ANÁLISE DA PALAVRA "MODIFICAR" EM CONCEITOS GRAMATICAIS:
VAMOS "MODIFICAR" A GRAMÁTICA?

Andreza Freitas da Silva Batista

Resumo

O presente artigo refere-se a uma reflexão sobre a presença da palavra "mo-dificar" em determinados conceitos gramaticais, encontrados em gramáticas peda-gógicas e descritiva. O objetivo é verificar se esses conceitos estão em conformida-de com a realidade lingüística. Através dessa reflexão, analisaremos o ensino da gramática nas escolas brasileiras, a formação dos professores, bem como a neces-sidade de conhecimento de material teórico para o desenvolvimento de uma prática consistente que privilegie as aulas de língua e não somente as de gramática.
Palavras-chave: Gramática. Modificar. Caracterizar. Aprendizagem.

1 Introdução

Neste artigo serão apresentados os conceitos de adjetivo, advérbio, adjunto adnominal e adjunto adverbial, encontrados em três tipos de gramáticas. Será feita, ainda, uma breve comparação entre essas definições, procurando verificar se a pa-lavra "modificar" altera o substantivo, ou o verbo. Além dessa análise, destacaremos a importância da formação do professor para o desenvolvimento de uma prática pe-dagógica consistente, em que o ensino da gramática e o uso consciente do material teórico sirvam de intermédio para a leitura e interpretação.

2 Ensino de gramática

O ensino da gramática, conforme Neves (2000, p. 52), deve conduzir o aluno à reflexão sobre o funcionamento da linguagem, indo pelo uso lingüístico, para chegar aos resultados de sentido.
Neves (2000, p.52) enfatiza a importância do ensino da Gramática na escola:
A escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com adequação social do produto lingüístico de seus alunos, isto é, ela tem de garantir que eles tenham condição de mover-se nos diferentes padrões de tensão ou de frouxidão, em conformidade com as situações de produção.

Entretanto, nas escolas brasileiras, as aulas de gramática ocupam, segundo Possenti (1997, p. 115), no mínimo, sessenta por cento das aulas de Português e restringem-se apenas a uma simples listagem de regras arcaicas aplicadas à reali-zação mecânica e acrítica de exercícios que se tornam, por sua vez, vazios e inúteis aos alunos.
Para Possenti (1997, p. 117), a gramática que se ensina é muito inconsisten-te, o que significa que do ponto de vista da aquisição de atitudes científicas, da ma-turidade exigida para análise dos fatos, ela é até prejudicial: o aluno aprende uma definição para acertar as respostas, mas não pode segui-las.
Sendo assim, acreditamos que o ensino da gramática é importante e faz-se necessário na escola, mas deve ser trabalhado de forma adequada, pois a aprendi-zagem se torna mais eficiente através de práticas significativas, e não por exercícios gramaticais mecânicos que fazem com que os alunos passem a odiar as aulas de Língua Portuguesa.
3 Formação do professor

O educador tem um papel fundamental no contexto escolar. Segundo Bagno (2000, p. 311), o professor deve mostrar ao aluno que ele já sabe a língua, torná-lo consciente do seu próprio conhecimento lingüístico.
No entanto, a formação dos professores de Língua Portuguesa mostra-se in-satisfatória, devido a uma ideologia lingüística conservadora que evidencia um forte preconceito lingüístico, no qual só é aceito como "correto" e "exemplar" aquilo que está relacionado à norma culta ou padrão.
De acordo com Possenti (1997, p. 114), faltam professores capacitados para trabalhar com a gramática na escola. Isso ocorre porque a maioria dos educadores conhece pouco sobre esse assunto. No Brasil, os estudos relacionados às questões gramaticais são inconsistentes. Assim, os professores são preparados para trabalhar apenas com um manual gramatical que se repete de geração para geração por esse motivo, se o perderem, poderão não saber como dar aula.
Por esse motivo, os cursos Letras precisam modificar seus métodos de ensi-no para formarem professores competentes e sensíveis à diversidade das situações sociais, que valorizem, também, a língua falada.

