ANÁLISE DA CRIMINALIDADE NOS DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO A PARTIR DOS ASPECTOS SOCIAIS DA CONCENTRAÇÃO DE RENDA E DO

NÍVEL DE ESCOLARIDADE DO DELINQÜENTE

Alexandre Ricardo Alves de Oliveira[*]

RESUMO

Este trabalho intenta estudar a criminalidade nos delitos contra o patrimônio a partir de fatores sociais, com ênfase na concentração de renda verificada na sociedade capitalista e no nível de escolaridade do delinqüente, como forma de identificar até que ponto estes elementos contribuem para o surgimento e disseminação dos referidos crimes.

Palavras-chaves: Criminalidade. Renda. Escolaridade.

This attentive work to study crime in the delicts against the patrimony from social factors, with emphasis in the concentration of income verified in the capitalist society and the level of schoolary of the delinquent, as form to identify of that it forms these elements contributes for the sprouting and dissemination of the related crimes.

Word-keys: Crime. Income. Schoolary.



1. Introdução

A discussão jurídica desencadeada a partir da análise sociológica da criminalidade não é recente. Salvo pequena resistência ideológica, há muito é considerado ponto pacífico a conclusão de que o crime possui raízes sociológicas, e que o criminoso, se não for produto exclusivo do meio, é por ele diretamente influenciado.

Como ser social que é, o homem não consegue viver isolado. Depende do convívio com seus semelhantes, tanto para satisfazer suas necessidades primárias, inerentes à sua própria sobrevivência, como para manter-se como elemento ativo e produtivo.

Desde as primeiras aglomerações humanas, ainda sob a forma nômade, sempre existiram mecanismos de controle social, ou seja, definição de limites do que era considerado certo ou errado em determinada sociedade. Com isso, garantia-se a estabilidade do conglomerado, permitindo sua manutenção e progresso.

A partir da definição das balizas do que era considerado lícito, restou nítido que o contrário — ou ilícito — deveria ser repelido, surgindo, daí, nova necessidade, qual seja a de estabelecimento de bases de punição para os transgressores da ordem social.

É bem verdade que somente em um estágio bem mais avançado da evolução do homem e das sociedades por ele edificadas é que o ilícito passou e ser considerado formalmente como crime, dotado de elementos próprios para sua identificação e repreensão.

No entanto, partindo-se das premissas supra apontadas, é inegável que o ilícito nasceu sim do convívio do homem em sociedade, estabelecendo-se, com isso, sua raiz eminentemente sociológica.

Esta também é a opinião de Marcus Valério Guimarães de Souza, que em citação constante de artigo por ele redigido assim concluiu:

"...A criminologia hodiema revela, com meridiana clareza, que o crime é fenômeno sócio-político, advindo da conjugação de fatores sociais, tendo o Direito Penal íntima capacidade de influir sobre eles. Inútil tentar evitar certas ações tornando-as delituosas, não sendo possível ao Direito Penal a solução do problema da criminalidade".

Contemporaneamente, entretanto, a reflexão acerca da vertente sociológica do delito tem sido bem mais ampla.

Os elementos sociais que se relacionam com o crime têm sido estudados com maior profundidade, agora a fito de indicar não só a origem do delito e do criminoso, mas sim as possíveis soluções para o problema da criminalidade, tratado com destaque nas políticas de segurança implementadas pelo Poder Público.

2. Elementos sociológicos da criminalidade nos delitos contra o patrimônio

A criminalidade em geral, seja ela organizada ou não, tem merecido constante atenção dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira.

Todos concordam, e parecem empenhados, em frear o avanço da criminalidade, talvez pela sensação de insegurança generalizada que ela transmite, que não coaduna-se com a natureza do ser humano, que reuniu-se em sociedade justamente para cercar-se de maior segurança, e defender-se de ameaças externas.

A criminalidade, enquanto fenômeno social, reúne diversos elementos que são capazes de, ao mesmo tempo, explicar seu surgimento e justificar seu avanço.

É amplamente divulgado, especialmente na mídia, que fatores sociais como a concentração de renda, o analfabetismo, o preconceito racial e a inoperância dos programas de inclusão social do Poder Público repercutem no aumento da criminalidade em geral.

