Análise da Lei nº 12.694/2012: preponderante necessidade do dispositivo face às críticas acerca da violação aos Princípios Constitucionais: do juiz natural, publicidade e devido processo legal[1]

 

Bárbara Araujo de Abreu e Maiana Bastos[2]

 

SUMÁRIO: Introdução;1 Lei n° 12.694/2012; 2 Da constitucionalidade da lei e combate às críticas; 2.1 princípio do juiz natural; 2.2 Princípio do devido processo legal; 2.3 Princípio da publicidade; 3 Conceito de Organização Criminosa; 4 Aprimoramento da independência dos Juízes Criminais brasileiros ; Conclusão; Referências.

  

Resumo: o presente paper visa esclarecer acerca do efetivo benefício da Lei 12.694/12 em prol dos direitos individuais dos juízes criminais, bem como combater as críticas doutrinárias que apóiam-se na violação de princípios constitucionalmente sagrados, justificando não só a incoerência de tais críticas, bem como conotando os conseqüentes avanços ao Direito proporcionados pelas inovações pertencentes à nova lei.

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, casos de ameaças e assassinatos de juízes receberam notoriedade da imprensa nacional. Como consequência dessas lamentáveis ocorrências, foi elaborada e aprovada a Lei 12.694/12, a qual permite que em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o Juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente: decretação de prisão ou de medidas assecuratórias, concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão, sentença, entre outros.

Diante disso, criou-se indevidamente a figura do “juiz sem rosto”, pelo fato de que o ato normativo em comento prevê a publicação das sentenças sem referência a voto divergente. Porém, é sabido que a finalidade precípua da identificação do magistrado que processará e julgará o feito é oportunizar que as partes questionem, nos autos, sua imparcialidade, apontando possível suspeição ou impedimento do julgador, uma vez que toda pessoa tem o direito de ser julgada por um tribunal independente e imparcial (Art. X da Declaração Universal dos Direitos Humanos), sendo tal prerrogativa plenamente aceita pelo dispositivo em comento, já que o juiz para o qual o feito foi distribuído será devidamente identificado, como ocorreria em qualquer outro processo, oportunizando que as partes suscitem sua suspeição ou impedimento.

No mesmo sentido não serão violados os princípios do devido processo legal, nem tampouco demais princípios constitucionalmente consagrados asseverados por parte da doutrina, haja vista que, como dito alhures, a vigência da lei em tela não vincula a perigosa figura do “juiz sem rosto”, mas tão somente um permissivo processual que garantirá ao magistrado sua plena atuação jurídica, aliada a constante coragem à sublime função de julgar, na medida em que garante à este segurança aos seus direitos fundamentais e individuais.    

1-      Lei n° 12.694/2012

 

A Lei n° 12.694/2012 trata do julgamento em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas, foi publicada no dia 25/07/2012 e é considerada uma importante novidade legislativa. Esta Lei é fruto de anteprojeto de lei sugerido ao Congresso Nacional pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) com o intuito de garantir maior segurança aos magistrados, especialmente àqueles que atuam em processos envolvendo organizações criminosas. A referida lei, em linhas gerais, busca conferir mecanismos de segurança aos magistrados que atuam processos criminais.

A presidente Dilma Rousself sancionou a referida lei um ano após o assassinato da juíza Patrícia Acioli, no dia 12 de agosto de 2011, em Niterói (RJ), a qual conduzia um processo por meio do qual se investigava uma quadrilha de policiais e em meio a denúncias de ameaças recebidas pelo juiz Paulo Augusto Moreira Lima, o qual era responsável pelo caso Cachoeira. Destaca-se então que esses casos contribuíram para a situação de alerta geral dos magistrados brasileiros, especialmente os da área penal.

Dentre as várias inovações trazidas pela Lei n° 12.694/2012, tem-se a possibilidade de os processos judiciais referentes à atuação de organizações criminosas poderem ser julgados por colegiado de três juízes, com o intuito de evitar que eventuais ameaças recaiam sobre um magistrado específico e resulte em assassinatos. Desse modo, a lei estabelece que o juiz poderá pedir a formação do colegiado, composto por mais dois magistrados escolhidos em sorteio eletrônico, nos casos de decretação de prisão, concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão, sentença, progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, transferência para estabelecimento prisional de segurança máxima e inclusão do preso em regime disciplinar diferenciado. Além disso, as reuniões do colegiado formado têm a faculdade de serem secretas quando houver risco de a publicidade resultar em prejuízos à eficácia da decisão judicial. Ainda conforme a lei, a reunião do colegiado composto por juízes domiciliados em cidades diversas poderá ser feita pela via eletrônica.

