão da responsabilidade quanto as decisões “perigosas” entre alguns juízes, que continuam expostos de certa forma as ameaças das organizações criminosas. Além disso, como exposto, a referida Lei tem gerado grandes debates, pois, para alguns se caracterizaria por um retrocesso jurídico, ferindo a garantia da identidade física do juiz e outros princípios constitucionais e penais, e para outros, estaria garantindo a segurança dos magistrados para que exerçam adequadamente suas funções. 

Desse modo, é nítido que a tomada de alguma providência para amenizar as ameaças e a concretização das mesmas quanto a figura dos magistrados que atuam na esfera criminal era extremamente necessária e cobrada inclusive por meio da imprensa brasileira, mas a aprovação da Lei não significa que a insegurança desses juízes estará devidamente combatida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. O juiz sem rosto e a Lei no 12.694/12. Disponível em:<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-juiz-sem-rosto-e-a-lei-no-1269412/9770>. Acesso em 06 nov. 2012.

 

 

 

BEZERRA, Elton. Lei do “juiz sem rosto” viola garantias constitucionais. Disponível: < http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>.  Acesso em 17 out. 2012.

CAVALCANTE, Márcio. Comentários à lei 12.694/12. Disponível em: <www.dizerdireito.com.br.>. Acesso em: 17 out. 2012.

GOMES, Luis. Ministro Luis Fux e o juiz sem rosto. Disponível em: < http://www.institutoavantebrasil.com.br/artigos-do-prof-lfg/ministro-luiz-fux-e-o-juiz-sem-rosto/>. Acesso em 02 nov. 2012.

MARINONI, Luiz; MITIDIERO, Daniel. Direito de ação, contraditório e motivação das decisões judiciais. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo. Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 557-564.

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar. Curso de direito processual. 4 ed. Salvador: Juspodium, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.



[1] 1° check de Paper apresentado para obtenção de nota parcial na matéria Direito Processual Penal I lecionada pelo Prof. Cleopas Isaías Santos.

[2] Alunos do 6° período do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB .