ADOMAIR O. OGUNBIYI






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ANALISE CRÍTICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A IDENTIDADE ÉTNICO- RACIAL: ESTUDO DE CASO DA ESCOLA COMUNITÁRIA MUNDO DAS CRIANÇAS E DA UEB. MEUS AMIGUINHOS (FORQUILHA)









São Luís
2008
ANALISE CRÍTICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A IDENTIDADE ÉTNICO- RACIAL: ESTUDO DE CASO DA ESCOLA COMUNITÁRIA MUNDO DAS CRIANÇAS E DA UEB. MEUS AMIGUINHOS (FORQUILHA)

Adomair O. Ogunbiyi

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.
Nelson Holihlahla Mandela

A partir da analise de dados coletados em pesquisa sobre a identidade étnico-racial de crianças negras, de agosto a setembro de 2008, em escola comunitária e em escola pública, na cidade de São Luís, no Maranhão, pode-se concluir que está longe o cumprimento, por parte do Estado, dentro do ponto de vista legal, do dever de garantir com o preconizado na Constituição Federal de 1988, ou seja: o atendimento às crianças de zero a seis anos. Há, na atualidade, um esforço jamais visto em outras épocas, no entanto, está muito aquém das transformações necessárias para uma educação para todas(os). A existência de um grande número de escolas comunitárias, particularmente em São Luís, é um sintoma do descumprimento desse dever do Estado garantido em vários marcos legais, tais como:

1) Constituição Federal, no artigo 208, inciso IV;
2) Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; e,
3) Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, Lei nº.
9.394/96, no título III, do Direito à Educação e do Dever
de Educar, artigo 4º, IV.

A especificidade étnico-racial é colocada em relevo pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RECNEI, conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras. (RECNEI, 1998, P.13).
O RECNEI considera as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis anos, a qualidade das experiências oferecidas que podem contribuir para o exercício da cidadania, as quais devem estar embasadas em princípios tais como:

.O respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.;
.Acesso das crianças aos bens sócio-culturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, a comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
.A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma; e
.O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade. (RECNEI, 1998, p. 13).

Para além, encontra-se também a não observância, por parte das instituições competentes da Lei nº. 10.639/03, que altera a Lei nº. 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica.
Particularmente, em São Luís, é anexado o preceito analógico a Lei nº. 3.505, de 07 de maio de 1996, que busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos artigos 5º, I, Artigo 210, Artigo 206, I, § 1 do Artigo 242, Artigo 215 e Artigo 216.
Os princípios arrolados não são observados nos casos estudados.
A Escola Comunitária Mundo das Crianças, existente desde 1986, sob gerência da presidenta da União de Moradores do Sítio do Meio, no bairro Diamante, na Capital do Maranhão, São Luís. Localiza-se na Rua Paulo Cruger de Oliveira, s/n, a dois quilômetros da Secretaria de Estado da Educação e cerca de uns três da Secretaria Municipal de Educação.
Na observação das crianças atendidas cerca de sete crianças negras, de diversas tonalidades de cor, com idade variando entre três e sete anos de idade, em um sobrado mal acabado, sem energia elétrica, sem água, mal ventilado, embolorado, insalubre e repleto de poeira e teias de aranha ? pela limpeza precária e a má conservação. A escola, segundo a presidenta da associação, não conta com subvenção e/ou convênio com o estado ou do município.
Nesta escola trabalham duas professoras. Uma professora, com trinta e sete anos, tem o ensino médio completo, e a outra, com cinqüenta anos de idade, fez o magistério. Ambas são católicas. A situação é caótica, começando pela falta de qualificação, a desatualização do corpo docente; passando pelas instalações inadequadas para crianças pequenas; e, chegando às condições dos escassos materiais e recursos didáticos que se pode imaginar os estragos no desenvolvimento das crianças. Não levam em consideração "as dimensões humanas potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo, o cognitivo, etc., etc." (FARIA; PALHARES, 2001, p. 75).
A escola pública UEB Meus Amiguinhos localiza-se na Estrada da Maioba, sem número, no Bairro da Forquilha, zona urbana de São Luís, Maranhão, atende a modalidade de educação infantil e a sua mantenedora é a Secretaria Municipal de Educação, atende 132 crianças (99 negras e 33 brancas), entre o período matutino e o vespertino.
Apesar de ter um esboço de Projeto Político Pedagógico bem elaborado, permeado de uma visão construtivista, instalações próximas do ideal ? falta uma área livre para as crianças brincarem -, recursos didáticos, professoras com formação universitária ? somente duas professoras, das seis existentes, são formadas em pedagogia -, tem dificuldades de cumprir com boa parte das exigências, neste caso, específicas, do seu papel social, ou seja: garantir às crianças as mais diversas e profundas linguagens e o convívio com as diferenças de gênero, de idade, de classe, de religiões, de etnias e culturas. Neste sentido, não consegue contribuir corretamente com a construção da identidade étnico-racial de suas/seus alunas(os).
A Coordenação Pedagógica, da escola pública, encarregada do planejamento de ensino para todos os períodos, anualmente; planejamento de estudos para todos os segmentos; e, formação continuada mensal, até o término da pesquisa não trabalhava a implementação da Lei nº. 10.639/03.
As professoras adotam uma postura, aparentemente, dúbia quanto a acreditarem nas suas atuações e na ação da categoria junta à escola pública, pois embora tenha origem acadêmica nela, a maioria ? na escola pública ? manifestou que "a escola pública está aquém" e que "as professora deixam a desejar". No entanto, trabalham em escola pública.
Outro aspecto importante a ser levando em consideração se relaciona à prática do proselitismo de cunho cristão e católico que permeia a prática pedagógica das professoras na educação infantil.
No caso estudado, na escola pública, este fato ficou evidente no início de uma aula, quando a professora dispôs as crianças sentadas, em roda, no chão, e realizou a oração do "Padre Nosso". Tal postura contraria as regras constitucionais, assim como as contidas na LDB. Fere, inclusive, os objetivos gerais da educação infantil no que se refere ao desenvolvimento das capacidades de demonstrar atitudes de interesse, respeito e participação frente às demais manifestações culturais - dentre elas, as religiosas - e valorizando a diversidade (RECNEI, 1998, p.63). E, conforme afirmativa de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (1998): "[...] as religiões desempenham um papel importante, talvez porque elas autorizam a comunidade de compreensão entre aqueles(as) que compartilham um [...] mesmo sistema de regulamento ritual da vida" (POTIGNANT; STREIFF-FENART, 1998, p.38). Neste sentido, a pluralidade religiosa fica prejudicada, pois a visão prevalente é de que todas as crianças devem ter contatos com os valores contidos nas práticas religiosas judaico-cristãs em detrimento das demais.
As professoras trabalham a questão étnico-racial dentro de uma visão multiculturalista conservadora, onde se pensa no povo negro de forma efeméridica , houve inclusive questionamento quanto à utilização de "brinquedos ou brincadeiras referentes à cultura negra". Sendo tal atitude considerada uma maneira de "discriminar", por ter um caráter específico. A não observância de que "a primeira infância é um período crítico para a aprendizagem sobre as diferenças e as diversidades, assim como para estabelecer uma base para a tolerância; de que investigações demonstram que as crianças reconhecem as diferenças raciais e mantêm opiniões acerca de raça com a idade de três anos", levam-nas a assumir essa postura. (FRIENDLY, MARTHA, 2007, p. 13, tradução nossa; SOUZA, CROSSO, 2007, p. 22). Tal postura desconsidera afirmação de Regina Conceição (2006), em "As Relações Étnico-Raciais, história e Cultura Afro-Brasileira na Educação Infantil":

Como educadores(as) preocupados(as) e comprometidos(as) como desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos(as), em todos os níveis de ensino, e com a formação dos(as) educandos(as) para a cidadania, de maneira que respeitem e valorizem as diferenças e as diversidades da nação brasileira, devemos abordar, desde a Educação Infantil, as história e as culturas da população de origem africana.
(CONCEIÇÃO, 2006, p.22).

Segundo a AMMA ? Psique e Negritude (1999, p. 30), "deve-se falar de negritude desde que a criança nasce", usando língua simples e respeitando o nível de compreensão é só dizendo o que ela quer saber o pode compreender.
Corroborando, neste sentido, Martha Nussbaum (2007), em "La educación para la ciudadanía universal debe comenzar em la infancia", afirma:

Creo que es posible implicar a los niños tan pronto como cumplen los 3 ó 4 anõs en, al menos, algunas conversaciones acerca de cómo su comportamiento afeta a los otros y de por qué es mali hacer cosas que perjudiquem a los otros. A medida que pasa el tienpo, esas conversaciones se puede hacer más generales y los niños pueden comenzar a comprender por qué burlarse de un niño por algunos de sus rasgos es muy hiriente y por qué la mofa basada en la raza o en la discapacidad causa un gran daño.
(NUSSBAUN, 2007, p. 16-17).