Outra importante inovação é a introdução no Código de Processo Penal da previsão do instituto da alienação antecipada de bens apreendidos frutos do crime, quando estes não forem localizados ou se encontrarem fora do Brasil. A medida evita a possível depreciação ou deteriorização do patrimônio e o gasto do Estado com a manutenção dos bens em depósitos. Desse modo, antes da deliberação final da Justiça sobre o caso, o juiz poderá determinar a venda do bem e o valor obtido será depositado em conta judicial. Porém, se o réu for absolvido, o montante corrigido será devolvido e, em caso de condenação, o valor será transferido ao poder público.

Além disso, no tocante à segurança dos prédios e dos juízes, a lei autoriza a adoção de medidas como o controle de acesso aos prédios, a instalação de câmeras de vigilância e de detectores de metais. No intuito de dar maior efetividade à segurança dos magistrados que exerçam competência criminal, a lei prevê também que os veículos utilizados por eles e por membros do Ministério Público possam ter, temporariamente, placas especiais para impedir a identificação dos usuários. E em situações de risco, a lei determina que a Polícia Judiciária, uma vez cientificada do fato, deverá avaliar a necessidade, o alcance e os parâmetros da proteção pessoal a ser prestada.

O juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em entrevista à revista Consultor Jurídico, publicada no Diário Oficial da União no dia 25/07/2012, presente no artigo "Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais” do repórter Elton Bezerra, destaca pontos positivos na lei no tocante às medidas de segurança: "Mais importante é a novidade quanto às medidas securitárias pessoais agora à disposição do juiz criminal, que vão desde melhor controle de acesso às dependências de onde trabalha como o porte de arma por órgãos de segurança institucional".

Porém, apesar de a referida lei abrigar as referidas inovações no tocante à segurança dos juízes criminais e aos novos procedimentos, há divergências quanto a sua constitucionalidade, como veremos no tópico seguinte.

2-      Da constitucionalidade da lei e do combate às críticas

A nova lei 12.694/2012 por representar uma inovação legislativa, está sendo alvo de polêmicas acerca da sua constitucionalidade. A partir disso, destaca-se três princípios constitucionais relacionados à lei, o Princípio do Juiz Natural, da Publidade e do Devido Processo Legal. Apesar de as críticas acerca da lei, procuramos combatê-las de forma a concluir pela constitucionalidade da lei e a não violação dos preceitos constitucionais.

2.1 – Princípio do Juiz Natural

A possibilidade da instituição de colegiados para julgamento de organizações criminosas em primeiro grau, segundo juristas, constitui uma afrontando à Constituição. A partir da nova medida, os colegiados serão formados por três juízes, aquele originalmente responsável pelo processo (juiz natural) e mais dois, escolhidos através de sorteio.

Desse modo, a principal crítica a este ponto da lei encontra-se na possibilidade de o princípio constitucional do juiz natural estar sendo violado a partir da formação do colegiado. Porém, embora ainda não apresente um pronunciamento sobre a possível violação ao referido princípio, o Supremo Tribunal Federal já deu exemplos de que o julgamento colegiado no primeiro grau não deve ser entendido como uma afronta à Constituição Federal.

Destaca-se, então, caso ocorrido no estado do Alagoas em 2007, o qual aprovou a Lei 6.806, que criou a 17ª Vara Criminal da Capital, a qual tem competência exclusiva para julgamentos do crime organizado, com titularidade coletiva, composta por cinco juízes. Porém, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF questionando a lei. Em maio deste ano, apesar de derrubar alguns artigos da lei, a corte suprema votou pela sua constitucionalidade, mantendo a estrutura de colegiado.

