ANÁLISE DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA[1]

 

Alana Sara Rocha Araújo[2][3]

Igor Carvalhal Frazão[4]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Comentários à Lei nº 12.153/2009, 2 As  competências dos juizados especiais da fazenda pública, 2.1 Análise das competências de acordo com a Lei nº 12.153/2009, 2.2 As controvérsias geradas pelas inovações da Lei nº 12.153/2009; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

Os Juizados Especiais da Fazenda Pública foram criados em 2009 pela Lei nº 12.153 com o intuito de julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios até o valor de 60 salários mínimos. Esta competência, porém vem sendo questionada com base em entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que suscitam dúvidas quanto ao limite de atuação destes juizados. Este artigo se trata de uma revisão bibliográfica que objetiva fazer uma reflexão sobre o processo de criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e verificar a extensão da competência do mesmo, além de averiguar algumas das posições divergentes acerca das competências desse juízo.  

 

Palavras-chaves: Juizados Especiais da Fazenda Pública; competência; limites da atividade jurisdicional.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

            A Lei nº 12.153 foi publicada no Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 2009, tal Lei dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Esses Juizados Especiais tem competência para processar, conciliar e julgar causas cíveis até o valor de sessenta salários mínimos. No entanto, não são competentes, por exemplo, para julgar os mandados de segurança, as execuções fiscais, as ações populares e as ações sobre interesses difusos e coletivos.

A Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública trouxe também algumas inovações como a fixação de teto do valor em discussão para fins de competência por processo e a previsão expressa da antecipação de tutela no curso do processo. A partir da nova Lei, o tempo de duração dos processos passou a ser muito menor em relação à Justiça comum, visto que as ações nesses juizados possuem rito sumaríssimo, baseadas nos princípio da celeridade, além do estímulo à celebração de acordos.

Porém, a publicação de tal Lei trouxe também discussões a respeito de suas inovações, principalmente em relação às competências, sua delimitação a 60 salários mínimos e seus limites, expressos no artigo 2º da mesma. Dessa forma, essas controvérsias serão objeto de análise deste trabalho, além do foco nas alterações trazidas pela Lei em relação a estas competências.

 

 

 

1 COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.153/2009

 

 

            A Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 criou os Juizados Especiais, tal criação foi inspirada pela anterior instituição anos dos Juizados das Pequenas Causas pela Lei n. 7.244/ 1984, esses juizados tinham competência exclusiva para causas cíveis com valor de causa de até vinte salários mínimos e definiam que não poderiam ser partes no processo o incapaz, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

No mesmo ano, foram criados os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no âmbito dos Estados, com competência para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, nos termos do art. 98, inciso I, da Constituição Federal (FERNANDES, 2012, p.2).

Porém, era necessário alargar esta jurisdição também ao âmbito da Justiça Federal, dessa forma, em 2001, a Lei n 10.259 criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, que contempla a possibilidade de ação contra a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, inovando em relação aos Juizados Estaduais, visto que isso é expressamente vedado pela Lei nº 9.099/ 95.

Os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios foram criados a partir da Lei nº 12.153, sancionada em 22 de dezembro de 2009 e em vigor desde 13 de junho de 2010. Os Tribunais de Justiça dos Estados tiveram prazo conferido até 23 de junho de 2012 para instalação dos Juizados da Fazenda Pública.

 Essa Lei expressa que o sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal passou a ser formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública, esses últimos, como órgãos da Justiça comum e integrantes do sistema já existente dos Juizados Especiais, como demonstra o caput do artigo 1º da Lei somado a seu parágrafo único:

Art. 1º Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.

Parágrafo único. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Os Juizados Especiais da Fazenda Pública são regidos especificamente pela Lei nº 12.153, de 2009, mas também – subsidiariamente - aplicam-se as disposições do Código de Processo Civil, da Lei dos Juizados Especiais e Criminais e da Lei dos Juizados Especiais Federais, claro que, somente quando tais disposições forem não conflitantes com o estabelecido na Lei específica. Oscar Valente Cardoso (2012, p.1) comenta essas leis que regem o rito processual dos juizados especiais:

(...) Logo, existem quatro leis distintas em vigor no país regendo o rito processual dos Juizados Especiais: a) a Lei nº 9.099/95, na Justiça Estadual; b) a Lei nº 10.259/2001, na Justiça Federal; c) a recente Lei nº 12.153/2009, dos Juizados da Fazenda Pública nos Estados, DF, Territórios e Municípios; d) e o Código de Processo Civil, que incide subsidiariamente sobre todas as leis anteriores.