Não é considerado pelas professoras também o fato de que a maioria das atividades realizadas nas escolas exclui as manifestações culturais de origem negro-africanas. (MCLAREN, 1997, p. 111- 119).
Recorrendo, ainda, a Peter McLaren, que explica:

o multiculturalismo conservador deseja assimilar os estudantes a uma ordem social injusta ao argumentar que todo membro de todo grupo étnico pode colher os benefícios econômicos das ideologias neocolonialistas e de suas práticas econômicas e sociais correspondentes. Mas, um pré-requisito para "juntar-se à turma" é desnudar-se, desracializar-se e despir-se de sua própria cultura (MCLAREN, 1997, p. 115).

A argumentação, das professoras, acerca de como atuar diante da existência de informações negativas sobre a raça/etnia negra, em sala de aula, evidenciou o despreparo para uma educação destituída do ranço racista que tece as relações inter-pessoais, desde a educação infantil até o ensino superior . As respostas são provas cabais: "procuraria amenizar a situação"; "não tenho lembrança"; e, "trabalho a igualdade".
Destaca-se, também, no discurso de uma das professoras, nas escolas estudadas, o descuido quando se refere ao cabelo de uma pessoa negra como "cabelo seco". Ela reproduz o discurso preconceituoso relacionado aos estereótipos negativos que ainda são anexados às pessoas negras.
Existe enorme carência de uma formação continuada, do coletivo institucional, nos casos tanto da escola comunitária, quanto na escola pública, principalmente nesta última. Na primeira há ausências e, lacunas na segunda, uma vez que a totalidade do corpo docente não participou de seminários, curso, palestras, oficinas ou qualquer outro tipo de atividade relacionada à questão racial apesar da Secretaria Municipal de Educação, através da Superintendência de Ensino Fundamental, vir ofertado desde 2004 seminários para formação continuada de professoras(es). Primeiramente, com seminário de sensibilização e posteriormente com seminários de formação, na rede municipal, em história e cultura afro-brasileira. Foi ofertado pela coordenadora do Projeto a Cor Cultura na Superintendência de Ensino Fundamental, as Secretaria Municipal de Educação, um curso para profissionais escolas - Gestoras(es), Coordenadoras(es), professoras(es) - da Educação Infantil, em 2007, contudo, formação continuada não se confirmou para a implementação da Lei 10.639/03.
As professoras da rede municipal desconhecem, portanto, a Lei nº. 10.639/03, logo, não incorporaram ao perfil profissional a exigência da competência polivalente de tornarem-se também aprendizes, suprindo assim a defasagem da formação inicial. Em consonância com a afirmação da Professora Doutora Fúlvia Rosemberg (1986), as professoras não foram à busca de informações para transformá-las em conhecimento e, desta forma, perderam a oportunidade de robustecer o "repertório interno" (RECNEI, 1998, p.41).
Aqui se localiza um problema de gestão, onde uma boa coordenação pedagógica daria conta de suprir as lacunas da formação inicial das professoras no que concerne a estudar e usar as teorias para fundamentar o fazer e o pensar dos(as) docentes; orientar pedagogicamente pais/mães e/ou o grupo social cuidador; alunas e alunos; educadoras(es) quanto a formação continuada; e, demais funcionários(as) da instituição.
Para se entender a socialização da criança negra há que se analisar, principalmente, suas famílias, ou seja, o seu grupo social cuidador.
Nos casos estudados as famílias não se apresentaram numerosas. A média girou em torno de duas crianças, por família. São as chefas ou chefes de família estão qualificadas(os) em profissões da área de prestação de serviços e representadas por uma maioria feminina. No tocante à escolaridade a maioria apresentou-se com o ensino médio completo, tendo uma representação maior de mulheres.
No Grupo Social Cuidador as doze mulheres, em maior número, - os homens somavam a quantia de oito - são oriundas de cidades do interior do Estado do Maranhão.
No tocante a auto-identificação étnico-racial, tanto no grupo da escola comunitária quanto no da escola pública, os dados encontrados demonstram que a "síndrome do alacroísmo" perpassa ambos âmbitos, por procurarem eufemismos para se auto-designarem: "moreno", "parda " e mestiça.
O processo de auto-negação, também, é evidenciado nas respostas das(os) entrevistadas(os) quando perguntado sobre se gostavam dos seus traços fisionômicos. Oito delas não quiseram falar sobre o assunto.
Quanto a identificarem-se com outras pessoas negras, as resposta foram afirmativas, contudo, como não fossem, as(os) entrevistadas(os), também negras(os), a saber: "Eu não tenho nenhum problema com os negros".
A realidade vivenciada no cotidiano das relações sociais e inter-pessoais, particularmente, em São Luís, é eivada pelo espectro da reprodução da discriminação e o preconceito racial que está internalizado de tal forma que as pessoas buscam a fuga das caracterizações vinculadas à raça/etnia negra .