Do julgamento da referida ADIn, pode-se destacar:

“No que respeita ao art. 2º, primeira parte (“A 17ª Vara Criminal da Capital terá titularidade coletiva, sendo composta por cinco Juízes de Direito”), decidiu-se, por maioria, pela sua constitucionalidade. Articulou-se possível que lei estadual instituísse órgão jurisdicional colegiado em 1º grau. Rememoraram-se exemplos equivalentes, como Tribunal do Júri, Junta Eleitoral e Turma Recursal. Analisou-se que a composição de órgão jurisdicional inserir-se-ia na competência legislativa concorrente para versar sobre procedimentos em matéria processual (CF, art. 24, XI). Assim, quando a norma criasse órgão jurisdicional colegiado, isso significaria que determinados atos processuais seriam praticados mediante a chancela de mais de um magistrado, questão meramente procedimental. Avaliou-se que a lei estadual teria atuado em face de omissão de lei federal, relativamente ao dever de preservar a independência do juiz na persecução penal de crimes a envolver organizações criminosas. Observou-se que o capítulo do CPP referente à figura do magistrado não seria suficiente para cumprir, em sua inteireza, o mandamento constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII e LIII), porque as organizações criminosas representariam empecilho à independência judicial, na forma de ameaças e outros tipos de molestamentos voltados a obstaculizar e desmoralizar a justiça. A corroborar essa tese, citou-se o II Pacto Republicano de Estado, assinado em 2009, a estabelecer como diretriz a criação de colegiado para julgamento em 1º grau de crimes perpetrados por organizações criminosas, para trazer garantias adicionais aos magistrados, em razão da periculosidade das organizações e de seus membros.(...) O Min. Cezar Peluso certificou que as normas não tratariam de procedimento, mas de estruturação de órgão judiciário, matéria de iniciativa reservada aos tribunais de justiça. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava inconstitucional o dispositivo.” (ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 30 e 31.5.2012).

                Corroborando com o entendimento do STF, o autor Eugênio Pacelli, no livro Curso de Processo Penal, destaca que:

“E uma vez instaurado no âmbito de certo e determinado processo, a jurisdição do colegiado se limitará ao ato ou atos para o(s) qual(is) foi convocado (art.1°, §3°). Evidentemente, não se poderá pensar na instauração de mais um colegiado no curso do mesmo processo. É dizer, uma vez formado o colegiado e praticado o ato para o qual ele tenha sido convocado, exaure-se a respectiva jurisdição, retornando o comando do processo ao juiz originariamente competente (...). Em princípio, e desde que respeitadas as regras estabelecidas pela Lei n° 12.694/2012, a jurisdição colegiada ali instituída nada tem de inconstitucional, relativamente a suposta violação do juiz natural, na perspectiva da vedação do juízo ou tribunal de exceção (art.5°, XXXVII, CF). Com efeito trata-se de instância judiciária (o Colegiado) devidamente prevista em lei, com competência instituída antes da prática do delito, o que, por si só, já afastaria a exceção do tribunal, conforme consta na citada cláusula constitucional. E mais. O juiz do processo, isto é, o juiz legal (competência territorial) e constitucional (em razão da matéria) não será afastado do processo.” (PACELLI, 2012,pg 10).

                A partir disso, destaca-se que não haverá “juiz sem rosto”, partindo do pressuposto de que os magistrados do colegiado serão todos identificados. Só existirá mais de um juiz para a decisão de primeiro grau, não violando, portanto, o princípio do juiz natural. Ressaltando que o colegiado beneficia a defesa na medida em que várias cabeças, ou seja vários juízes, pensam melhor do que um, viabilizando-se um julgamento com maior qualidade e maior profundidade.

2.2 - Princípio do Devido Processo Legal

            O princípio do Devido Processo Legal encontra-se na Constituição Federal de 1988 em seu Art.5º:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (CF, 1988)

            Levanta-se, então, a possível violação do referido princípio a partir da impossibilidade de suscitar a parcialidade do julgador.

            Porém, de acordo com os preceitos da Lei n° 12.694/2012, a distribuição do processo será realizada regularmente, através de sorteio. O juiz para o qual este foi distribuído será identificado, como ocorre em qualquer outro processo, oportunizando, dessa forma, às partes que suscitem a suspeição ou o impedimento.

            Além disso, ao optar pela formação do colegiado, o juiz deverá registrar nos autos, em decisão fundamentada, os motivos pelos quais ele acredita que a sua integridade física está sob ameaça ou em risco, sendo obrigado, também, a notificar, sobre a decisão, a Corregedoria competente. O colegiado, então, será composto pelo juiz do processo e por outros dois juízes, nomeados através de sorteio eletrônico dentre os de competência criminal, em exercício no primeiro grau de jurisdição, devidamente identificados, o que novamente possibilitará que seja questionada eventual parcialidade.