2 AS  COMPETÊNCIAS DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA

 

 

            O estudo das competências dos Juizados Especiais da Fazenda Pública é um dos temas mais importantes a ser analisado na Lei nº 12.153/2009, tendo em vista que algumas das inovações mais significativas propostas por esta norma se dão na dimensão da competência. Essa se coaduna com a busca da garantia dos Princípios processuais da celeridade e oralidade, garantindo uma prestação de atividade jurisdicional mais ágil e mais eficiente.

 

 

2.1 Análise das competências de acordo com a Lei nº 12.153/2009

 

 

Nos Juizados da Fazenda Pública, a competência é absoluta nas causas com valor de até 60 salários mínimos, independentemente de seu objeto ou dificuldade, como prevê o art. 2º da Lei nº 12.153/2009; porém, o mesmo artigo já traz as exceções para tal regra:

Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

§ 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;

II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;

III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.

Como comenta Milton Delgado Soares (2010, p.76), observa-se que o objetivo do legislador foi atribuir competência aos Juizados da Fazenda Pública para as causas de pequeno valor, entendidas como aquelas que não extrapolem o valor de 60 salários mínimos, sem se descuidar da limitação desse teto também para as obrigações continuativas ou de trato sucessivo. O § 2o do artigo já mencionado estabelece, inclusive, que quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput, especialmente em respeito à regra constitucional do precatório requisitório prevista no artigo 100 da Constituição Federal, mas atenuada pelo parágrafo 3º do artigo, ambos com redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

 § 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Ao estabelecer essa competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, a Lei definiu que se a causa for inferior aos 60 salários mínimos mencionados, a parte autora deverá ajuizar ação necessariamente no Juizado, ou seja, a opção pela Vara de Fazenda Pública foi impedida, amenizando a distribuição de demandas menos complexas para esta. Fabiano Samartin Fernandes (2012, p.4)destaca que tal inovação não tem correspondência no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em que pode o autor escolher livremente entre um procedimento ou outro, independente do valor da causa.

Milton Delgado Soares (2010, p.76) afirma que tal opção evita surpresa decorrente do pensamento equivocado ocorrido quando da instalação dos Juizados Especiais Cíveis de que as varas cíveis seriam “desafogadas” com a criação de tais juízos, pois, na prática, isso não foi observado, visto que as varas cíveis continuaram com uma distribuição muito grande e nos juizados surgiram novas demandas que estavam represadas em virtude, muitas vezes, de sua inviabilidade do ponto de vista financeiro, já que se as partes tivessem que pagar custas e contratar advogado para o seu ajuizamento, fatalmente não seriam ajuizadas. Para o mesmo, a opção pela competência absoluta diminuiria a possibilidade de existência de decisões contraditórias sobre os mesmos assuntos, e em consequência, a instabilidade jurídica para os jurisdicionados.

2.2 As controvérsias geradas pelas inovações da Lei nº 12.153/2009

 

 

            A Lei que determinou a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública trouxe inovações ao ordenamento jurídico pátrio, porém também trouxe dispositivos controversos que suscitam debates na doutrina. As principais discussões surgem a partir da limitação de competência determinada pela lei.

            Na análise do tema, Gomes Júnior (2011, p. 60) afirma que a opção do legislador pela delimitação da competência à 60 salários mínimos é baseada em um critério político “ sem qualquer justificativa científica, mas apenas os riscos e inconvenientes para o Poder Público caso fosse adotado valor mais elevado, por exemplo”.

             Mesmo diante dessa clara delimitação da competência pelo valor da causa, houve divergências entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O STJ reiteradamente se posicionou pelo entendimento de que  a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública seria absoluta independentemente da complexidade da causa analisada; porém, o STF já decidiu por reconhecer a incompetência destes juízos, considerando a complexidade da demanda. Neste sentido, vale destacar excerto do voto do ministro Marco Aurélio de Mello, relator do processo em tela ( Recurso Extraordinário 537.427 – SP):

Até mesmo a extensão dos pronunciamentos judiciais, contando a sentença com seis folhas e o acórdão com vinte uma, já sinaliza tratar-se de controvérsia complexa. Normalmente, nos juizados especiais, as decisões são regidas com extremo poder de síntese, não se exigindo questionamentos maiores [...].  Descabe, então, consignar a configuração de conflito simples e assentar a harmonia da competência fixada com o disposto no inc. I do art. 98 da Carta Federal. Repito: a matéria está a exigir dilação probatória maior, talvez mesmo incompatível, com os juizados – perícia para fixar a origem de dependência – e abordagem de aspectos a extravasarem a previsão do mencionado preceito, consoante o qual incumbe aos juizados especiais a apreciação de ‘causas cíveis de menor complexidade.

