ANÁLISE COMPARATIVA

 

AUTORES

Karen Armstrong nasceu em Wildmoor, Worcestershire, Inglaterra, no seio de uma família católica de raízes irlandesas. Em 1962, com dezessete anos, torna-se noviça na ordem religiosa Society of the Holy Child Jesus e em 1965 tomou os votos de freira, assumindo o nome de Irmã Martha. Ainda no mesmo ano foi autorizada pela ordem a estudar Literatura Inglesa na Universidade de Oxford. Decepcionada com a vida religiosa, Karen abandona o convento em 1969 e orienta-se para a realização de um doutoramento sobre o poeta Alfred Tennyson; ao mesmo tempo começa a ensinar na Universidade de Londres.

Juan Vernet Ginés nasceu em Barcelona em 1923. Arabista, Doutor em Filosofia e Letras (1948), e Catedrático de Língua e Literatura Árabes pela Universidade de Barcelona desde 1954, um dos mais prestigiados estudiosos do Islã, dentro e fora de da Espanha, atualmente, é o primeiro dos historiadores espanhóis especializados no estudo da ciência árabe e na evolução da ciência medieval.

 

RESUMO

A presente análise comparativa tem como o objetivo verificar os principais períodos da história do Islã e levantar suas questões centrais, desde o período pré-islâmico, o advento e a expansão do islamismo, chegando aos primeiros estados islâmicos e a formação de uma civilização árabe-islâmica unida por uma alta cultura expressa em árabe. Ao analisar as questões centrais e momentos mais relevantes dessa história, atentamos para a visão de dois grandes estudiosos do tema, Juan Vernet e Karen Armstrong.

Palavras Chave: Maomé; Islamismo; Expansão. 

Análise comparativa entre os textos: “O Islã” de Karen Armstrong e “As origens do Islã” de Juan Vernet.

O texto de Karen Armstrong utiliza uma linguagem mais simplificada e de fácil entendimento, relata que a grandiosa história do islã iniciou-se durante o mês do Ramadã, em 610 d.c, quando um negociante árabe chamado Muhammad ibn Abdallah, viveu uma experiência que mudaria a história do mundo. Ele costumava se retirar para uma caverna no cume do monte Hira, nos arredores de Meca, no Hedjaz árabe, onde rezava, jejuava e dava esmolas aos pobres. Sua tribo, os quraysh, enriquecera no comércio com os países vizinhos, e Meca se tornara uma próspera cidade mercantil, mas, na corrida agressiva para a riqueza, alguns dos valores tribais tinham se perdido.

Em vez de cuidar dos membros mais fracos das tribos, como previa o código nômade, os coraixitas empenhavam-se em ganhar dinheiro à custa de alguns grupos familiares, ou clãs, mais pobres. Havia ainda, uma inquietação religiosa em Meca e em toda a península arábica. Os árabes sabiam que o judaísmo e o cristianismo, eram mais sofisticados do que suas tradições pagãs. Os árabes eram um povo perdido, exilado para sempre do mundo civilizado e ignorado pelo próprio Deus. Este estigma mudou no 17º dia do Ramadã, quando Maomé, ao acordar, percebeu-se subjugado por uma presença devastadora, que o levou a ouvir as primeiras palavras de um novo livro sagrado árabe que saíam de seus próprios lábios. Ele ocultou sua experiência por dois anos, confiando as suas revelações a sua esposa, Khadija, e no primo dela, Waraqa ibn Nawfal, um cristão.

De acordo com Juan Vernet, que utiliza uma linguagem mais técnica e detalhada existe  dificuldade em escrever uma biografia do Profeta do Islã, devido às fontes em que se tem acesso, serem posteriores à sua morte em um ou dois séculos. Somente nos séculos 19 e 20, os historiadores começaram a descrever a vida de Maomé, usando para isso o próprio Alcorão como base de pesquisa. Assim Vernet, para solucionar estas dificuldades documentais, utiliza várias biografias, e o próprio Alcorão para tentar explicar as origens do Islã e a vida de Maomé. Juan Vernet utiliza, na maior parte de seu estudo, os cronistas, analistas ou historiadores árabes que escreveram pelo menos dois séculos após os fatos narrados.