            De acordo com o professor da Universidade de São Paulo, Pierpaolo Bottini, também em entrevista para a revista Consultor Jurídico:

“A legislação afeta a garantia da identidade física do juiz, já que dois magistrados que integrarão o colegiado poderão determinar a sentença sem terem participado de fases anteriores do processo, como a produção de provas, interrogatórios e audiências. Quisesse ser a lei coerente com a identidade física, estabeleceria um colegiado que participasse também dos atos probatórios, da instrução do processo” (BOTTINI, 2012).

Porém, as decisões do colegiado serão devidamente fundamentadas e assinadas por todos os seus integrantes. Sobre o assunto, de acordo com o juiz Marcio André Lopes Cavalcante:

“Importante esclarecer que a lei não determina que o colegiado seja instaurado para a prática de apenas um ato processual. Assim, é possível que o colegiado seja convocado para a prática de uma série de atos referentes a um único processo. É o caso, por exemplo, da decisão do juiz da causa que instaura o colegiado para a instrução e julgamento do Processo n.°YYY/2012.” (CAVALCANTE,2012)

 

            Desse modo, dependendo do grau de ameaça e da periculosidade da organização criminosa, o colegiado poderá participar de todos os atos processuais, o que é mais recomendado, devendo, no entanto, que o juiz originário solicite a sua instalação e o convoque expressamente nesse sentido.

 

2-3 Princípio da Publicidade

 

            No tocante ao princípio da publicidade, este guarda possível violação no tocante à decisão do órgão colegiado. Esta mesmo que não seja unânime, não deverá ser divulgada qualquer referência ao voto divergente, de acordo com o que afirma o parágrafo 6º, do artigo 1°, da Lei n° 12.694/2012, in verbis:

Art. 1° Em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer ato processual, especialmente: (...) § 6o As decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.

 

Desse modo, não será possível aferir qual dos integrantes do colegiado não seguiu o posicionamento dos demais, o que evita que a pessoa eventualmente insatisfeita com a decisão se volte contra este ou aquele magistrado.

De acordo com o juiz Hugo Barbosa Torquato Ferreira, no artigo “Nova lei não cria a perigosa figura do juiz sem rosto”:

“Igual procedimento já é adotado no Brasil desde 2008, com a supressão, pela Lei 11.689/2008, da obrigatoriedade de o escrivão declarar o número de votos afirmativos e negativos, após a votação de cada quesito nos processos sujeitos a julgamento pelo Tribunal do Júri. Assim, não é possível saber se uma decisão do Conselho de Sentença foi tomada por unanimidade ou por maioria, o que preserva a segurança e independência dos jurados.” (FERREIRA,2012).

            Outro dispositivo alvo de polêmicas é o parágrafo 4, do mesmo artigo 1°, da Lei 12.694/2012, o qual afirma que as reuniões poderão ser sigilosas sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão judicial.

            Porém, de acordo com Carlos Eduardo Rios do Amaral, no artigo Crimes praticados por organizações criminosas:

“As decisões judiciais, no primeiro grau de jurisdição, regra geral, sempre foram proferidas pelos Magistrados dentro de seus Gabinetes, em ambiente reservado, fora das salas de audiências. Tomando a defesa conhecimento de seu teor quando juntadas aos autos do processo em Cartório, quando ganham publicidade. O direito de sustentação oral ou aparte para esclarecimento de matéria de fato ao Advogado ou Defensor Público é inaplicável nesse momento, sendo faculdades processuais autorizadas nas Instancias recursais. O colegiado de primeiro grau não é juízo recursal.” (AMARAL, 2012)

            Desse modo, a lei objetiva conservar o juiz do voto divergente, o qual poderá participar de outro colegiado. Além disso, a publicidade, nos casos abrangidos pela lei, não será útil pelo fato de que não existe interposição de embargos infringentes em primeiro grau, sendo possível e viável ocultar-se o voto vencido.

