Análise comparativa entre o texto "A escravidão na África: Uma história de suas transformações" de Paul Lovejoy e o filme "Amistad" de Steven Spielberg.

RESUMO:

Este trabalho apresenta uma comparação entre o texto "A escravidão na África: Uma história de suas transformações" e o filme "Amistad" de Steven Spielberg, os quais foram analisados e comparados, e assim verificar alguns pontos em comum entre as duas obras, no que diz respeito à captura, tratamento a bordo dos navios negreiros, cultura, tráfico atlântico e os escravos enquanto propriedade.

PALAVRAS-CHAVE:

Escravidão; tráfico atlântico; propriedade.

Iniciaremos nosso trabalho, levando em consideração as sociedades envolvidas, o tempo e os locais dos fatos ocorridos. O filme Amistad é baseado em fatos reais, e relata a captura de escravos pelos próprios africanos em Serra Leoa na África, o embarque no navio negreiro "La Amistad" de origem espanhola e o transporte desses escravos, a fim de serem comercializados pelos europeus e ainda, demonstrações culturais presentes no seu roteiro serão à base desta análise.
Segundo Paul Lovejoy, o tráfico de escravos era uma das formas de comércio, altamente lucrativa, já exercida pelos mercadores fenícios. Nas sociedades mediterrâneas gregas e romanas, os escravos constituíam um importante "artigo" comercial. Os indivíduos eram capturados em incursões noutros territórios, nas guerras ou vendidos pela aristocracia tribal. Os seres humanos, incluindo crianças, eram negociados nos mercados como animais ou qualquer outra mercadoria. Em alguns centros de comércio havia mercados especiais de escravos. De acordo com o autor, a escravidão quase sempre tinha início por meio da violência. . No filme Amistad, este fato fica bem claro, na cena em que o líder Cinque, relata ao advogado a maneira como foram capturados, desde o momento em que uma tribo rival captura um grupo de escravos, como se fossem animais, até o momento em que são levados para o Amstad, relatando também como os outros o escolheram como líder.
Percebemos no filme que na África, existia um comércio interno que era integrado a um comércio de exportação. E as rotas terrestres de comércio levavam, além dos escravos, outras mercadorias carregadas por eles próprios. Podemos perceber nessa análise, duas Áfricas que se apresentavam integradas: a do interior e a do litoral; a primeira que produz e fornece escravos e produtos diversos ao litoral, dele recebendo o que lhe serve ao consumo e propriedade; a última, que recebe do interior aquilo que deseja consumir e obter, além dos produtos que deseja exportar (escravos inclusive).
Segundo Paul Lovejoy, o tráfico era quase sempre organizado através de "contratos" entre parceiros comerciais europeus e africanos. O recrutamento era confiado a "pombeiros" uma espécie de atravessador, como mostra o filme em umas das cenas onde aparecerem esses comerciantes negociando com os africanos. Os europeus não se envolviam diretamente na caça aos escravos e preferiam comprá-los aos africanos que se encarregavam de capturar. Os mercadores europeus permaneciam junto à costa onde os seus parceiros comerciais acorriam para entregar os escravos capturados em guerras ou em ataques organizados, em troca dos mais variados objetos, em geral de pouco valor. O grande desenvolvimento do tráfico de escravos negros, na segunda metade do século XVIII, foi aumentado pela necessidade mão-de-obra para as plantações tropicais americanas principalmente de cana-de-açúcar e de algodão.
O filme mostra em uma cena o embarque dos escravos no navio negreiro, no qual, observa-se a tentativa de implantação da cultura do europeu e, rapidamente aparece à figura de um padre ou jesuíta, que talvez esteja batizando ou abençoando os escravos. Além dos islamizados, muitos africanos já chegavam a América como católicos devido à pregação de missionários que se instalaram na África desde a segunda metade do século XV. Podem-se observar ainda no filme, algumas manifestações culturais por parte dos escravos, aonde ao perderem um componente de seu grupo que veio a falecer enquanto aguardavam o julgamento, eles cantavam invocavam seus deuses e queriam enterrar o corpo para não serem assombrados, porém não eram compreendidos e as pessoas estavam assustadas com aquelas cenas.