3.1 Necessidade de conhecimento de material teórico

O conhecimento adequado do material teórico faz-se necessário porque per-mite ao professor maior segurança em seu trabalho, bem como uma atuação mais eficaz em sala de aula. Através da apropriação desse conhecimento, o professor ensinará o aluno a refletir sobre o que aprendeu.
Dessa forma, acreditamos que os professores precisam ter uma boa forma-ção, que os leve a refletir sobre os conteúdos constantes nos materiais de que dis-põe, bem como sobre os tipos de exercícios que tais materiais contêm, obtendo, as-sim, o conhecimento de material teórico. Desse modo os educadores não serão apenas transmissores e repetidores do que está escrito nos livros, mas sim facilitadores da aprendizagem dos alunos.

4 Definições da palavra "Modificar"

Segundo o wikitionary, modificar é provocar modificações, alterações ou transformações; alterar o modo de ser ou de atuar.
O dicionário Houaiss (2004, p. 501), refere que modificar é fazer sofrer mu-dança; alterar-se; transformar-se; precisar ou alterar o sentido.
De acordo com Celso Luft (1996), modificar significa mudar a forma a; dar novo modo de ser a; moderar, conter, refrear; alterar (ampliando ou restringindo) o sentido de; mudar, alterar.

5 Conceitos de adjetivos, advérbios, adjuntos adnominais e adjuntos adver-biais.

Os seguintes conceitos foram retirados de uma seleção feita com dois tipos de Gramáticas: duas gramáticas pedagógicas e uma descritiva.

5.1 Conceitos de adjetivos

Na gramática descritiva, de Cunha e Cintra (2007, p. 245, grifo nosso): "Adje-tivo é essencialmente um modificador do substantivo."
De acordo com a gramática pedagógica, de Faraco e Moura (1988, p. 169, grifo nosso): "Adjetivo é a palavra variável que modifica substantivos, atribuindo uma característica aos seres nomeados por eles."
Tendo como base os conceitos acima, vamos analisar os seguintes exemplos que nós propusemos:
Ex.: Maria ganhou um bebê.
Maria ganhou um bebê pequenininho. (Grifo nosso).
Na primeira frase bebê é um substantivo comum, concreto, simples, primitivo, masculino e singular. Na segunda frase, com a presença do adjetivo pequenininho, o substantivo bebê não se altera, permanecendo com as mesmas classificações da primeira frase.
Percebemos com isso que a presença do adjetivo não altera em nada o subs-tantivo, e que ele é, portanto, equivocada e erroneamente denominado um modificador. Outro agravante destes conceitos concerne à relação adjetivo/substantivo, ou seja, mesmo que o adjetivo tivesse o "poder" para modificar ou transformar algo, essa transformação não estaria relacionada ao substantivo, e sim ao ser nomeado por ele. Nota-se a recorrência desse engano também nos conceitos de adjunto adnominal.

5.2 Conceitos de advérbios

Na Gramática Reflexiva, de Cereja e Magalhães (1999, p. 172, grifo nosso): "Advérbio é a palavra que geralmente modifica o verbo, indicando as circuns-tâncias em que se dá a ação verbal."
De acordo com a gramática descritiva, de Cunha e Cintra (2007, p.541, grifo nosso): "Advérbio é fundamentalmente um modificador do verbo."
Segundo a gramática pedagógica, de Faraco e Moura (1988, p. 279, grifo nosso): "Advérbio é a palavra que modifica um verbo, um adjetivo, outro advérbio ou uma oração inteira."
Levando em consideração os conceitos citados, vejamos as seguintes frases:
Ex.: Antônio Conselheiro construir seu arraial popular.
Antônio Conselheiro construiu seu arraial popular ali. (Grifo nosso).
Na primeira frase, construir é um verbo que está na voz ativa da 3ª pessoa do singular do modo indicativo do pretérito-perfeito. Mesmo com a presença do advér-bio ali, que aparece na segunda frase, o verbo construir não sofre nenhuma modifi-cação em suas classificações.
Mais uma vez, é possível identificar o emprego inadequado da palavra modificar nas conceituações gramaticais. Esse equívoco é recorrente também nos conceitos de adjunto adverbial.