O texto proposto por Karen Armstrong faz alusão que foi apenas em 612 que Maomé se sentiu habilitado a pregar, angariando convertidos, alguns deles eram, seu primo Ali ibn Abi Talib, seu amigo Abu Bakr, e o jovem mercador Uthman ibn Affan, da poderosa família Omíadas. Muitos convertidos, entre os quais um número significativo de mulheres, vinha dos clãs mais pobres, outros estavam insatisfeitos com a desigualdade existente em Meca. A mensagem de Maomé era simples, ele não ensinava aos árabes nenhuma doutrina nova a respeito de Deus, não acreditava que estivesse fundando uma nova religião, mas que estava levando a velha fé no Deus único para os árabes, que nunca tiveram um profeta. Ele pregava que era bom partilhar a riqueza e criar uma sociedade em que os fracos e vulneráveis fossem tratados com respeito. Essa era a base da escritura sagrada chamada de Corão (quran: recitação), pois a maioria dos crentes, inclusive o próprio Maomé, era analfabeta, assimilavam os ensinamentos ao ouvir as leituras públicas dos capítulos (surahs). Durante as revelações, Maomé sofria convulsões freqüentemente.

De acordo com Juan Vernet, no início Maomé se dedicou aos negócios, onde possivelmente realizou algumas viagens, onde pode ter chegado até a Síria, e conhecido o monge Bahira, que o teria ensinado o monoteísmo. Nessa época ainda acreditava em gênios, demônios e augúrios, e considerava Meca um lugar sagrado e aceitava sacrifícios e peregrinação.

Recebeu suas primeiras revelações entre os anos de 610 e 612, onde o Alcorão conservou o seu texto: “No mês do Ramadan fez-se descer o Alcorão como guia para os homens e provas da Guia e da Distinção [...]; (74, 1-7 = 30):” Ó agasalhado! Apresenta-te e adverte! [...] (96, 1-5 = 47); “Predica em nome do teu Senhor, aquele que te criou! [...]”.     

Segundo Vernet, essas primeiras comunicações entre Maomé e o divino são descritas detalhadamente no Alcorão. No momento em que recebeu a revelação ele estava enrolado em um manto branco e parecia um possesso ou um bruxo. E essas anotações levaram o historiador bizantino Teófano a acreditar que o fundador do Islã era epilético, e que durante as crises percebia palavras e raramente visões, que talvez tivesse ouvido pronunciar em estado de vigília sem prestar atenção. Esse pode ter sido o modo pelo qual se colocaram na nova religião as influências cristãs e judaicas, devidamente reestruturadas em seu subconsciente pela vontade divina. Esse modo explica a sinceridade da pregação de Maomé e sua certeza de ser o Enviado de Deus para os árabes, pois de modo geral a revelação divina coincide com as recebidas por outros profetas.

A base da revelação seria um livro guardado no céu, que ele mesmo não havia lido, mas que recitou durante as primeiras revelações, e que Deus o lembrava através de espíritos ou anjos quando necessário. Segundo Maomé esse anjo era o Anjo Gabriel. Nem Maomé nem os seus contemporâneos acreditavam que ele havia realizado algum milagre, porém, a ortodoxia do profeta era baseada em sua fé, em ele próprio ia revelando trechos do Alcorão sem a possibilidade de imitação.

Segundo Vernet, este argumento para justificar a não imitação do Alcorão, deixou um campo aberto para discussões, distinto das outras religiões. E algumas obras se destacaram para a análise dessa não imitação, sendo principal delas o tratado de al-Baqillani.

Para a Karen Armstrong, a nova “seita”, por fim, se chamaria Islã (Islam: submeter-se), se expressava nas prostrações da prece ritual (Salat) que os muçulmanos deveriam realizar três vezes por dia, mais tarde, a freqüência da prece seria aumentada para cinco vezes por dia. As prostrações simbolizavam a abstenção ao orgulho e ao egoísmo, lembrando-lhes que diante de Deus eles não eram nada. O severo ensinamento do Corão também exigia que os muçulmanos dessem, regularmente, uma parte de sua renda aos pobres, sob forma de esmolas (Zakat).

E eles jejuariam durante o Ramadã para se lembrarem das privações dos pobres. A justiça social era, portanto, a virtude crucial do Islã. O primeiro dever dos muçulmanos seria a construção de uma comunidade (ummah), caracterizada pela compaixão e pela distribuição justa de riqueza. Era importante também, os esforço para viver com Deus (jihad). Se a ummah prospera-se, era sinal de que os muçulmanos estavam vivendo de acordo com a vontade de Deus.

No seu trabalho, Juan Vernet relata com muito mais detalhe e explica que durante os vinte anos aos quais se revelaram o Alcorão um tema é recolhido de modo parecido e com algumas ampliações, principalmente no período de Medina, onde lançam um foco sobre os ocorridos em Meca. O ponto principal consiste em acreditar em Deus, pedir perdão dos pecados, rezarem, evitar a mentira, levar uma vida casta e não cometer infanticídios. Esses princípios formam o ideal do homem piedoso e submetido a Deus e considera Maomé o profeta único e admoestador dos árabes.

De acordo com o autor, a pregação da boa nova foi dividida em dois grandes períodos: O período em que Maomé viveu em Meca (612-622) e o período em que viveu em Medina, ambos os períodos possuem suas subdivisões, devido aos fatores literários ou religiosos. No primeiro período de Meca (612-615) aparecem elementos escatológicos, ou seja, elementos que tens suas definições relacionadas ao juízo final mostrando Deus como senhor da justiça, e a doutrina mais próxima do cristianismo do que do judaísmo.

O segundo período de Meca (615-619) teve como característica as pressões dos politeístas contra os fiéis e até mesmo o apedrejamento, tornando-se um período de crise para a jovem comunidade muçulmana. Não existe nenhum indício que Maomé em momento algum duvidou da capacidade da realização do Deus único, e que nesse período ele foi alvo de intrigas, rasteiras, ardis, ameaças de seus inimigos, dos quais só pode escapar com a proteção dos seus parentes do clã haximita.

O último período de sua vida em Meca (619-622) inicia com a morte de Abu Talib seu tio pagão (pai do futuro califa Ali), e de Hadija sua esposa, e conseqüentemente a perda da sua proteção e as ameaças por próprios indivíduos de sua tribo.

A princípio Abu Lahab, um dos principais lideres dos coraixitas e tio de Maomé, assumiu a proteção, mas a retirou logo em seguida, no momento em que o profeta revelou que seu pai ‘Abd al-Muttalib estava no inferno por ter morrido pagão. Sem proteção fugiu para al-Talif, onde os habitantes não quiseram ouvir suas pregações. Devido a esse e vários outros fracassos fundava-se a grandeza do Islã: os profetas listados no Alcorão são puramente nacionais, só se dirigem à sua nação. A derrota com a tribo fez com que Maomé passasse a ter uma visão global da sua missão

O retorno à Meca teve a proteção de M. b. ‘Adi, durante esse período ocorreram dos fatos: sua viagem noturna aos céus e o pseudomilagre da Lua partida. Junto a esses ocorridos, outros fatores influenciaram o triunfo do Islã, como por exemplo, a conversão de ‘Umar que viria a ser o segundo califa.

Ainda de acordo com o Juan Vernet, muitas divergências internas dividiam os habitantes de Yatrib: O povo judeu e os povos árabes com suas guerras instáveis precisavam de um árbitro para sanar suas diferenças, e começaram a ver com bons olhos a possibilidade de se eleger Maomé por não ser um membro da tribo.

Durante dois anos aconteceram às negociações, e alguns hazrajitas, chegados a Meca converteram-se vendo em Maomé o profeta dos árabes, capaz de livrá-los do domínio hebreu.

Numa colina em Meca chamada de al-‘Aqaba homens de Aws e Hazhaj juraram em 621 defender Maomé, com suas próprias mulheres “e acreditar num Deus único, não roubar, não matar, não cometer adultério, não matar as filhas, não dizer mentiras e não desobedecer a Maomé”. Esse compromisso ficou conhecido como Juramento das Mulheres.

Em 622 os muçulmanos de Medina passaram a seguir Maomé. O tio do profeta al-‘Abbas mesmo pagão, advertiu os medinenses a cumprirem sua promessa, já que Maomé não estaria mais sob a proteção familiar ao deixar Meca, para garantir sua proteção, foram eleitos doze conselheiros, dos quais nove eram de hazraj e três de aws.

O autor faz uma referência sobre o numero doze e as coincidências: as tribos de Israel, os Apóstolos, os mestres maniqueus, os conselheiros de Abu ‘Amir e depois nas várias seitas islâmicas. Os medinenses prometeram defender Maomé de todos os seus inimigos, conhecidos como negros (morenos, árabes) e vermelhos (louros, bizantinos e povos não-árabes). Esse episódio ficou conhecido como “Juramento dos Homens” ou “da Guerra”. Em pequenos grupos os fiéis começaram a emigrar e junto a eles juntaram-se Maomé, Abu Bakr e Ali. Acompanhado de Abu Bakr, Maomé saiu de Meca e refugiou-se numa caverna por três dias fugindo dos coraixitas e levou mais quatro mais quatro dias para chegar a Quba, no oásis de Medina, onde foi construída a primeira mesquita.

O autor relata que existe certa unanimidade em aceitar que ele já estava nesse lugar no ano 12 de Rabiῐ, que equivale aos 24 de setembro do ano de 622, ficou conhecida como a origem da cronologia muçulmana, que desde então é regida pela era da hégira (emigração).

Durante a chegada de Maomé a cidade de Medina estava dividida: de um lado os aws e os hazraj muçulmanos, e do outro os membros dessas tribos dirigidos pelo hazrajita ‘Abd Allah b. Ubayy b. Salul, que aceitavam Maomé somente pelas circunstancias atuais (hipócritas), e ainda havia os judeus, os seus mais perigosos inimigos e um pequeno numero de cristãos que não simpatizavam muito por Maomé, devido a sua ultima passagem por Meca (619-622), em que o profeta atacou os dogmas cristológicos. 

A situação desses elementos se reflete num pacto entre os muçulmanos, que obriga a todos os crentes coraixitas e medinenses e seus vassalos; declaram que os indivíduos dessa comunidade formam uma comunidade única, ou seja, a união e a unidade são palavras-chave do islã, a unidade é porque Deus (Alá) é um só: o Deus, único.

Foi neste contexto que o islã numa espécie de sincretismo reuniu conceitos do cristianismo e do judaísmo e veio dar aos árabes um idioma comum, identidade cultural, integridade e força expansionista. Daí a ênfase na unidade: a de Deus e a dos homens em torno de Deus.

Pode-se ressaltar segundo Karen Armstrong, que a mensagem do Profeta é a mesma que a de Abraão, de Moisés, de Davi, de Salomão ou de Jesus. Maomé nunca pediu a judeus ou cristãos que aceitasse o Islã, a menos que assim o desejassem, porque suas revelações eram perfeitamente válidas. O Corão refere-se a judeus e cristãos como ahl al-kitab (Povo do Livro), e afirma que “não haverá coerção em matéria de fé”, referindo-se a estes povos de revelações mais antigas.

Uma das práticas, eram os rituais na Caaba (santuário em forma de cubo no centro de Meca), o mais importante local de veneração da Arábia. O ritual de peregrinação ao santuário em Meca era chamado de haji. Esses ritos eram conhecidos como umrah. Em Meca e nos campos vizinhos, toda violência estava proibida durante o culto da Caaba, o que foi um fator decisivo para o sucesso comercial dos coraixitas, uma vez que permitia os árabes comercializarem ali sem temer as retomadas da guerra de vendeta. Durante a haji, os peregrinos eram proibidos de portar armas, de discutir e caçar. Nos primórdios de sua missão, Maomé ainda ordenava que os muçulmanos fizessem a Salat com o rosto voltado para Jerusalém, a cidade santa do ahl al-kitab, e as costas voltadas para as associações pagãs da Caaba. O que expressava o anseio do profeta de introduzir os árabes na família monoteísta.