Lovejoy cita em seu texto que em nenhum momento eles se disponibilizaram em divulgar suas culturas para o resto do mundo, explicando a não compreensão daquelas pessoas em relação àquelas manifestações e através do intercambio cultural e o trafico de escravos suas identidades acabaram sendo afetadas.
Em seu texto, Paul Lovejoy afirma que a escravidão é uma forma de exploração, caracterizada pela transformação de indivíduos em propriedade. Segundo o autor, aqueles que tinham sua liberdade negada, além de sofrer coerção no sentido do trabalho, perdiam até o direito sobre sua própria sexualidade, e por extensão, a reprodução. As instituições sociais não contemplavam legalmente os escravos como pessoas, mas como bens móveis, sendo tratados como mercadorias. Ainda segundo Lovejoy, a escravidão pode ser definida como "um meio de negar aos estrangeiros os direitos e privilégios de uma determinada sociedade, para que eles pudessem ser explorados com objetivos econômicos, políticos e/ou sociais", embora a palavra "estrangeiro" pudesse ser facilmente substituída por estranho.
No filme existe uma cena em que mostra Jose Ruiz e Pedro Montez ajuizarem petições judiciais nos EUA, nas quais alegaram ter a propriedade dos negros e das mercadorias a bordo de L?amistad. Posteriormente, o Governo Espanhol interveio na questão e alegou a existência de um tratado entre os Estados Unidos e a Espanha sobre ataques de piratas em alto mar e pediu o cumprimento do tratado.
O filme mostra ainda uma questão delicada acerca mortalidade dos escravos que segundo a historiografia tradicional podia alcançar índices impressionantes de perdas geralmente ocorridas no transporte a bordo dos navios negreiros, segundo Lovejoy alguns índices apontavam a morte de quase metade da quantidade de escravos embarcados no continente Africano. Uma das imagens mais chocantes do filme mostra a mercadoria (escravos) sendo jogado ao mar, ou por doenças, falta de comida e até mesmo para evitar que fossem flagrados por navios ingleses, devido ao embargo comercial e a proibição do tráfico de escravos. Mostra também os castigos a bordo e a maneira como eram alimentados e transportados.
Paul Lovejoy esclarece que as estimativas de mortalidade no tráfico de escravos geralmente são direcionadas para as baixas ocorridas durante as viagens por mar, quer dizer, para os cálculos contam-se somente as ocorrências de morte na travessia. Mas, se consideradas as perdas ocorridas antes do embarque, agregando todo o percurso feito e não somente a travessia, certamente as projeções seriam mais elevadas. As mortes também eram comuns nas marchas para os pontos de embarque. (LOVEJOY, 2002, p. 110).
A natureza do regime de escravidão comprova como ele era discriminatório por tratar pessoas como objeto. O artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, da qual o Brasil faz parte, diz em seu § 4º que "ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas". O filme mostra claramente como é importante a valorização dos direitos humanos e como a dignidade da pessoa humana deve ser o eixo central de todo o ordenamento jurídico.
O filme Amistad não se limita apenas a mostrar a realidade abolicionista. Mostra como a atuação de advogados, e de suas argumentações, influiu na transformação das instituições e das sociedades. O filme mostra como os negros eram capturados na África, transportados para América e comercializados. A partir da análise desse filme com o texto de Paul Lovejoy, foi possível discutir vários aspectos da história e do tráfico atlântico de escravos. Outra questão levantada referiu-se ao "sistema escravista" e a sua importância na economia colonial.


REFERÊNCIAS
AMISTAD (EUA, 1997, direção de Steven Spielberg, produção Dreamworks) ELENCO: Morgan Freeman, Anthony Hopkins, Matthew Mc Conaughey, Nigel Hawthorne, Djmon Housou, David Paymer, Anna Paquin; 162 min.

LOVEJOY, Paul. A Escravidão na África ? uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


Everaldo Rufino da Silva
Graduando em História
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