1 Análise Crítica da obra de Beccaria O livro em estudo foi escrito pelo economista e jurista italiano Cesare Beccaria, nascido em Milão e formado em Direito pela Universidade de Pádua, trabalhou como jornalista e integrou o Supremo Conselho de Economia, além de tudo participou da reforma do sistema penal de seu país e infuenciou muitas outras. Dos Delitos e Das Penas foi publicado em 1764, na segunda metade do século XVIII, e ecaixava-se num modelo típico do movimento filosófico-humanitário que corria na Europa naquela época. Entedia-se, à luz dos pensamentos de Montesquieu, Rosseau e Voltaire, que a pena constituia uma espécie de vingança coletiva, por vezes apresentando-se em punições superiores ao resultado e à gravidade dos crimes cometidos. A prática de torturas, pena de morte, prisões desumanas e banimentos sociais eram comuns na Europa e em todo o mundo conhecido, Beccaria então levanta a voz contra tais práticas, abordando questões sentimentais, humanas e por vezes religiosas. A obra configura um dos primeiros passos dados rumo à consolidação do Direito Penal moderno, que busca a ressocialização do criminoso, não sua reles punição exarcebada. Vamos compor, no correr deste texto, uma breve análise a respeito dos pensamentos do autor, trabalhando com as principais ideias apresentadas no livro. Beccaria inicia sua tese aludindo à teoria de um contrato social, em que os homens independentes se unem em sociedade por conta do cansaço causado pelo estado de guerra contínuo e o gozo de uma liberdade inútil que descende do risco constante. Daí, como já visto antes em inúmeras outras obras, tais homens sacrificam parte de sua liberdade para que – com a parte restante da mesma- possam aproveitar a segurança e a tranquilidade que o depositário da liberdade tem a obrigação de garantir. Segundo o próprio autor: A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberaniade uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia de defendê-lo das usurpações privadas de cada homem em particular, o qual sempre tenta não só retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros . Beccaria então apresenta a ideia de que eram necessarios motivos sensíveis para dissuadir o espírito demandante de cada homem que pudesse levar-lhes de volta ao estado caótico anterior. Tais motivos inibidores foram chamados de penas. A primeira questão polêmica apresentada por Beccaria diz respeito ao Direito de Punir. Segundo o autor em estudo há de se observar a mínima porção de liberdade depositada pelos homens nas mãos do governo proporcionalmente à mínima intervenção do governo na liberdade dos homens, isto é, o limite do direito de punir está limitado pela liberdade pacífica do homem, ou seja, o Estado há de intervir apenas para garantir a segurança da parcela que lhe cabe, “tudo mais é abuso, e não justiça”. Em seguida o autor declara três possíveis consequências dos princípios apresentados por ele, são elas: I) as só as leis podem decretar as penas dos delitos; II) a necessidade de uma terceira pessoa no processo de julgamento, que garanta a imparcialidade e a igualdade entre todos os entes da sociedade em face das leis penais: o magistrado; e III) a ideia de que a crueldade das penas não refletem na garantia de uma sociedade segura, infringindo até mesmo as normas do Contrato Social. No que tange ao processo de interpretação, Beccaria crítica as leis prolixas e obscuras, que devido a grafia rebruscada, tornam-se dificeis de serem compreendidas corretamente pela população em geral. Ainda consagra a importância de uma porporcionalidade entre os crimes e as penas a eles cominadas, levanda em consideração a gravidade do bem atingindo, bem como os impulsos que levaram o deliquente a praticá-lo. Evitando a punição exacerbada, bem como a insuficiente: Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior, se dele resultar uma vantagem maior. Beccaria toma uma posição importante na reconstrução do sistema penal quando consolidade a ideia de que a pena não tem caracteristica punitiva, mas sim sancionatória ou até mesmo ressocializadora quando possível. Há de se manter preservado o corpo físico do réu – evitando castigos corpóreos – tocando, por meio da pena o espírito do homem. O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. É, pois, necessário escolher penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu. No que tange à apresentações de testemunhas no processo penal, o autor em estudo apresenta uma visão cautelosa, afirmando a necessidade de serem apresentadas mais de uma sempre que possível, e considera também a menor credibilidade da testemunha quanto maior a atrocidade do delito. Percebe-se aqui um ideal protetivo do direito de defesa do réu, até então evitado pelos tribunais da época. Beccaria também escreve com demasiada atenção a respeito das Acusações Secretas, ou denúncias anônimas, como nos é mais conhecido. Para o autor estas são abusos que infelizmente encontram-se ainda consagrados em vários ordenamentos penais. Para ele, tal instituto tornaria o cidadãos traidores e delatores uns dos outros, e assevera: “Quem poderá defender-se da calúnia, quando esta se arma com o escudo mais sólido da tirania: o sigilo?” Quando trata da tortura é fatídico na invalidade da confissão. Beccaria alude que não há confissão válida que seja obtida por tortura devido a incerteza de seu resultado. Pode o inocente confessar uma mentira almejando o fim do seu castigo corporal, como pode também o culpado aguentar todas as penas corporeas impostas, não confessar, e safar-se se da punição apropriada. Para Beccaria a tortura não prova inocência ou culpabilidade, mas tã somente a resistência de um individuo à dor. A pena de morte também se configura como um assunto polêmico para Beccaria, primeiramente porque ele apresenta a ideia de que tal penalização não inibe a prática do deliquente, e depois porque concorda com a penalização por morte em dados momentos, como quando o caos está instalado em épocas que a desordem substitui a lei e este meio – a morte- configura-se como único para devolver a a porção de liberdade da qual gozam os cidadãos. Apresenta-se novamente contra quando o Estado encontra-se num período de paz e tanquilidade, de fronteiras bem determinadas e defendidas, e as leis benéficas e eficazes. Quando trata de crimes contra a honra, Cesare aponta a importância da proteção da imagem do cidadão. Assevera que o Direito deve fazer frente à práticas como essas, bem como punir quem as põe em exercício. Observando sempre a proporcionalidade das penas aos delitos. Ao falar sobre roubo Beccaria afirma que quando o prejuízo é apenas material, a pena para o delito deverá ser pecuniária – visão muito a frente de seu tempo e até hoje não aceita pelos ordenamentos atuais – no entanto, havendo lesão física à vítima, haverá de se transformar a pena em corpórea. Quando apresenta a possibilidade do roubo cometido por pessoas pobres e sem capacidade de indenizar atráves da pena pecuniária, Beccaria propõe uma escravidão temporária, entoando a ideia de que por meio do trabalho, o criminoso expiará sua pena. Entendemos, neste quesito, um pessamento ainda antiquado e em descompasso com as demais ideias de Beccaria, tend em vista que a miséria e a fome muitas vezes causam o roubo de materiais indispensáveis à vida humana – como alimentos, vestuário- e que por vezes não são fornecidos pelo governo, que deveria também observar tais necessidades de seus cidadãos. Por fim, Beccaria alude a respeito da prevenção dos crimes. Entendemos, coadunamente com o autor, que “é melhor prevenir crimes do que puni-los, e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo”. Voltamos aqui à ideia de não obscuridade da lei, isto é, antes de tudo, para prevenir crimes, faz-se necessária a criação de leis simples e claras e de desejo de toda a nação, é preciso um sentimento de solidariedade conjunta para que todos observem o cumprimeto das normas determinadas. É também nesse sentido que acrescentamos a ideia de uma nação esclarecida, culta e educada que busque a liberdade tomando por base sempre a ciência e a razão. Durante toda a obra Cesare Beccaria buscou a humanização dos sistemas penais europeus vigentes no século XVIII. Apesar do mesclar de ideias revolucionárias com outras ainda um tanto antiquadas não podemos retirar do livro estudado seu espírito renovador, tendo em vista que em pleno século XXI ainda constatamos inúmeros presságios humanitários de Beccaria que até agora não foram adequadamente instituídos – principalmente no que tange ao respeito do réu e seu corpo. Apesar de muitas práticas serem legalmente reprovadas, continuam a ocorrer nos campos mais distantes do olhar dos fiscalizadores, à mercê da sorte e do descaso. Dos delitos e das penas influenciou a reestruturação de incontáveis sistemas penais europeus e latino americanos, e ainda serve como base se estudo para a efetivação e eficácia das normas no campo prático. REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare Bonesana. DOS DELITOS E DAS PENAS. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.