3 – Conceito de Organização Criminosa

Lei Nº 9.034, de 3 de maio de 1995, a qual iniciou o conceito de organização criminosa, ainda que de forma vaga, dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a precaução e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, sendo tal vagueza justificada pela razão de, por força do seu Art. 1°, a referida lei equiparou Organização/Associação Criminosa ao crime previsto no Art. 288 do Código Penal “Formação de Quadrilha ou Bando”, ou seja, acabou por não definir nada, acarretando um grande desafio legislativo tal definição, posto que se limitou a prever meios de prova e procedimentos investigatórios para ilícitos praticados por quadrilhas, organizações criminosas e associações criminosas.  
             A ONU (Organização das Nações Unidas) trata deste assunto em sua Convenção contra Crime Organizado Transnacional (Nova York – 2000), ao definir o que é organização criminosa, convenção esta validada em nosso país pelo Decreto nº 5.015/04, mas que até hoje não motivou nenhuma modificação específica de lei.

A Lei nº 12.69/12, dispõe em seu Art. 2º uma definição do que venha a ser a conduta caracterizadora de Crime Organizado, de modo concretizar o primeiro diploma legal interno que traz uma definição de organização criminosa.

Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Noutro norte, ainda que a lei em comento tenha proporcionado uma definição de organização criminosa, parte da doutrina realiza críticas no sentido de tal definição não pode ser aplicada a outros diplomas legais, limitando seus efeitos tão somente a lei em tela, impossibilitando a utilização deste conceito pela Lei nº 9034/95

Todavia, a Lei  nº 12.694/2012 traz legítima definição do que seja organização criminosa, podendo este conceito ser aplicado para os demais diplomas que versam sobre Direito Penal e Processual Penal, posto que quando o Art. 2º da lei em comento utiliza a expressão “para os efeitos desta Lei” não está querendo afirmar que tal definição somente é aplicável à Lei  nº 12.694/2012. Trata-se apenas de uma expressão tradicional utilizada pela técnica legislativa sempre que a lei conceitua algum instituto.

Desse modo, a definição do art. 2º da lei objeto de estudo pode ser aplicada para os fins da Lei nº 9.034/95.

Igualmente, afirma-se tradicionalmente que a organização criminosa possui como uma de suas características a finalidade lucrativa. A Lei nº 12.694/2012 foi além e afirmou que a organização criminosa pode ser caracterizada mesmo que a prática dos crimes não tenha por finalidade o lucro. Assim, pela definição legal, junto as demais inovações ocasionadas com a vigência do dispositivo, outro benefício realizado por esta mudança consiste na organização criminosa pode ter outras finalidades que não apenas econômicas, como por exemplo, sexuais, segregacionistas, religiosas, políticas, entre outras.

4 – Aprimoramento da independência dos juízes    

É imprescindível frisar os imensos benefícios que tal lei trará para a segurança dos juízes criminais, bem como de seus familiares, os quais constantemente configuram-se alvos da ânsia de vingança destes grupos criminosos, na medida em que estes chegam a conclusão de que será mais doloroso para o juiz criminal a perda de um ente querido do que sua própria morte.

As críticas à Lei são fruto do misoneísmo e de uma cultura jurídica predominante no direito brasileiro de que toda e qualquer iniciativa que vise a tornar mais eficiente à persecução penal é logo etiquetada de inconstitucional, como se a ampla defesa impedisse a implementação de novos instrumentos estatais de combate à criminalidade. Contudo, vê-se atualmente que vários países adotam, para a segurança destes magistrados, a figura do “juiz sem rosto”, posto que só assim o direito fundamental à vida e liberdade deste será garantido.

Na Itália, o combate ao crime organizado somente foi possível com a proteção da magistratura, o que ocorreu por meio da medida do instituto “juiz sem rosto”, sendo a decisão publicada sem a identificação de sua autoria, ou seja, sem a nomeação do juiz que sentenciou o processo. Também pode ser encontrado o juez sin rostro nas legislações da Colômbia (art. 158 do Decreto 2.700, de 30 de novembro de 1991) e do Peru (art. 13  do  Decreto-Lei  25.475,  de  5  de  agosto  de  1992).

Apesar de já ultrapassado o entendimento de que o Brasil não consiste em um destes países que adotam tal instituto, bem como esclarecida a razão da nova lei não ofender o princípio da identidade física do juiz, nem tampouco do juiz natural, é válida a menção acerca da disseminação do “juiz sem rosto” pelo simples fato de demonstrar que esta medida consolida-se como comum e necessária, não se tratando, em nenhum hipótese, em forma de ofensa à princípios constitucionalmente consagrados, posto que se trata de uma situação à parte, em que o juiz deve ser reconhecido como indivíduo de direitos, os quais devem ser também garantidos pela Carta Magna.    
            Isto posto, ao contrário do que hodiernamente se dissemina no Brasil, a independência judicial é atributo estatal intimamente ligado à preservação de direitos fundamentais, expressamente consignada no art. X da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 14, 1, do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos.