            Em face do pronunciamento do STF, aduz-se que – além do valor de 60 salários mínimos – ao se propor querela junto ao Juizado Especial da Fazenda Pública, deve-se verificar o grau de complexidade da questão, levando em conta,  a oralidade e celeridade do processo e a possível necessidade de uma instrução probatória alargada, o que desqualificaria a questão para o juizado especial (GOMES JÚNIOR, 2001, p. 63). Porém, tal tema ainda não está pacificado.

            Em relação às exceções à competência, Gomes Júnior (2011, p.69), suscita questão interessante ao tratar sobre a impossibilidade de julgamentos no Juizado Especial da Fazenda Pública de causas que versem sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias, fundações públicas a eles vinculadas . O autor afirma que tal restrição é desnecessária e sem proporcionalidade, visto que o mais correto seria adoção do mero critério econômico e não pelo bem ser estatal, pois esta delimitação contraria até a praticidade apregoada com a criação dos juizados especiais.

            Quanto à caracterização da natureza da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, a maioria da doutrina afirma que havendo a instalação daquela em determinado foro, a sua competência seria absoluta. Porém, existem alguns autores que dizem que a competência deve ser entendida como sendo mista, pois em alguns casos os autos deverão ser remetidos à Justiça Comum (em casos de prisão da parte, declaração de sua incapacidade, falência ou insolvência civil; grau de complexidade da matéria; obrigações sucessivas cujo valor exceder 60 salários mínimos ao se somar as obrigações vencidas mais as 12 vincendas; em caso de litisconsórcio cujo somatório dos pedidos entre os litisconsortes ultrapasse 60 salários mínimos).

CONCLUSÃO

 

 

            Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, criados pela Lei nº 12.153/2009, surgiram no esteio da criação dos demais juizados especiais e tem por objetivo garantir a celeridade e correta prestação jurisdicional do Estado.

            O legislador restringiu a amplitude de atuação destes juízos a um valor de até 60 salários mínimos e garantiu a esse uma competência absoluta, para maior parte da doutrina, em relação às causas que versassem sobre questões cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. O art. 2º traz as exceções a esta competência.

            Porém, verifica-se que ainda existem algumas dúvidas quanto aos limites dessa competência, fruto – até – de divergências de interpretação entre STJ e STF. Sendo assim, há a necessidade de pacificação de tais disputas, tendo em vista que a clareza quanto a competência é fundamental, pois influi diretamente no ingresso de causas no juízo; uma obscuridade no entendimento sobre competências é um obstáculo ao direito de ação, preceito constitucionalmente garantido.

            Verifica-se, também, que o prazo para a instalação desses juizados nem mesmo prescreveu, logo dúvidas acerca de procedimentos e questões pontuais são previsíveis, porém estas devem ser dirimidas o quanto antes para o efetivo exercício jurisdicional e para que os objetivos intentados pela criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública se cumpram.

           

 

REFERÊNCIAS

CARDOSO, Oscar Velente. Juizados especiais da fazenda pública: competência, valor da causa e cumprimento da sentença. Disponível em: < www.esmesc.com.br/upload/arquivos/8-1281381290.PDF>.  Acesso em: 15 mai 2012.

 

 

FERNANDES, Fabiano Samartin. Competência dos juizados especiais da fazenda pública. Disponível em: < www.agepol.org.br/.../juizados_especiais_fazenda_publica_fabiano,PDF>.  Acesso em: 15 mai 2012.

 

 

GOMES JÚNIOR, Luis Manoel. Comentários à Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. 2 ed. RT: São Paulo, 2012.

 

 

SOARES, Milton Delgado. A Nova Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: Primeiras Considerações e Proposta para Implementação.  Revista da Emerj. V,13, n.51, 2010.

 

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei no 12.153, de 22.12.2009). Disponível em: < bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/33607?show=full>. Acesso em: 15 mai 2012.

 

 

 

 



[1] Paper apresentado à disciplina de Processo de Conhecimento II do 5° período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrada pelo Professor Hugo Assis Passos para obtenção de nota.

[2] Aluna do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. 

[3] Aluno do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.