5.3 Conceitos de adjunto adnominal

Segundo a Gramática Reflexiva, de Cereja e Magalhães (1999, p. 257, grifo nosso): "Adjunto adnominal é o termo da oração que modifica o substantivo, qual-quer que seja sua função sintática, qualificando-o, especificando-o, determinando-o ou indeterminando-o."
Vejamos um exemplo para ilustrar o que diz o conceito acima:
Ex.: Peguei um livro.
Peguei um livro interessante. (Grifo nosso).
Na primeira frase, livro é um substantivo comum, concreto, simples, primitivo, masculino e singular; e ele permanece apresentando essas mesmas classificações após a presença do adjunto adnominal interessante.
5.4 Conceitos de adjunto adverbial

De acordo com a Gramática Reflexiva, de Cereja e Magalhães (1999, p. 225, grifo nosso): "Adjunto adverbial é o termo que, essencialmente, modifica o verbo, indicando as circunstâncias em que se dá a ação verbal."
Na Gramática de Faraco e Moura (1988, p. 329, grifo nosso): "Adjunto ad-verbial é o termo da oração que indica uma circunstância do fato expresso pelo ver-bo ou intensifica o sentido do verbo, do adjetivo e do advérbio. O adjunto adverbial exerce, portanto, a função de modificador e de intensificador."
A seguir daremos um exemplo pensando sobre os conceitos de adjunto ad-verbial.
Ex.: Eles viajarão.
Eles viajarão amanhã. (Grifo nosso).
Na primeira frase, viajar é classificado como um verbo no infinitivo, assim co-mo na segunda frase, mesmo após o emprego do adjunto adverbial amanhã. (Grifo nosso).
Além desses conceitos apresentados, também foram encontradas nessas gramáticas, outras definições, em que não aparecem a palavra "modificar". Como podemos verificar nas definições citadas abaixo:
Segundo a Gramática Reflexiva, de Cereja e Magalhães (1999, p. 112): "Ad-jetivo é a palavra que caracteriza os seres. Refere-se sempre a um substantivo ex-plícito ou subtendido na frase, com o qual concorda em gênero e número."




Conclusão

Através deste breve estudo foi possível comparar duas visões de conceitos gramaticais e concluímos que a primeira visão, em que há a presença da palavra "modificar", não está de acordo com a realidade lingüística, pois essa palavra não tem força de alterar o substantivo e o verbo, mas sim de atribuir significados a esses termos. Portanto, não é aconselhável que essa prática seja utilizada no ensino de Língua Portuguesa.
Já a última definição, sem a presença desse termo, mostra-se mais satisfató-ria, pois o adjetivo é definido como caracterizador do ser. Sem cometer, desta for-ma, o mesmo equívoco presente nos outros conceitos anteriormente apresentados.
Com base nesse estudo, percebemos a importância de os educadores, esta-rem envolvidos com os conteúdos transmitidos, deixando de ser a docência uma atividade voltada somente ao que o livro expõe. Desse modo, os professores devem orientar os alunos a fazerem pesquisas e debates, questionando as definições que as gramáticas trazem e construindo, assim, conceitos gramaticais mais coerentes e adequados à realidade lingüística.

Referências

BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: Tradição gramatical, mídia & ex-clusão social. São Paulo: Loyola, 2000.
CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática reflexiva: tex-to, semântica e interação. São Paulo: Atual, 1999.
CUNHA, Celso; CINTRA Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâ-neo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Gramática. 19. ed. São Paulo: Ática, 1999.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss da língua por-tuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
NEVES, Maria Helena de Moura Neves. A gramática: conhecimento e ensino. In ASzevedo, J.C. (Org). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. Petrópolis: Vozes, 2000.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola?. Rio de Janeiro: Ed UERJ, 1997.
MODIFICAR. Disponível em: http://pt.wiktionary.org/wiki/modificar. Acesso em: 04 de Jun. 2008.