De início, os poderosos de Meca ignoraram os muçulmanos, mas em 616, eles já estavam furiosos com Maomé, acusavam-no de insultar a fé de seus pais e de charlatanismo, além, é claro, das visões de Maomé sobre o Juízo Final, que fazia alusão a partilha de fortunas ainda em vida, visando a salvação de cada indivíduo. Os coraixitas que estavam lucrando na nova Meca, não viam com bons olhos estas pregações, e a oposição aumentou, liderada por Abu al-Hakam (conhecido no Corão como Abu jhal), por Abu Sufyan, homem extremamente inteligente e por Suhayl ibn Amr, um pagão dedicado. Eles estavam incomodados com a idéia de abandonar a fé de seus antepassados, todos possuíam parentes que haviam se convertido ao islã, e todos temiam que Maomé estivesse conspirando para tomar a liderança de Meca. O Corão insistia no fato de que Maomé não tinha função política, mas era simplesmente um mensageiro (nadhir).

Juan Vernet aborda que Maomé reforçou a sua própria autoridade, mandando que os crentes obedeçam a Deus e ao seu enviado, pois ao contrário só encontrariam abrigo no inferno. O profeta representaria Deus e assim deviam confiar nele, porque Deus e seus anjos o protegem.

A partir daí iniciam vários ataques a caravanas sempre respaldados pelas revelações do alcorão. A seguir ele anuncia que pessoalmente ia sair de gazua e recrutar voluntários. Em 624, em Badr, Abu Sufyan conduzia uma caravana da Síria para Meca, quando foi surpreendido pelos muçulmanos, durante o sétimo dia do Ramadan, que mesmo com menor número conseguiram êxito. Os coraixitas fugiram e abandonaram a carga e vários prisioneiros, entre os quais estava o tio do profeta al-‘Abbas b. ‘Abd al-Muttalib.

Com mais esta conquista Maomé chegou a Medina fortalecido, e expos um novo programa de governo, e rompeu o pacto de 622 com aqueles que não aceitassem a nova política.

Os primeiros a sentirem as conseqüências da vitória de Badr foram os hebreus que foram expulsos para a Transjordânia. A partir daí a cada vitória ou derrota muçulmana era seguida de um ataque aos judeus, resultado da vingança de Maomé pelas perseguições sofridas em Medina. O profeta a cada vitória se sentia mais seguro em sua posição de árbitro da comunicação em Yatrib, porém, conhecendo os costumes árabes sabia que os coraixitas se vingariam mais cedo ou mais tarde, devido à derrota em Badr.

 Juan Vernet relata com detalhes uma das batalhas mais importantes, a batalha de Uhud, que apesar da suposta derrota do profeta. Com um exército com cerca de 1300 homens, em favor Medina e o exército de Meca com cerca de 3000 mil homens, foi travada uma batalha ao norte de Medina, onde o exército de Maomé foi rechaçado e obrigado a recuar devido à inexperiência dos seus homens. O profeta foi ferido e acreditava-se que estivesse morto, o que fez com que os ânimos dos muçulmanos esfriassem e muitos deles fugiram a batalha envergonhando o Maomé perante Medina.

O autor descreve o fortalecimento do poder político do profeta através de uma grande quantidade de disposições, e para evitar a confraternização dos muçulmanos com os povos de outras religiões faz restrições de algumas práticas como o consumo de vinhos, jogos de azar, limitando assim a presença muçulmana em locais públicos, onde poderiam ouvir críticas sobre sua política, legisla contra a calúnia em geral e particular, livrando assim, sua esposa preferida ‘A ixa da acusação de adultério.

Controlada a situação interna o profeta retoma os ataques aos coraixitas, e estes aguçados pelos judeus, formaram uma grande coalizão de 10.000 mil homens, destes 4.000 eram coraixitas juntamente com grupos de outras etnias para acabar com o domínio muçulmano.                     O autor descreve com detalhes no texto as estratégias usadas por Maomé para conter o avanço desse exército. Relata as fortificações de defesa, como fossas intransponíveis para os cavalos e a retirada de toda a alimentação disponível para a alimentação dos invasores.  Juan Vernet descreve ainda a vitória do fosso, e os duros castigos empregados contra os judeus e os diversos ataques as caravanas em favor do islã, onde os beduínos de Medina que no primeiro momento haviam sido hostis a Maomé o declararam Senhor dos Nômades. Existe também uma abordagem sobre alguns acordos com os coraixitas de Meca entre estes a Trégua de Hudaybiyya.

