Universidade Estadual de Montes Claros

Centro de Ciências Sociais Aplicadas

Curso de Direito

Disciplina: Psicologia Jurídica

ANÁLISE DA INTERDISCIPLINARIEDADE NA INTERFACE DA PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA AO DIREITO

Autores: Clyver Alessandro De Oliveira

João Victor Tavares Pereira

Maryhá Henriques de Morais


Montes Claros, 26 de junho de 2012.

Resumo

O presente trabalho busca, através da análise da doutrina e jurisprudência, além de trabalhos relativos ao mesmo tema, demonstrar a necessidade da aplicação da psicologia jurídica no cotidiano prático dos tribunais em face da constante alteração no entendimento a respeito de família e nas diferentes e voláteis relações existentes entre os entes do grupo familiar e o que vivenciam no convívio diário. Além disso, busca também analisar a realidade prática do que os integrantes da família, seja ela apenas um casal ou um grupo mais complexo, buscam ao ingressar em juízo para verem satisfeitos seus interesses e o que lhes é de fato prestado pelo juiz alheio ao conflito. Ou seja, tenta verificar se a medida prestada pelo juízo é realmente a pretendida com a ação proposta e o que fazer para adequar esta pretensão ao que é efetivamente proporcionado. Portanto, este artigo pretende tratar da versatilidade da psicologia para tratar dos assuntos ligados ao meio jurídico, ou seja, a interdisciplinaridade da psicologia aplicada ao ramo do Direito.

Palavra chave: Psicologia, Direito, interdisciplinaridade, família, conflitos.

Além do resumo o artigo deve apresentar:

Introdução

É inegável que, nos dias de hoje, o conceito e o entendimento do que é família vem constantemente se alterando. A própria Constituição Federal que foi promulgada em 1988 traz definições de família que, em tempos antes de sua vigência, não existiam. A família moderna perpassa pela evolução da sociedade, onde o tempo é cada vez mais escasso, diminuindo o nível de afetividade dos membros do grupo familiar devido as dificuldades cotidianas mudaram os padrões comumente conhecidos como família tradicional: em que o homem era o chefe da família encarregando-se do sustento e do trabalho enquanto a mulher ficava a disposição da criação e educação dos filhos bem como afazeres domésticos, modelo este que vem diminuindo. Assim diante das mudanças sociais e culturais a mulher buscando garantir sua dignidade, gradativamente mudou o cenário familiar, deixando de ficar em casa para sair para trabalhar e estudar, mudando as concepções em relação a constituição da família tradicional, ensejando a diminuição do número de filhos, formação de famílias monoparentais e em alguns grupos familiares a mulher passou a manter a família, deste modo os núcleos familiares deixaram de ter padrões tradicionais e similares, passado a ter grupos familiares cada vez mais específicos.

Este fato consequentemente solicita uma abordagem multidisciplinar no tratamento dos temas e questões práticas relativas à família. Abordagem esta que as técnicas do ramo do Direito sozinhas não são capazes de proporcionar integralmente aos que buscam o judiciário para verem satisfeitas suas pretensões.

Mas, como deve ser a atuação do Direito e de seus operadores frente aos conflitos de caráter extremamente pessoais trazidos para as varas de família e da infância e juventude? A Lei é capaz de solucionar todos esses conflitos, dando aos que a invocam plena satisfação, ou ao menos algo que resolva satisfatoriamente os conflitos existentes do âmbito do núcleo familiar? Quais os instrumentos que podem auxiliar os operadores do Direito a alcançar ao máximo a satisfação na resolução de conflitos trazidos pela família?

Estes e outros questionamentos pertinentes ao assunto ainda são pouco pesquisados, apesar de serem extremamente importantes no tratamento dos conflitos que são postos diariamente no judiciário brasileiro. Daí que surge a importância dos psicólogos no âmbito do direito. Inegável é que a participação destes profissionais na resolução de conflitos é de extrema importância, principalmente quando há envolvido o interesse de menores.