Entretanto, é necessário que a conclusão apresentada pelos meios de comunicação seja estudada à luz do Direito e da Sociologia, para que tais premissas possam ser melhor elucidadas, firmando-se, a partir daí, em bases teóricas realmente sólidas e aplicáveis ao objeto estudado, identificando-se com segurança os fatores sociais que se encontram na origem dos crimes contra o patrimônio.

Esta tarefa, embora aparentemente simples, deve ser desempenhada com cautela.

E assim é porque, muito embora inúmeros fatores sociais possuam ligação com a criminalidade em tela, nem todos podem ser considerados como gênese do problema.

De fato, tomando por exemplo o preconceito racial, podemos notar que tal fator social, não obstante de certa forma relacionado com o incremento dos crimes patrimoniais, não pode ser reconhecido como elemento ligado à sua origem, visto que possível sua dissociação, em determinado momento.

Igualmente, a ineficiência das políticas sociais públicas, não obstante represente fator preponderante e de indispensável análise na questão da criminalidade em estudo, não está relacionada com suas bases primárias.

Assim, devem ser considerados como componentes sociais dos crimes contra o patrimônio apenas aqueles fatores que, a partir de qualquer abordagem, se mostrem presentes e capazes de justificar tanto o surgimento como o incremento do delito, mesmo em casos específicos e dotados de relevantes particularidades.

Nesse diapasão, ousamos defender que a criminalidade nos delitos patrimoniais, sob seu aspecto social, pode ser estudada com amparo de apenas dois elementos: o nível de escolaridade do criminoso e a concentração de renda da sociedade em que o crime foi praticado, ou onde ele surgiu.

Em outras palavras, na gênese da grande maioria dos crimes contra o patrimônio atualmente verificados, poderemos encontrar como fator social que lhes deu ensejo a baixa escolaridade do delinqüente, que, face à sua marginalização profissional, decorrente de sua parca bagagem cultural, pratica o delito por não ter outra opção de subsistência; de outro lado, temos o abismo social causado pela concentração de renda, em que o desejo de ascensão social do agente é suficiente para motivá-lo à prática do ilícito penal.

Esta conclusão, embora aparentemente drástica e generalista, é plenamente sustentável nos crimes contra o patrimônio, pelo menos nas sociedades contemporâneas, marcadas e regidas por princípios capitalistas, conforme será melhor explanado nos tópicos seguintes.


2.1 A influência do nível de escolaridade do criminoso nos crimes patrimoniais

O ser humano, antes de mais nada, é um animal. Utiliza-se de sua racionalidade para sobreviver no meio em que se estabelece, não medindo esforços para alcançar seu intento, até mesmo pelo instinto que lhe é inerente.

Partindo-se dessas premissas, facilitada está a tarefa de pontuar a forma pela qual o nível de escolaridade do criminoso influencia na prática dos delitos contra o patrimônio.

A tecnificação das sociedades modernas impõe aos indivíduos constante necessidade de atualização cultural.

O emprego de novas tecnologias nos mais diversos setores sociais tem modificado a rotina do homem contemporâneo, avançando em um terreno que parece revelar possibilidades infinitas de desenvolvimento.

Este avanço, em verdade, tem sido capaz de alterar muito mais do que apenas a rotina do homem. A forma de convívio social, e mesmo de sobrevivência na sociedade, paulatinamente se conjuga com a "nova ordem" estabelecida, em processo que demonstra sinais de irreversibilidade.

Entretanto, principalmente em países em desenvolvimento, grande parte da população economicamente ativa não está adaptada à realidade social vigente, e nem mesmo possui condições de adequarem-se a ela.

É importante ressaltar que a mesma sociedade que hoje exige "atualização cultural" de seus cidadãos, no passado não forneceu condições para que os mesmos experimentassem uma formação acadêmica satisfatória.

Isto porque, para grande parcela da sociedade, o trabalho precoce sempre foi a única opção de sobrevivência, não tendo o Estado logrado êxito em fornecer estrutura mínima que possibilitasse opção de escolha aos indivíduos sobre sua "tutela".