Definitivamente, já é chegado o momento de a população conhecer os ardilosos objetivos que permeiam os incessantes ataques à magistratura, até mesmo como forma de gratidão aos que agem em prol da harmonia social, superando a influência midiática que incrusta um pensamento apenas de violação da segurança jurídica, bem como do devido processo legal, meios de comunicação em massa que “esquecem” de conotar os princípios que regulamentam o direito destes juízes como seres-humanos pertencentes à sociedade, que em prol dela age, posto que o risco de vida ocorre tão somente em decorrência do exercício de sua função judicial e social.

Logo, é indubitável que não existe a “perigosa” figura do “juiz sem rosto”, mas um permissivo processual que garantirá que nossos magistrados continuem a atuar com a coragem indispensável à sublime função de julgar.

Conclusão

Como esclarecido no presente trabalho, a Lei em tela tem como objetivo primordial a proteção dos juízes de retaliações promovidas pelo crime organizado. Sobre o assunto, o presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Raduan Miguel Filho, afirmou que, atualmente, cerca de 400 juízes estão sob ameaça em todo o país.

Então, a lei ao permitir que os processos relativos a organizações criminosas sejam julgados por até três magistrados, evita que eventuais pressões e ameaças recaiam sobre um juiz específico.

Em relação às críticas quanto possíveis violações à princípios constitucionalmente consagrados, estas não foram realizadas de forma contundente, de modo que a nova lei além de possibilitar maior segurança aos juízes criminais, não ofende qualquer princípio constitucional, como aludido doutrinariamente.

Sendo válido ressaltar que são poucos os que têm a coragem de julgar criminosos com alta periculosidade. E os destemidos, que se propõem a desafiar a corrupção e o crime organizado, acabam como a Juíza Patrícia Lourival Acioli, de 45 anos, morta com 21 tiros em frente a sua casa no Rio de Janeiro (RJ).

Por derradeiro, insta salientar que apesar de considerar que a lei é um avanço, Raduan ressaltou que ainda é "um grão de areia em um imenso deserto", posto que o número supra mencionado (de ameaçados) pode ser muitas vezes maior, pois muito destes juízes, ao ser pressionado, não leva a questão para a Corregedoria, recebendo apenas proteção policial, que varia de região para região. Além de considerar ainda que também deve ser garantida a segurança dos servidores dos tribunais, bem como da população, haja vista que ambos também são vítimas de organizações criminosas, fato que requisita maior atenção e proteção do Estado não só para os magistrados.            Todavia, apesar de serem visualizadas deficiências na nova lei, é indubitável que esta trouxe um memorável avanço no Direito Brasileiro, na medida em que proporciona àqueles que se sacrificam em prol da sociedade a segurança e proteção correta, não esquecendo que não se tratam apenas de juízes criminais, mas seres de pleno direito que merecem ter seus direitos fundamentais protegidos como cidadãos

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Elton. Lei do ‘juiz sem rosto’ viola garantias constitucionais. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-25/lei-juiz-rosto-viola-garantias-constitucionais-dizem-advogados>.  Acesso em 01 nov 2012.

CAVALCANTE, Marcio André Lopes. Comentários à Lei 12.694/2012 (Julgamento colegiado em primeiro grau de crimes por organização criminosas). Disponível em: <http://staticsp.atualidadesdodireito.com.br/lfg/files/2012/08/Lei-12.694-Julgamento-colegiado-em-crimes-praticados-por-organiza%C3%A7%C3%B5es-criminosas.pdf>. Acesso em 28 out 2012.

 

FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. Nova lei não cria figura perigosa figura do juiz sem rosto. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-jul-29/hugo-torquato-lei-nao-cria-perigosa-figura-juiz-rosto>. Acesso em 01 nov 2012.

 

PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. São Paulo, Atlas, 16 ed, 2012.

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo STF Mensal. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativo_mensal_maio_2012.pdf>.  Acesso em 01 nov 2012.

 

 



[1] 1° check de Paper apresentado para obtenção de nota parcial na matéria Direito Processual Penal I lecionada pelo Prof. Cleopas Isaías Santos.

[2] Alunas do 6° período do curso de Direito Noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB .