Verônica Benevides Sales[1]

Taina Levinne C. Cordeiro[2]

RESUMO

Este artigo tratou do aspecto jurídico da eutanásia sob a perspectiva constitucional-penal ao analisar sua ilegalidade na praxe e a viabilidade da sua legalização.  Objetiva encontrar uma solução intermediária para o problema da eutanásia, através da qual possa ser amenizada a divergência de posicionamentos no tocante ao tema.  O artigo desenvolvido tem como supedâneo a metodologia dedutiva (método de abordagem), ao utilizar várias referências como fundamentação teórica para a pesquisa científica. A eutanásia corresponde a uma ação ou omissão através da qual ocorre a morte de uma pessoa ou de terceiro tendo como objetivo a supressão do martírio ao extinguir vida própria ou alheia de uma forma “doce”, mansa e indolor. Existe uma tendência contemporânea à flexibilização jurídica da eutanásia fulcrada numa corrente provinda do direito insurgente que recorre à força principiológica da dignidade da pessoa humana para sustentar a aplicabilidade da eutanásia, sendo que esta propensão ao lado da atenuação da pena (entre dois e cinco anos de reclusão) do dispositivo que trata do homicídio eutanásico, conforme o anteprojeto do Código Penal, pode sobrepor a inviolabilidade do direito fundamental à vida. Para muitos, essa sobreposição tem sido um farol que tem iluminado vários caminhos os quais certamente favorecerão a legalização da eutanásia, porém o legislador e o magistrado devem estar atentos para as implicações que tal alteração legal pode acarretar na sociedade, ao analisar se realmente é viável a citada legalização. Ressalta-se a imprescindível importância de que seja a utilizada técnica de ponderação de valores em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade o qual incide apenas no caso concreto, agindo o magistrado (cri)ativo, prudente e sensível, como legislador positivo, apto a interpretar a norma de acordo com a circunstância em que a prática da eutanásia tenha ocorrido, visando o solucionar o dilema da forma mais justa possível.

 

Introdução 

A eutanásia provoca grandes divergências na lei, na doutrina e na sociedade. Muitos defendem sua manifestação considerando-a uma forma de solidariedade, enquanto outros condenam sua prática ao afirmar que esta se trata de um crime ou um pecado. A polêmica que incide sobre a eutanásia é ampla, por esta ser sintetizada por valores éticos, religiosos, sociais, culturais e jurídicos.

O instituto da eutanásia perpassou por inúmeras gerações, existindo na Antiguidade, sendo comentada em passagens bíblicas e perdura até os dias atuais. Hodiernamente existe dentro do próprio ordenamento jurídico e da doutrina posicionamentos que favorece e outros que contraria à sua aplicabilidade.

“Piedade e solidariedade versus crime e sanção”, “legalização versus ilegalidade” são embates originados pelas posições antagônicas que cercam a eutanásia, sendo de suma importância que seja minuciosamente “diagnosticado” esse problema a fim de que estes dilemas sejam razoavelmente solucionados.

Nessa ótica, o presente artigo aborda preliminarmente os aspectos gerais da eutanásia ao focar sua origem, definição e classificação. No segundo tópico trata da incidência da Constituição Federal de 1998 sobre a questão em tela no tocante ao conflito existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana o qual beneficia sua aplicabilidade e o direito fundamental da inviolabilidade à vida pelo qual a sustentabilidade da aplicação da eutanásia torna-se impossibilitada e no último tópico discorre sobre os aspectos penais da eutanásia no que tange os efeitos, abordagens e configuração do homicídio eutanásico e efetuar uma análise do tema no anteprojeto do código penal que atualmente tramita no Congresso Nacional ao objetivar uma reforma na parte especial do Código Penal, sendo que entre as alterações, existe uma que trata da eutanásia tendo como meta a flexibilização deste instituto.

O método adotado foi o dedutivo de abordagem combinado com o procedimento de pesquisa bibliográfica, posto que fontes científicas foram utlizadas como pressupostos teóricos. 

  1. Aspectos gerais da eutanásia

Ao analisar o aspecto etimológico da eutanásia exsurge considerações importantes para a definição do instituto que transcendeu o tempo e o espaço, o qual sofreu influências jurídico-culturais de acordo a época e a sociedade vivenciada.

A palavra tem origem grega (eu , “bom”, e thanatos, “morte”) correspondendo assim, a uma “morte doce, morte calma”. Desta forma, a eutanásia pode ser definida (em sentido lato) como a ação ou omissão através da qual ocorre a morte de uma pessoa ou de terceiro tendo como objetivo a supressão do martírio ao extinguir vida alheia de uma forma “doce”, mansa e indolor.

“A eutanásia é aquele ato em virtude do qual uma pessoa dá morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem dores cruéis a seu rogo ou requerimento e sob impulsos de exacerbado sentimento de piedade e humanidade”. (PEREIRA JUNIOR, 2002)

Pode-se definir eutanásia como: “[...] dar a morte a uma pessoa dotada de uma enfermidade incurável ou de um estado de invalidez permanente, com o objetivo de lhe diminuir o sofrimento, estando munido o sujeito ativo praticante do delito, de um móvel piedoso”. (LARCHER, 2004 apud CARVALHO, 2001)

Hodiernamente, a eutanásia provoca grandes divergências, muitos defendem sua manifestação considerando-a uma forma de solidariedade, enquanto outros condenam sua prática ao afirmar ser esta, um crime, ou um pecado. Diante do exposto, claramente é notória, que em qualquer definição de eutanásia, encontra-se estigmatizada convicções culturais, jurídicas, éticas, religiosas etc.

O gênero eutanásia é classificado pela doutrina em inúmeras espécies. Cabe a análise superficial sobre as principais: eutanásia natural: é a morte do paciente sem sofrimento, agonia; eutanásia provocada: é aquela na qual são utilizados meios artificiais para suprimir o sofrimento encarado pelo enfermo e  pelos seus entes;  eutanásia solutiva: auxilia à “boa morte”, mediante a utilização de meios alternativos (terapêuticos, por exemplo), os quais diminuem o sofrimento, não obstante lhe abreviam a vida; eutanásia criminal: corresponde a eliminação de delinquentes por seu respectivo alto grau de periculosidade;eutanásia experimental: caracteriza-se pelo desenvolvimento científico; “eutanásia suicídio: ocorre quando o paciente  executa sua própria morte, configura-se assim, o suicídio assistido. 

Eutanásia resolutiva: consiste no auxílio à ‘boa morte’, utilizando-se de meios para diminuir a vida do enfermo. [Dentre essa espécie existe um subdivisão, a saber:] [...] Eutanásia libertadora: consiste na prática da eutanásia pelo sujeito ativo que está munido de um móvel piedoso, visando diminuir o sofrimento da vítima que se encontra em estado terminal, ou sendo portador de um mal irreversível; Eutanásia eugênica: consiste em interromper o curso vital do indivíduo que possua problemas físico-psíquicos, evitando que o mal de que sofre se propague para outras gerações, buscando-se um ideal de raça humana. Um dos maiores exemplos a serem citados com relação à prática da eutanásia eugênica, é o de Hitler, que buscava a qualquer custo a formação de uma raça pura, declarando a superioridade da raça ariana e a eliminação de outras raças, como por exemplo, dos judeus. Eutanásia econômica: consiste em extinguir a vida de pessoas que são portadoras de deficiências, bem como, de aposentados que não irão gerar nenhuma espécie de lucro, mas sim, de gastos. Esse caso de eutanásia é passível da demonstração de um exemplo condizente com a realidade da sociedade em que vivemos. [...] (EUTANÁSIA [200-?])

Sob o ponto de vista jurídico penal, pelas consequências que tais espécies podem originar, cabe ressaltar a eutanásia ativa a qual propicia ao indivíduo uma boa morte, ao visar a extinção do martírio, sendo que  esta espécie se ramifica em: eutanásia ativa  direta ( tem o objetivo de suprimir o lapso temporal da vida do paciente) e eutanásia ativa indireta (inicialmente, visa atenuar a dor do indivíduo, e posteriormente como conseqüência desta, diminuição da vida do paciente), e também a eutanásia passiva que é aquela na qual os devidos tratamentos médicos, os quais prolongariam a vida do enfermos, não são utilizados. 

  1. A incidência da Constituição Federal de 1988 sobre eutanásia 

De acordo o artigo 5º (caput) da Constituição Federal de 1988, ao tratar do direitos e garantias individuais do cidadão estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade”. (Grifamos). (PINTO, WINDT, CÉSPEDES. 2014)

Esse ditame constitucional taxa a vida como bem jurídico inviolável, além deste ser indisponível e inalienável, pelo fato da pessoa estar legalmente proibida de violar, dispor ou negociar a sua própria vida ou a de terceiro. Portanto, nota-se que a vida é constitucionalmente, por excelência, o bem jurídico mais importante, pois na sua ausência será impossível o indivíduo exercer os demais direitos constitucionais.

Apesar da proeminência deste bem jurídico, cabe ressalvar sua relatividade, justamente nas exceções juridicamente prevista, como na pena de morte, ex vi do Art. 5º, XLVII, “a” da Constituição, na circunstância de guerra declarada decorrente de agressão estrangeira; na legítima defesa, no estado de necessidade etc.

A Constituição ao proteger o direito à vida, obriga o Estado à assegurá-la, no tocante ao direito de dar continuidade à vida e à própria subsistência desta, pois imperativamente se percebe dever estatal de garantir ao cidadão, o direito à saúde, segurança, educação etc. em consonância com dignidade da pessoa  humana para possa ocorrer a concreção de uma vida  digna.

 [...] são impostos ao Estado três deveres constitucionais principais. São eles: a) O dever de respeitar a vida humana como objetivo de todos e de cada um dos cidadãos; b) O dever de proteger o direito a vida humana no âmbito das funções exercidas pelo Estado; c) Consiste no direito que o Estado tem de punir os indivíduos que atentem contra a vida, respondendo, conseqüentemente, pelos atos praticados. (EUTANÁSIA [200-?])

[...]