Souza e Minayo afirmam que:

"...as sociedades com grandes disparidades na distribuição de rendas tendem a investir insuficientemente em capital humano, dando pouca atenção ás áreas sociais como educação, saúde e outros aspectos de promoção e desenvolvimento das potencialidades humanas.

Portanto, sem muito esforço podemos extrair do meio social casos não raros de pais de família que, pela baixa escolaridade, num dado momento, acabam sendo dispensados de seus postos de trabalho, com mínimas chances de reenquadramento neste concorrido mercado.

E como animal racional que é, em busca da sobrevivência, muitos acabam por, direta ou indiretamente, enveredarem-se pelas práticas ilícitas, como única opção de assegurar a manutenção de suas necessidades básicas.

Mas esta não é a única forma pela qual a baixa escolaridade incrementa a criminalidade.

Temos ainda o caso dos mais jovens, que também pela sua limitada ou inexistente formação acadêmica, sequer têm oportunidade de ingressar no mercado formal de trabalho, ficando sempre à margem deste.

Nesse particular, existe a agravante de que o jovem desempregado, alavancado pela audácia própria da idade, por vezes procura "atalhos" para realizar seus "sonhos", sendo facilmente seduzido pela criminalidade, que normalmente oferece verdadeiros atrativos à delinqüência.

A título ilustrativo, trago à colação estudo realizado por Rita Barradas Barata e Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro, em que pontuam:

"...desde 1835, quando Quetelet publicou a análise das taxas de criminalidade em várias regiões da Europa, as diferenças regionais, bem como as relações dessas diferenças com a pobreza continuam a fascinar os pesquisadores. Desde a década de 40, estudos mostram que há três condições que promovem altas taxas de delinqüência: a pobreza, a heterogeneidade social e a mobilidade. As contradições da organização social capitalista, através dos processos de exploração, opressão e alienação determinam iniqüidades sociais que tendem a ser percebidas como ilegítimas e, portanto, injustas..."

Ainda como dado confirmativo de que o analfabetismo ou a baixa escolaridade é elemento social ligado à origem dos crimes contra o patrimônio, apresento, ainda, levantamento feito junto à Coordenadoria Administrativa da Diretoria do Foro da Comarca de Goiânia-GO, que revelou dados interessantes acerca do perfil de reeducandos que, por meio de Convênio firmado entre o Tribunal de Justiça e a Agência Prisional do Sistema Penitenciário do Estado de Goiás, prestam serviços na Comarca da Capital, em diversas de suas Unidades Judiciárias.

Segundo as informações colhidas, cerca de 80% (oitenta por cento) dos referidos reeducandos são analfabetos, ou possuem apenas o primeiro grau incompleto de instrução. Tanto que, pelo Convênio mencionado, prestam serviços manuais ao Poder Judiciário, normalmente de serralheria e marcenaria, aproveitando-se, com isso, a experiência profissional anterior do reeducado.

Portanto, o nível de escolaridade é mesmo fator social indissociável da criminalidade contra o patrimônio, carência esta que, se suficientemente tratada, é capaz de reduzir sensivelmente os índices deste tipo de delito.

2.2 A concentração de renda como fator social dos delitos patrimoniais

Nas sociedades capitalistas, todo bem e serviço é mensurado de forma econômica, ou seja, existe a preocupação de se atribuir valor aos mesmos.

Essa preocupação existe para possibilitar a circulação de riquezas, através de constantes e sucessivas operações de compra e venda, o que, segundo as bases teóricas do Sistema Econômico vigente, permite o desenvolvimento da sociedade e o progresso da humanidade como um todo.

Neste contexto, como à cada mercadoria, seja qual for, é estabelecido um "preço", a satisfação deste depende da correspondente contra-prestação, ou seja, somente é facultado acesso aos bens e serviços ao cidadão que por eles pode pagar.

Desde o Período Colonial, a sociedade brasileira tem se estruturado de modo estratificado. Suas camadas dominantes sempre foram as detentoras do poder econômico, pelo qual, ao longo do tempo, subjugaram aqueles que compunham a base da pirâmide social.