Diante das conquistas e o enriquecimento dos muçulmanos pode-se dar início à implantação das leis pelas quais, os muçulmanos deveriam ser governados. Com a expansão do islã e da deportação dos vencidos e a cessão dos seus bens aos vencedores. Os judeus foram obrigados a pagar impostos em troca de suas terras e reconheceram o islã como religião preeminente, o que também se estendeu as outras religiões.

Para Karen Armstrong em janeiro de 624, durante a qibla, Maomé “declarou a independência do Islã”, a alterar o modo de oração, que não mais seria voltado para Jerusalém, mas para Meca, onde ficava a Caaba e pela cidade não ter nenhuma ligação com o judaísmo e o cristianismo.

Um modo comum de se obter recursos para a ummah era por meio de pilhagens e investidas de surpresa (ghazu) contra caravanas ou uma tribo rival. Estes ataques tiveram êxito no início, mas em março de 624, Maomé conduziu um grande bando para o litoral para interceptar a maior caravana que partira de Meca naquele ano. Sabendo do audacioso plano de Maomé, os coraixitas mandaram um exército para defender a caravana, os muçulmanos infligiram uma derrota esmagadora aos de Meca no poço de Badr. Em 625, Meca, liderada por Abu Sufyan, infligiu uma derrota severa a ummah na batalha de Uhud, mais dois anos depois os muçulmanos arrasaram os de Meca na batalha do Fosso, assim chamada porque Maomé protegeu o assentamento cavando um fosso ao redor de Medina.

A segunda vitória de Maomé sobre os coraixitas convenceu as tribos nômades de que o Profeta era o homem do futuro, e fez com que os coraixitas parecessem antiquados. Começaram a ocorrer deserções em Meca, a fim de empreenderem a hégira para Medina. Depois de cinco anos de lutas, Maomé podia estar seguro de que a ummah sobreviveria.

Em Medina, as principais perdas deste êxito muçulmano foram as três tribos judaicas: qaynuqah, nadir e qurayzah, que estavam determinadas a destruir Maomé e que, independentes uma das outras, formaram alianças com Meca.

Depois da batalha do Fosso, quando Maomé humilhou Meca e calou a oposição em Medina, ele sentiu que era hora de abandonar a jihad e começar uma ofensiva pela paz. Em março de 628, decidiu empreender uma haji para Meca. Como peregrinos estavam proibidos de Portar armas, os muçulmanos estariam à mercê dos coraixitas hostis e ressentidos. Entretanto, cerca de mil muçulmanos se juntaram ao profeta vestindo as tradicionais túnicas brancas da haji. Os coraixitas enviaram tropas para interceptar a caravana de Maomé antes que estes chegassem à região fora da cidade onde a violência era proibida, mas o profeta burlou-os com a ajuda de alguns aliados beduínos, conseguindo chegar até os limites do santuário, tendo acampado em Hudaybiyyah e esperado os acontecimentos. Por fim os coraixitas, pressionados por esta demonstração pacífica, assinaram um tratado de paz com a ummah. Em 630, os coraixitas quebraram o tratado e um doa aliados tribais d Maomé marchou para Meca com um exército de mais de dez mil homens. Diante desta esmagadora força, os coraixitas admitiram a derrota, abriram os portões da cidade, e Maomé tomou Meca sem derramar uma única gota de sangue. Ele destruiu os antigos ídolos a volta da Caaba e tornou a consagrá-la a Alá, o Deus único. Quando Maomé morreu em 632, quase todas as tribos da Arábia tinham se associado a ummah como confederadas ou como muçulmanas convertidas.

Segundo Vernet, Maomé segue algumas etapas diplomáticas de negociações com diversas tribos, e soberanos do mundo árabe à época, inclusive Heráclito de Bizâncio e negus da Abissínia, o que segundo os cronistas significou um sentimento nacional no mundo árabe em questão. Descreve a derrota muçulmana no primeiro ataque a Bizâncio e a recepção dessa notícia em Medina e num segundo momento a vitória em 624, recuperando a relíquia da Cruz em que, segundo a tradição, Jesus havia morrido, o que resultou na conquista árabe do Oriente Próximo.