A omissão da escola no cumprimento de sua função social aliada ao processo de alienação da maioria das famílias negras, contando, ainda, com a contribuição dos meios de comunicação etc. reproduz as mazelas da negação identitária nas crianças negras.
Consequentemente, a soma destes fatores prejudica crianças negras e as não-negras. As primeiras passam a querer assumir a identidade vista como ponto positivo de referência negando a sua, por julgá-la inferior. E, a criança não-negra assume uma posição de superioridade, menosprezando as demais.
Se por um lado há dificuldades em lidar com a questão étnico-racial o Grupo Social Cuidador apresentou um bom rendimento quanto aos aspectos relacionados às Competências Familiares. Demonstrou uma preocupação adequada, pois a maioria participa das reuniões nas escolas, mantêm as vacinações das crianças em dia e se propuseram participar de reuniões para discutir e entender como desenvolver fatores resilientes e trabalhar o resgate da identidade étnico-racial das crianças.
As crianças negras, na escola comunitária ou na escola pública estudadas, são reflexos de uma sociedade multirracial e pluricultural permeada por uma visão étno-eurocêntrica, judaico-cristão e desigual.
No âmbito familiar e/ou Grupo Social Cuidador as crianças, em sua maioria, também, não encontram as referências necessárias para dar suporte à constituição de sua identidade étnico-racial. E dada às condições sócio-econômicas e político-culturais desse grupo, as crianças são alijadas ou têm maior dificuldades ao acesso de determinados bens, serviços, cuidados, afetividade os quais contribuem para criar obstáculos ao desenvolvimento daqueles fatores resilientes que lhes proporcionaria melhor qualidade de vida. Portanto, os resultados da pesquisa corroboram com as hipóteses de que a escola - no sistema educacional brasileiro -, quando não observa princípios relacionados aos direitos humanos e demais marcos legais, atua de tal maneira que prejudica a identidade étnico-racial das crianças negras, uma vez que ainda não está atenta aos novos papeis, na atual conjuntura, para cumprir sua função social.
Neste sentido, as crianças têm maior dificuldade de assumirem sua identidade. Entre as dezoito crianças negras entrevistadas 44,4% (quarenta e quatro vírgula quatro por cento) se auto-identificam como brancas e, 39% (trinta e nove por cento) se declararam com negras. Outras 16,6% (dezesseis vírgula seis por cento) não responderam ao perguntado.
Impactou bastante a verbalização contrária a ter ou não bonecas(os) negras(os): "não gostaria de ter uma negra"; "Queria uma branca"; e, "Uma loira". Na formulação da pergunta: "Você tem ou teve bonecas(os) negras(os)" foram apresentadas paras as crianças três bonecas e um boneco negro, de diferentes formatos, 66,6%(sessenta e seis vírgula seis por cento) das crianças responderam não tem ou teve. É interessante, ressaltar que 33,4% (trinta e três vírgula quatro por cento) das crianças tinham bonecas(os) negras(os).
Nas representações simbólicas quanto aos tipos de heróis e heroínas ou ídolos não se encontrou nada que se relacionasse a um modelo com proximidade à origem étnico-racial das crianças negras.
Os dados coletados demonstram que a escola deveria atentar para o conjunto de referências e orientações pedagógicas contidas no Referencial Curricular Nacional para a Educação para Educação Infantil, aliando-as às da Lei nº. 10.639/03, que altera a Lei nº. 9.394/96, e que estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, para minimizar os danos que vêm sendo impingidos secularmente em geração de crianças negras na educação infantil.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e África - DCNEREREHCABA como política curricular de ações afirmativas, de reconhecimento, de valorização tem como meta o garantir o direito da população negra se reconhecer na cultura nacional, expressar visões de mundo próprio, manifestar com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. (DCNEREREHCABA, 2005, p. 10).
O quadro abaixo apresenta alguns obstáculos, que são representação da violência simbólica, conceito elaborado por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (1992), e os fatores de desenvolvimento para identidade étnico-racial das crianças negras:
Obstáculos: Fatores de Desenvolvimento:
Falta de oferta de valores positivos da raça negra. Valorização de sua raça.
Ausência de referências negras nos livros didáticos. Saber-se portador/a de capacidades tal quais as pessoas de outros grupos étnicos.
Falta de brinquedos e brincadeiras referentes à população negra. Respeito às manifestações culturais e religiosas de origem afro-brasileiras.
Informações negativas sobre a raça negra Família unida e coesa
Associação de tudo o que é ruim, ilegal ou feio ao termo "negro". Respeito à ancestralidade, às/aos mais velhas/os.
Utilização e veiculação de piadas, anedotas e chistes contendo estereótipos e estigmas sobre a raça negra. Contar fatos, histórias, contos com personagens negras. E falar sobre a beleza negra
Quadro conceitual criado por Adomair O. Ogunbiyi em 1998.

Apresenta, ainda, o alerta para com os cuidados que escola, a família e a sociedade, como um todo, deve ter para eliminar os fatores de risco e desenvolver fatores protetores. A prática educativa que propõem a apoiar a identidades múltiplas das crianças deve evitar tanto o integracionismo como os estereótipos. O integracionismo é a negação das diferenças. Isto quer dizer que se acolhem os pais, mães e ou responsáveis e as crianças negras, porém, se lhes transmite a mensagem de que têm que adaptar-se o quanto antes ao que se considera "normal" na cultura dominante. Os estereótipos tratam a cultura das crianças negras como algo fixo, estático. Esta prática prevê organização de festas somente em datas específicas e corre o risco de tornarem paternalistas e ofensivas, pois ignoram as complexidades da história pessoal e da história familiar de cada criança, desprezando ao mesmo tempo as diferenças sócio-econômicas dentre outras (VANDENBROECK, 2008, p. 28).
Contexto de Fatores de Risco e Fatores Protetores
Âmbitos Fatores de Risco
(Obstáculos) Fatores Protetores
(Fatores de Desenvolvimento)
Familiar Pais, mães e/ou responsáveis que transmitem sentimentos de inferioridade racial.
.Ofensas ou linguagem abusiva que contem o fator racial para enfatizar o motivo.
.Diferenças ou preferências baseadas no grau de pigmentação da pessoa.
Apelidos com conotação racial. .Sentimento de pertencimento a raça negra.
.Vínculo de referências de feitos históricos e culturais da raça negra.
.Educação informa baseada na realidade histórica, cultural e religiosa afro-brasileira.

Comunitário .Docentes que reproduzem valores étno-eurocêntricos e judaico-cristãos.
Espaço físicos públicos que não representam em sua decoração/ambientação o ideal imaginário das crianças negras.
.Ausência de jogos, passatempos, brinquedos e brincadeiras que representem manifestações afro-brasileiras.
Formas de tratamento com conotação racial. .Liberdade de manifestação das religiões afro-brasileiras.
.Eliminação de manifestações que menosprezem a raça negra.
.Supressão de expressões que critiquem racialmente criança, jovens e adultos.
Eliminação de apelidos com conotação racial. e
Institucional
(Escola) .Livros didáticos e paradidáticos com conteúdo discriminatório e preconceituoso.
.Programas de televisão que contemplam em sua programação:valores, imagens, personagens, protagonistas, símbolos positivos da população negra.
.Diferentes meios de comunicação que cria, reforçam ou reproduzem estereótipos, estigmas, anedotas e chistes sobre a raça negra.
. Escola pública permeada por valores judaico-cristãos que impõe uma educação religiosa etnocêntrica. Educação que contemple uma pedagogia afrocêntrica.
Leitura de conteúdos de livros didáticos e paradidáticos que ressaltem os valores e a contribuição do negro em diferentes campos da atividade humana.
.Observação crítica dos programas televisivos, realçando positivamente a participação negra.
.Evitar programações televisivas ou radiofônicas que subestimem/depreciem a raça negra.
.Implementação de uma educação religiosa não proselitista que contemple todas as religiões.

Consequentemente, com a eliminação dos obstáculos seria favorecida a assunção de uma identidade étnico-racial - negritude e, levando em consideração a definição e os indicadores, poderia ser aferida conforme apresenta o quadro a seguir:

Identidade Étnico-Racial ? Negritude
1 Definição 2 Indicadores
. É a valorização plena, com orgulho da condição do/a negro/a e/ou afro-brasileiro em dizer de cabeça erguida: Sou Negro/a .
. É a capacidade de ser fiel numa ligação com a terra-mãe, África, cuja herança deve custe o que custar, demandar prioridade.
. É a capacidade de ter um sentimento de solidariedade que liga secretamente a todos/as os/as irmãos/irmãs no mundo, que leva a ajudá-los/as a preservar nossa identidade comum.
. É a capacidade de reverter o sentido pejorativo da palavra negro para dela extrair um sentido positivo. ®Reconhece-se como negro/a;
®Valoriza/gosta de seus traços fisionômicos, cabelo, etc. ligados à sua origem;
®Identifica-se com negros/as dos mais diversos tipos;
®Têm prazer de brincar com bonecas/os negros/as;
®.Busca heróis/heroínas, ídolos negros/as; e,
®Aprecia, respeita ou participa de manifestações culturais e religiosas de origens africanas.
Quadro conceitual formulado, em 1998, por Adomair O. Ogunbiyi, com base no conceito de Negritude criado por Aimée Césaire, Léon Dumas e Léopold Senghor, e utilizado no Projeto Auto-Estima das Crianças Negras, parceira FUNAC/Bernard van Leer Foundation, em Alcântara (Castelo) e Viana (S. Cristóvão), de 1998 à 2000.

O fomento de atitudes positivas ante a diversidade étnica entre as crianças evitaria uma dominação continuada por parte da minoria poderosa e um maior silenciamento daqueles segmentos marginalizados. Logo, o potencial positivo da diversidade na educação para a primeira infância não se perderia devido a assimilação e a normalização cultural.





Foto 1 - O futuro também precisa ser negro
Fonte: João Robert Ripper/AGENCIA F4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que será das crianças, dos(as) jovens negros(as) destituídos de uma história condigna de seu povo?
Balogun

A elaboração da Proposta Curricular, que deverá conter os pressupostos da Lei nº. 10.639/03, no que concerne a Educação Infantil, está estagnada o que impede de ser colocada em prática, em sua totalidade, na Rede Municipal, uma política que reforce "o papel da escola em cumprir a sua função de desenvolver uma pedagogia que respeite os valores da criança e que esteja associada com [...] o contexto cultural". (PROPOSTA CURRICULAR ? Marco Conceitual do Ensino Fundamental, 2007, 76-84).
Recomenda-se, pois que Superintendência de Educação Infantil crie condições para a finalização da sua Proposta Curricular.
Considerando os entraves apresentados urge uma tomada de posição política por parte do Conselho Estadual de Educação, do Conselho Municipal de Educação quanto a implementação, acompanhamento e posterior avaliação da proposta curricular que contemple a Lei 10.639/03, cobrando, respectivamente a Secretaria de Estado da Educação e a Secretaria Municipal de Educação.
Há, em conseqüência, a urgência das organizações e/ou entidades do movimento negro, assim como das ONGs. que lidam com as questões relacionadas à educação de crianças negras, reivindicar mais veementemente do poder público a aplicação da Lei nº. 10.639/03, nas escolas comunitárias e na escola pública, através de representações junto ao Ministério Público e com ações políticas de intervenção conjunta com a comunidades nas e com escolas objetivando a eliminação do "pedagocídio" vigente.
Caso o movimento negro organizado e a sociedade, como um todo, não venha a se mobilizar as mazelas seculares do racismo continuarão a penalizar crianças pequenas impedindo-as de vislumbrar um futuro onde serão respeitadas em seus direitos humanos mais elementares ? tornarem-se pessoas jovens e, futuramente, adultas completas e respeitadas em sua diversidade ? sua identidade ético-racial/negritude resgatada.






REFERÊNCIAS

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