Corroborando para esse entendimento, ressalva SILVA:

“O psicólogo dentre outros profissionais desenvolve um trabalho relevante para o juizado cível, especialmente nos processos de guarda, adoção e interdição. Através de um estudo psicológico criterioso fornecem uma avaliação importante que deve ser considerada no momento da decisão judicial. O estudo psicológico, além, de detectar “algo encoberto” ou mesmo disfarçado pelas famílias ou pessoas envolvidas no processo, ajuda a evitar erros que trazem grande sofrimento e grandes transtornos para serem revertidos, o acompanhamento psicológico torna mais tranqüilo e seguro os processos em questão”.

Além dos interesses dos menores, o psicólogo no âmbito do direito é imprescindível para que estes indivíduos em formação assimilem o que de fato está acontecendo, o porquê da separação dos pais, de constantes brigas, por qual motivo não pode morar com o pai e a mãe, entre outros problemas que podem afetar a formação social e moral de menores submetidos a um constrangedor e estigmatizante processo judicial.

Assim com surge a necessidade do Psicólogo jurídico que é um profissional para auxiliar a justiça, cuja tarefa é analisar e interpretar as mensagens emocionais, a estrutura de personalidade e a configuração das relações familiares, com o objetivo de oferecer sugestões e dar subsídios à decisão judicial, trazendo para o judiciário a verdadeira ou mais próximo o anseio do interesse da demanda judicial viabilizando ao juiz uma visão mais profunda do interesse judicial das partes.

Marcel A. Freitas em artigo escrito a respeito da interdisciplinaridade da Psicologia jurídica citando FERRO-BUCHER, defende “que os problemas para psicólogos ou assistentes sociais que atuam nesse contexto surgem quando deparam com culturas específicas de família: ‘essa cultura própria da família, nós a definimos pelo sistema de valores que ela constrói, as regras que ela estrutura em seu micro sistema psicossocial’. Por conseguinte, conhecer como se articula a relação entre a lei oficial e a cultura das famílias é algo crucial para se trabalhar nessas situações”.

Deste modo, conclui Freias, “FERRO-BUCHER (1992) buscou compreender como as famílias percebem a lei e encontrou variações não somente no âmbito das famílias, mas também em função das condições sócio-econômicas de cada grupo familiar. Após apresentar as múltiplas concepções de lei sobre a família encontradas em sua análise dos protocolos de atendimento a famílias que recorreram à jurisprudência, a pesquisadora afirma:
’A desarticulação dos valores, as contradições entre os valores vigentes na sociedade e a forma como são assimilados pelas famílias e seus membros nos levam à necessidade de conhecer qual é o valor atribuído à mulher; qual é o valor atribuído à criança; qual é o valor atribuído ao casal? As respostas a essas questões é fundamental para que possamos trabalhar com essas famílias’”.

Desenvolvimento

Como já abordado no presente trabalho, a instituição conhecida por família paulatinamente tem seu conceito alterado, sendo que, na maioria das vezes, este conceito é ampliado e passa a abranger grupos que até então não eram caracterizados como família.

Em geral, os operadores do Direito têm sua visão de família restrito ao que cotidianamente vivem dentro do seu grupo familiar. Porém, os conflitos trazidos para dentro dos tribunais de família ultrapassam uma única conceituação do que é família.

Deste modo, os profissionais que trabalham no contexto jurídico, principalmente os que têm envolvimento direito com o decisório, devem “entender as representações de famílias e de infância no discurso de casais que se valem dos serviços das Varas de Família e também como tais noções aparecem no discurso jurídico dominante”.

Porém, na prática, o que se vê não é esta situação ideal. Grande parte das vezes, os operadores do direito tendem a interpretar os conflitos individuais trazidos às varas de família sob a ótica do que entendem por certo e adequado, o que deve ser evitado, pois, face à individualidade dos conflitos existentes dentro da família, o que é bom para um determinado grupo familiar nem sempre é adequado para outro, pois, o que é família, neste contexto, assume diversas variáveis.