Baseado no fato dos coraixitas apoiarem as tribos de Bakr e de estes terem atacados os de hazraj, aliados dos muçulmanos, Maomé considerou rompido o acordo de Hudaybiyya e marchou sobre Meca, destruindo os ídolos e conquistando a cidade pela força, considerando assim, os seus habitantes seus escravos, seus inimigos fugiram e alguns outros foram mortos. Os mais perseguidos foram os poetas que em seus versos injuriam Maomé, e os jornalistas da época. Assim todos os coraixitas reconheceram o profeta como enviado de Deus. O autor aborda os ataques a al-Talif, a batalha Hunayn e conversão espontânea dos povos dessas cidades, mesmo sem conquistá-las. Com o triunfo das conquistas seguintes, ouve o reconhecimento das diversas tribos sobre a missão de Maomé. O autor faz uma analogia sobre os comentaristas do alcorão e faz algumas comparações com as inscrições do evangelho, relata ainda a questão do monofisismo (posição cristológica de que cristo tinha apenas uma natureza) e do arianismo (visão cristológica sustentada pelos seguidores de Arius, bispo de Alexandria nos primeiros tempos da igreja primitiva), aproximando-se do nestorianismo (doutrina cristológica proposta por Nestório, patriarca de Constantinopla), e apresentando o principio doutrinal do adocianismo (visão teológica do cristianismo primitivo, que professa que Deus nasceu humano). Descreve as mesmas convicções de muçulmanos e cristãos, quanto ao próprio Deus Pai.

A abordagem de Vernet descreve ainda os últimos momentos de vida do profeta, a vingança sobre Mu’ta, as convocações para a “Guerra Santa”, e conseqüente eliminação do politeísmo da Arábia, mandou anunciar, dando um prazo de quatro meses para a conversão de todos os povos árabes ao islã.  Maomé morreu em 632, vítima de malária.

Para a autora, depois de Maomé, os dirigentes muçulmanos deveriam decidir a forma que a ummah tomaria. Ocorreram discussões que propunham que a ummah não deveria se tornar um “Estado”, um tipo de organização política sem precedentes na Arábia. Outros achavam que cada grupo deveria eleger seu próprio imã (imam: líder). Na Arábia, os laços de sangue eram sagrados, acreditava-se que as qualidades do chefe eram transmitidas a seus descendentes, sendo assim o sistema de califado foi adotado. Foram quatro os principais califas: Abu Bakr (632-34), Umar ibn al-Khattab (634-44), Uthman ibn Affan (644-56) e Ali ibn Abi Talib (656-61).

Destaca-se ainda, o período do califado omíada, que promoveu o desenvolvimento das cidades com a agricultura, a construção de centros intelectuais, a expansão do Islã, a centralização do poder e a mudança da capital para Damasco.

Para Vernet, os estudiosos do Alcorão encontraram muita dificuldade para descrever os versículos numa seqüência lógica dos eventos durante as revelações, e não se sabe ao certo aonde realmente esses versículos foram revelados, devido às várias repetições em diversas suras. Juan Vernet ciente dessas dificuldades utiliza no seu texto uma ordem cronológica para estudar a evolução do Livro, o autor não relata aonde ocorreram os acontecimentos, se foram em Meca ou em Medina.

 Vernet aborda os principais temas mostrados no Livro Sagrado, que começam nos dogmas do Islã e vão até preceitos de comportamentos seguidos pelo mundo islâmico.

O primeiro tema é a onipotência de Deus e sua unicidade; o segundo e a existência de profetas anteriores a Maomé, como Abraão, Noé, e também a Jesus; o terceiro a confirmação da sexta-feira como dia de oração pública e o estabelecimento de regras de ablução (limpeza dos braços e do rosto antes da oração; o quarto serão os rituais a serem observados durante o jejum do Ramadan e durante as peregrinações; o quinto é a manutenção da lei de talião.

Quando Maomé faleceu, já se havia estabelecido os cinco pilares das obrigações do muçulmano: acreditar na unidade de Deus; cumprir as orações prescritas, cinco vezes por dia; pagar o imposto (Zakat) destinado aos muçulmanos pobres; fazer o jejum no mês do Ramadan; e realizar a peregrinação (Hajj), pelo menos uma vez na vida, até Meca, desde que o fiel tenha condições.

Referências

VERNET, Juan. In: As origens do Islã. São Paulo: Editora Globo, 2004.

ARMSTRONG, Karen. In: O Islã. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001.