Esta circunstância positiva-se até os dias atuais, e, em verdade, experimentou intensificação.

A concentração de renda nunca foi tão grande como a atualmente verificada. Para se ter uma idéia, segundo a PNAD, em 2005, 10% (dez por cento) dos ocupados com os maiores rendimentos abocanharam 44,7% (quarenta e quatro vírgula sete por cento) de toda a renda gerada no Brasil, enquanto que os 10% (dez por cento) com as menores remunerações tiveram que dividir apenas 1,1% (um vírgula um por cento) do total de rendimentos.

Segundo Souza:

"...de 150 milhões de brasileiros, 16 milhões vivem abaixo das condições mínimas para que se integrem à condição humana mais elementar. Mais de 16 milhões recebendo apenas o salário mínimo, não corporificam o conjunto dos que vivem decentemente e assim por diante, até que se verifique o desprezível percentual dos que retém a grande parcela da riqueza nacional..."

É nesse contexto que a concentração de renda pode ser considerada como elemento balisar da criminalidade contra o patrimônio.

Se a sociedade não faculta meios de ascensão em suas camadas, e a renda da maioria da população não é suficiente para uma vida digna, é presumível que este fator social é capaz de ensejar parcela significativa dos delitos patrimoniais, através dos quais, em última análise, existe um animus direcionado à (mesmo que ilícita) distribuição de renda.

Interessante, neste aspecto, a lição de Lamounier:

"...pior que a desigualdade em si, que apesar de não ser o único, é o fator decisivo para o desencadeamento da criminalidade, é a desigualdade num tempo em que acreditar na justeza e na fatalidade das coisas é tão fora de moda como acreditar no direito divino dos reis..."

E complementa o mesmo estudioso:

"...e como restam os indivíduos diante da ambígua situação que, a um só tempo, lhe informa das maravilhas da democracia, das novas liberdades, dos avanços tecnológicos e do prazo de consumir, e do outro, através de um sistema excludente nega-lhes um mínimo de bem estar..."

Nessa linha, como justificar a um jovem assalariado que ele não pode sequer possuir uma motocicleta, enquanto que outros indivíduos de sua idade possuem, às vezes, mais de um automóvel?

Ainda, como explicar a um indivíduo que muito embora o mesmo esteja inserido em uma sociedade com milhares de apelos de marketing direcionados ao consumo, não pode ele ter acesso a estes bens?

Por fim, como entender que a concentração de renda perpetua-se por mais de 500 anos, e, mesmo assim, considera-se aceitável que em benefício de uma seleto grupo toda uma massa seja sacrificada?

Portanto, levando em conta que as diversas formas de opressão, conforme já atestou a história moderna em mais de uma oportunidade, ensejam reações dos oprimidos, nem sempre desejáveis ou pacíficas, conclui-se que a concentração de renda está na gênese dos crimes contra o patrimônio.

Em arremate, recobrando o estudo realizado acerca do perfil dos reeducandos que prestam serviços junto ao Fórum de Goiânia-GO, vale destacar que a renda média dos mesmos, na esmagadora maioria dos casos, não chegou a um salário mínimo mensal, ao passo que, muitos deles, não detinham nenhuma renda.

3. Avaliação

A criminalidade nos delitos contra o patrimônio possui inegável raiz sociológica.

Vários são os fatores sociais que explicam o surgimento e expansão deste tipo de crime, mas o baixo nível de escolaridade do delinqüente, aliado à concentração de renda da sociedade capitalista em que vivemos, podem ser considerados como os elementos que compõem a gênese desta criminalidade.

Como elementos basilares, devem ser entendidos aqueles que, mesmo em casos dotados de relevantes particularidades, fazem-se presentes, ou seja, nunca se dissociam do crime e sempre são suficientes para explicar sua ocorrência.

Tanto que, se combatidos os elementos sociais basilares dos delitos contra o patrimônio acima mencionados, significativas baixas nos índices de criminalidade respectivos podem ser esperadas.


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[*] Alexandre Ricardo Alves de Oliveira é Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas.