Maquiavel, o principal teórico do Estado moderno absolutista, dizia que para ele, o soberano não devia ter escrúpulos se quisesse manter o poder e o controle sobre o Estado. Criticado por seu cinismo e desprendimento, sua obra foi o guia para aquele que almejava se tornar governante. Escreveu O Príncipe (1513), para seu "mecenas" Lourenço de Médici, cuja idéia central pode ser sintetizada na frase "os fins justificam os meios".

Em sua obra, Maquiavel expressa toda sua genialidade, mostrando ser um homem à frente de seu tempo. O livro pode ser considerado como em um clássico e é a partir dessa obra dá-se início ao pensamento da política moderna. O autor oferece em O príncipe discussões acerca de problemas do cotidiano governamental e como solucioná-los, é nesse contexto de erros e acertos que Maquiavel vai introduzir personagens históricos desde a antiguidade até o medievo.

O príncipe, não trabalha com ética, religião e ordem natural (escolástica)[1], mas com características humanistas que vinham a corroborar com o Renascimento. Em meio à política, Maquiavel tinha capacidade para desvendar todos os pormenores dessa ciência, pois trabalhava direto com os políticos de sua época, sendo assim ele tinha argumentos suficientes para dizer o que era certo ou errado dentro de um governo. Ainda assim, ele deixava claro, em sua teoria, de que para ser um bom governante não precisa ser perfeito, apenas soberano.

A problemática dessa analise está em questionar o porquê de Maquiavel fazer esses resgates, através de mitos do passado para discutir a política. Para contribuir na análise, dessa questão outro autor Jules Michelet, também trabalhou em sua obra com esse tipo de resgate.

O renascimento contou com várias figuras ilustres que enriqueceram esse cenário de ascensão, como Leonardo Da Vinci, Botticelli, Michelangelo, entre outros. Esses artistas também trouxeram em suas obras figuras do passado, mas com uma visão de mundo mais humanista, não tanto "endeusada", mostrando as figuras como elas realmente acreditam ser.

"... para Alexandre foi necessário primeiro encurralá-lo e desbaratá-lo em batalha campal sendo que, depois da vitória, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para Alexandre..."(Maquiavel, p.25-1997), podemos ver que a citação traz Alexandre Magno como um dos regates que a obra tem.Alexandre foi um grande personagem, pois conquistou vários reinos, mesmo que para conquistá-los muitos de seus colaboradores viessem a falecer, mas o seu objetivo foi sempre alcançado, por isso é um exemplo de vitória e persistência.

Outra passagem de seu livro, mas não faz menção a nenhum personagem histórico, porém vem a corroborar com a idéia de que se tem de fazer de tudo para se chegar ao poder, a guerra era o meio mais propício, "... os príncipes, por conseguinte, não deveriam ter outro objetivo ou pensamento além da guerra, suas leis e sua disciplina..." (Maquiavel, p.92-2007).

Jules Michelet era francês, viveu durante a transformação da França em uma nação, em seus estudos ele alimentava uma aversão natural para com os princípios de autoridade e as práticas eclesiásticas. Michelet era um xenofobista, amava sua pátria e exaltou-a na figura de Joana D'arc.

O livro de 1843, Joana D'arc, que ele expressou toda sua paixão pela França. Esse livro apresenta uma Idade Média grandiosa, e foi na figura de Joana que Michelet pode trazer à tona esse passado de glórias, onde uma simples camponesa surgiu para surgi para salvar a França. Na apresentação do livro da edição de 1995, cuja tradução é de Plínio Augusto Coelho, ele fala "Joana é a última filha do passado, que abre as portas a uma nova era, com ela surge a pátria", podemos ver que com esse resgate do passado Michelet pode preencher um vazio no presente, cujo presente era a busca da identidade da França, e Joana foi o ponto que faltava para essa consagração.

Em uma passagem de seu livro, Michelet expressa toda sua indignação acerca de dois pontos cruciais que ligam a humanidade a guerra e a igreja, "... guerra, santidade, duas palavras contraditórias; parece que a santidade é o exato oposto da guerra, que ela é antes o amor e a paz..." (Michelet, p.69-1995).

"... assim com abandonada pela igreja, ela se entregou com toda a confiança a Deus..." (Michelet, p. 123-1995). Em suas menções a "pobre donzela" Michelet a travava com tanto ardor como se estivesse vendo todo o sofrimento que ela passou para alcançar o seu objetivo que era libertar a "amada" França.

É através desses personagens que a história se apresenta a cada século, em cada momento surge alguém que vai receber o mérito por ter colaborado com algum fato marcante. Para a história no existe barreiras, pois podemos trazer algo do passado e contextualizá-lo com o momento em que nós vivemos.

Sendo assim essa análise, mostra como esses resgates colaboraram para elucidar as obras dos autores citados, e também na forma como foram empregadas teve um valor de memória cultural transcendente da antiguidade até o medievo, sendo que esses resgates não perderam o seu sentido, mas ganharam outros do ponto de vista de cada autor, um lado mais humano e não tão lúdico como eram contadas suas histórias em seus tempos, cada um teve seu valor perante as situações que tiveram fazendo com que as mesmas se eternizassem através dos tempos. Maquiavel utilizou-se desses personagens não só para elucidar sua obra, mas também para suprir um déficit na mesma, ele fez como em sua obra apresentou os erros, os acerto e as soluções, sendo que ele utilizou esses personagens para solucionar um problema dele, o de justificar suas teses.



[1] A escolástica representa o último período do pensamento cristão, que vai do começo do século IX até o fim do século XVI, isto é, da constituição do sacro império romano ao fim da Idade Média. A filosofia ensinada nas escolas representada pelas chamadas artes liberais que eram divididas em gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música.

Bibliografia:

MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe. Tradução de Roberto Grassi. – 20º Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

MICHELET, Jules. Joana D'arc. Tradução Plínio Augusto Coelho – São Paulo: Ed. Imaginário: Polis, 1995.