José Régio e Miguel Torga tinham peculiaridades e impreterivelmente cravavam em suas poesias sons articulados e sílabas com significações.Para estes poetas a vida era inspiração e as palavras tinham um brilho fora do vulgar.Os vocábulos representados graficamente,revelam o que há de mais elevado  nos sentimentos,nas ações humanas.

         As poesias desses autores apresentam uma oposição entre o estado de rebaixamento servil e a consciência individual,a condição humana é refletida através da negação dos conjuntos de princípios já determinados,através de uma verificação da livre escolha e da eficácia da auto-afirmação.A individualidade leva esses autores a um pensamento totalmente voltado para o ‘‘eu’’ pensante, para uma originalidade fora do comum,ao mesmo tempo se percebe um certo isolamento dos autores nas poesias,os poetas preferem expor o que a vida  revela e faz caminhar absolutamente só.Há uma busca subjetiva pelo que é necessário,pelo que modifica a existência humana ou acrescenta a ela.

         Dotado de uma elevação excepcional e primorosa, José Régio em ‘‘Cântico negro’’ preenche essa poesia com propriedades que simulam ter um ímã e uma agulha magnética  para tomar a direção dos polos.O fato de existir,para Régio, conserva a  força e promove as necessidades da vida,a confissão é algo importante em‘‘Cântico negro’’,o poeta  leva o leitor a enxergar o que ele quer passar através de um modo peculiar de dizer as coisas.‘‘Não,não vou por aí,só vou por onde me levam meus próprios passos...’’,Régio com sua presença existencialista revela um pacto com a sua realidade e suas vontades,o que é importante é o ato ou ação que deve ser realizada. Amar a vida,a existência ,os desafios,as realidades vistas e ouvidas, tudo isso faz parte deste poeta esplendoroso e real: ‘‘Amo os abismos,as torrentes ,os desertos...’’.

          Notadamente o ‘‘eu’’está presente em suas poesias ,Régio expõe uma reflexão absolutamente intrínseca e isolada.O mundo exige um consciência existencial e cheia de aspectos reflexivos e para isso ocorrer é preciso que haja seres humanos conscientes e despertos.José Régio manifesta,um homem que carece daquilo que subsiste por si próprio,do absoluto,um homem imergido em cenários nos quais o tempo e o espaço se tornam grandezas relativas.A angústia está presente em suas palavras,o estado de grande inquietude parece apertar o coração através do sofrimento e aflição.Essa angústia revela uma necessidade de viver,o vazio em si persiste e  de ponto em ponto intensifica essa necessidade vital.

        Esse sofrimento faz surgir um defrontar contínuo entre a sua peculiar consciência e o ‘‘eu’’ pensante.Há de se enxergar que em ‘‘Cântico negro’’, Régio confessa publicamente  o desejo de uma liberdade subjetiva,individual e nega  uma convocação social que é dependente de regras. A voz da pessoa que fala com outra em ‘‘Cântico negro’’, é direcionada a pessoas que estão totalmente envolvidas pela cultura social,a manifestação do pensamento na frase:‘‘vem por aqui’’,que repetidas vezes aparece,expressa um ordem vinda de forças humanas exteriores,que impõem ordens e comandos,mas o autor nega essa imposição,esse comando e por ter um espaço percorrido pelas próprias forças e discernimentos,escolhe ser livre em tudo,expondo uma vida sem regras,sem determinações e sem autoridade.

            A valorização do ‘‘eu’’pensante é o que importa para José Régio e a manifestação de seu pensamento é livre e mostra que autor valoriza a sua qualidade interior sem depender de outros para determinar essas qualidades,sem precisar de alguém para dizer que caminhos seguir.O olhar de Régio mostra ‘‘ironias e cansaços’’,porque ele enxerga um mundo que separa o ‘‘próprio existir’’ do ser.Este autor é totalmente consciente de sua liberdade,o ‘‘ali’’e o ‘‘aí’’,não o convence,nem o toma e a sua liberdade de escolha é o que importa,pois prefere manter distância de tais referências metafóricas do seguir algo que a maioria escolheu.

            Miguel Torga inicia o ‘‘livro das horas’’ com a marca do ‘‘aqui’’,esse espaço demarcado revela um pensamento intenso consigo mesmo,um certo enfrentamento interno,uma confissão. Nota-se a repetição do termo ‘‘me confesso’’,onde o autor se entrega a um verdade subjetiva envolta por características opostas do próprio ser.Essa antítese revelada no poema, remete o leitor a enxergar a essência humana impregnada de verdades humanas tingidas por  um auto-aceitação.

           Em ‘‘cântico negro’’ Régio ‘‘se’’ confessa,Miguel simplesmente confessa  em ‘‘o livro das horas’’,as palavras fortes de Régio são profundamente sentidas e absorvidas de forma direta,pois a mensagem  que ele passa tem essa profundidade subjetiva e espetacular,já Miguel Torga com características  confessionais ,mostra um valor e uma verdade naquilo que confessa para si.Aquilo que é tido como desvio de conduta ,para ele é condição,assim ele é ‘‘o dono das minhas horas.O das facadas cegas e raivosas e o das ternuras lúcidas e mansas’’.

        Confessar,para Miguel é não mentir para si mesmo, é estabelecer uma certa liberdade,é valorizar a verdade,encarar o que ‘‘é de fato’’,ser sincero,isso é o que salva e o que leva a  vivenciar os próprio desejos,quem mente tem medo de vivenciar os próprios desejos. O comportamento humano em ‘‘livro das horas’’marca a presença de dualidades,de conflitos que levam a uma expressão poética voltada para conceitos que não são absolutos,que são idéias relativas ligadas ao comportamento humano. O ‘‘eu’’ do poema se coloca em oposições sem se fixar em algo,o ser está localizado no mundo,entre oposições que se revelam através dos elementos encontrados no poema 

        O ser é tratado no poema de Miguel,como um ser abandonado,que se deixa viver nos espaços significativos e referenciais de forma experiencial e reveladora de instâncias instaladas pela humanidade,assim ele aceita a condição,o espaço entre ‘‘o bem e o mau’’,mesmo porque esse dualismo nasceu dentro dele,ele está condicionando a uma instancia relativa e não absoluta.Ao longo do poema o autor utiliza referências bíblicas para fazer os dualismos,o poeta permite variar e tira do nada uma manifestação sobre sua existência.

          Comparando o‘‘Cântico negro’’ e o ‘‘Livro das horas’’,o homem é expresso em sua situação de forma consciente e individual,através de uma existência que acontece numa continuidade  presente.A devoção a vida é transcendental e o ‘‘eu’’ poético aproveita a liberdade total e dá lugar a uma devoção que ‘‘explica aquilo que está acima da razão ou da experiência na vivência natural,na experiência elevada do ser.’’

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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LISBOA,E. José Régio:uma literatura viva. 2 ºEd.Lisboa: Instituto de Cultura  e  Língua Portuguesa,1992.

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______. A literatura portuguesa através dos textos. 29ª edição. São Paulo: Cultrix, 2004.

SARTRE, J.P.Que é a literatura ? 2ª ed. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1993.