Além disso, devem-se levar em conta ainda o contexto e o ambiente em que o fato trazido a juízo ocorreu, o que evidencia, mais uma vez, a ótica individualizada que deve ter o operador do direito dentro das varas que tratam sobre temas da família.

Levando-se em conta todas estas ponderações, urge a necessidade da atuação do psicólogo judicial para amenizar as consequências que a não observância desta abordagem pode trazer para o grupo familiar.

Segundo SILVA:     “A perícia psicológica é importante para a compreensão da dinâmica familiar e da comunicação verbal e não-verbal de cada um dos indivíduos. O psicólogo perito deve ser imparcial e neutro para escutar as mensagens conscientes e inconscientes do grupo familiar e através de procedimentos específicos fornecer subsídios à decisão judicial, apresentando sugestões, com enfoques psicológicos que possam amenizar o desgaste emocional das envolvidos, e principalmente preservar a integridade física e psicológica dos filhos menores”.

Notadamente, como já anteriormente exposto, o processo judicial traz consequências gravosas para os envolvidos, sobretudo quando o assunto tratado em juízo, em tese, deveria ser resolvido dentro do próprio núcleo da família e, se chegou-se ao ponto de ser necessário ser tratado frente ao juiz, é que a relação entre alguns dos envolvidos já não é das melhores.

Assim, imprescindível é a escorreita atuação do profissional da psicologia, servindo ao direito o que tem de melhor na técnica de solução e amenização de conflitos sem deixar marcas tão gravosas.

Discussão

Mas, na prática, qual é a relação da Psicologia com o Direito? Em que ponto a uma ciência completa a outra e quais as medidas devem ser de fato postas para se ter plena cooperação entre o Direito e a Sociologia?

Hoje, diferente de pouco tempo atrás, o psicólogo não é mais mero elaborador de laudos, abrangendo sua atuação na medida do avanço na interação entre Direito e Psicologia.

Segundo Maria Camila Nascimento:”

A Psicologia Forense, a princípio, era tida como um ramo da Psicologia dedicado ao estudo das personalidades que chamavam a atenção por apresentarem um comportamento considerado criminoso. No entanto, com a evolução do Direito em parceria com a Psicologia, houve o nascimento do termo Psicologia Jurídica e, em decorrência, o psicólogo passou a ser considerado um perito, oferecendo ao juiz subsídios no âmbito de seus conhecimentos técnicos específicos, por meio de laudos e pareceres. Assim, a Psicologia Jurídica viabiliza a decisão do juiz quanto à aplicação da justiça. Hoje, a atuação do Psicólogo Jurídico permeia uma ação interdisciplinar na solução de conflitos da família, infância e juventude. Ao lado de Assistentes Sociais, Advogados, Juízes, o trabalho se apresenta de forma mais completa. Cabe ao Psicólogo Jurídico dispor de seus conhecimentos a cerca do “Fenômeno do Comportamento Humano”, atuando junto ao conflito mediando e conciliando as partes e seus interesses no Processo Judicial.

Destarte a atuação do psicólogo no direito de família é necessária, uma vez que as questões familiares são mais amplas e complexas, pois se o juiz ficar adstrito a aplicação somente da lei, aplicando-a objetivamente na solução do conflito, nem sempre será suficiente para dirimir o conflito levado ao judiciário. Assim a Psicologia segundo Silva: . A psicologia, como ciência do comportamento humano, vem, através de seu aparato, buscar compreender elementos e aspectos emocionais de cada indivíduo e da dinâmica familiar, e assim, encontrar uma saída que atenda adequadamente as necessidades daquela família, que muitas vezes passam despercebidas nos litígios judiciais.

Freitas defende que “a prática psicossocial tem revelado o quanto significativo se apresenta o desfecho judicial sob a moldura da intervenção do psicólogo jurídico, que enriquece o processo com avaliações sui generis do processo. Desta forma, o conhecimento mais detalhado das relações entre as representações sociais referentes às leis, aos conceitos de casal, de infância e aos processos jurídicos acerca da família contribui com os demais profissionais ligados ao poder judiciário na medida em que serve de referencial para deliberações mais adequadas à realidade da clientela”.

Assim, o psicólogo tem aumentado sua atuação na solução de conflitos trazidos ao judiciário.

E de modo diverso não poderia ser, pois os profissionais do direito, isoladamente, dificilmente conseguiriam atuar da maneira como atual os psicólogos judiciais na elaboração de estudos sobre os casos que lhe são apresentados, pois esta tarefa depende muito de conhecimentos específicos, desenvolvidos com estudos sobre o tema.

SILVA, conclui que: “A psicologia jurídica tem desempenha papel imprescindível nos processos de guarda, adoção e interdição. Suas análises acerca dos indivíduos que compõem a relação jurídica e dos terceiros envolvidos enriquecem e muito o trabalho dos juristas, que com base nas informações que os psicólogos abstraem, através de seus métodos específicos norteiam as decisões judiciais tornando o processo menos danoso e sofrido principalmente para as crianças e adolescentes envolvidos, além de possibilitarem um tomada de decisão, por parte do juiz, mais justa e humana fundada na individualidade daquele determinado grupo familiar”

Além do mais, a necessidade de analisar e compreender cada lide levando-se em conta as circunstâncias e o meio em que ocorreu o conflito trazido, retirando do julgamento a visão parcial advinda da comparação com o que convive dentro do seu grupo familiar, faz do psicólogo figura cada vez mais necessária na solução dos conflitos advindos da relação familiar.

Coadunando com este entendimento, mais uma vez temos o antropólogo Freitas, que aduz que “é certo, como antes afirmado, que a intervenção do psicólogo jurídico não mais se limita somente ao subsídio de informações que timbram aparelhar as definições finais de guarda de filhos, por exemplo. Amplo espaço de atuação apresenta-se em todos as demandas relacionadas ao Direito de Família. Assim, por exemplo, quando o casal tem o tecido afetivo rompido por razões subjetivas inúmeras, a verdade do litígio judicial não tem, a rigor, uma precisão absoluta”. 

Conclusão

Por fim, tem-se por pertinente o entendimento do desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Jones Figueirêdo Alves, no sentido de que a atuação do psicólogo judicial vem trazendo uma aplicação mais coerente da legislação familiar, contribuindo para o entendimento da pessoa e dos conflitos ocasionados pela convivência em família. Assim, proporciona às pessoas envolvidas no debate judicial um melhor entendimento do que realmente buscam com a atuação do judiciário, além de amenizar os já referidos efeitos advindos do processo.

Portanto, inegável são os benefícios advindos da interação entre Direito e Psicologia, sendo certo que, na medida em que esta relação interdisciplinar avança, quem se beneficia é aquele que vem a juízo e tem satisfeita sua pretensão da maneira menos gravosa para os envolvidos no processo, sobretudo menores.  

Referências bibliográficas.

ALVES, Jones Figueirêdo. Psicologia aplicada ao Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2740>. Acesso em: 23 jun. 2012.


FREITAS, Marcel de Almeida. A Interdisciplinaridade na Interface da Psicologia Jurídica Aplicada ao Direito. Novembro 2003. Disponível em: < www.pailegal.net/guarda-compartilhada/126>. Acesso em: 22 jun. 2012.

FERRO-BUCHER, J. S. N. “Leis, transgressões, família, instituições: elementos para uma reflexão sistêmica”. In: Psicologia: teoria e prática. Brasília: UNB; n. 3. 1992. pp. 475-483.

SILVA, Denise Maria Perissini da,  Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro, lançado pela Casa do Psicólogo Editora e Livraria Ltda., São Paulo, 2003