Formação do Estado Absolutista, visão anacrônica-  Paulo Cesar Lopes

Como o estado absolutista influenciou tanto o capitalismo, bem como no comunismo?

Marx escreveu na sua maturidade:  "A liberdade consiste na conversão do Estado de órgão sobreposto à sociedade em órgão completamente subordinado a ela, e também hoje as formas do Estado são mais livres ou menos livres na medida em que restrinjam a 'liberdade' do Estado".

Marx, que via nas monarquias absolutistas um aparato construído pelo capital burguês, ou seja, apontava indícios do surgimento do Estado burguês nas estruturas monárquicas. Dessa forma, em Marx as monarquias absolutistas eram um instrumento tipicamente burguês, pois, as estruturas que compunham o Estado possibilitavam o fortalecimento da classe burguesa em ascensão, possibilitando o desenvolvimento do Estado Moderno. O poder do Estado estava centralizado nas mãos de um grupo, ou representado na figura de uma pessoa, mas não nos moldes das monarquias medievais.

Será que o conceito de Marx realmente sobre o fortalecimento da burguesia através do estado absolutista é realmente condizente? Foi mesmo o absolutismo a transição do Feudalismo para o capitalismo? O Feudalismo deixou de existir mesmo? Em que tipo de sociedade nos dias de hoje podemos perceber de fato a influência direta do absolutismo? Para que estas perguntas sejam respondidas, precisamos fazer uma análise e discussão dos pontos principais desta discussão que envolve o  estado absolutista.

Qual a origem dos poderes dos reis?  Essa origem pode ser observada de uma forma paradoxal, pois o clero e a nobreza com medo das revoltas camponesas e com a iminente opção da perda do poder, procuraram direcionar a manutenção do poder através de um poder central, no qual o rei representaria tal posição, mas em certo sentido, atendendo os anseios da aristocracia. No entanto, é digno de nota que a ascendente burguesia até certo ponto passa a contribuir para a centralização do poder através de um monarca, pois desta forma, pensavam eles, conseguiriam diminuir o poder do clero e da nobreza que com o tempo tal perspectiva se tornara-se  um lido engano porque muitos monarcas passaram a se apoiar em suas posições baseados em pensadores teóricos do absolutismo, tais como: Nicolau Maquiavel (1469-1527), em sua obra O príncipe (1513), que procurou demonstrar como um soberano deveria agir e que recursos deveria empregar para conquistar e manter o poder, dando ênfase ao caráter militarista do governante; Thomas Hobbes (1588-1679), em sua obra Leviatã (1651), afirmava que o poder absoluto do rei derivava de um “contrato social” que os homens teriam feito com os soberanos para preservação de suas vidas, que aparentemente direcionou as pessoas em direção a um Feudalismo “mascarado”; Jacques Bossuet (1627-1704), em sua obra Política tirada da Sagrada Escritura (1709), argumentava que o poder do rei provinha de Deus e por isso era incontestável. Esta concepção ficou conhecida como teoria divina do poder real. Logo, estes pensadores prepararam o terreno para que estes monarcas reivindicassem o direito de governar e ditar as normas daqueles que estavam debaixo de seu poder.

Analisando a formação do Estado absolutista em três campos de suma importância, o social o econômico e  o político teremos condições de mensurar o desenvolvimento do estado absolutista e sua atividade durante a Idade Moderna. E este aparente nascimento do Estado absolutista que segundo Marx e Engels em linhas simplórias foi um sistema de Estado que equilibrou a burguesia e a nobreza, isso segundo o entendimento deles; eliminou o sistema de trabalho Feudal e instituiu o trabalho assalariado  ocasionando uma dominação direta do capital. No entanto isto não aconteceu desta forma, porque  que o Sistema Feudal não desapareceu de uma forma simples, mas sim este sistema andou paralelamente com o estado absolutista, e  ainda anda com os sistemas vigentes que estão em atividade no mundo contemporâneo, claro que adaptado ou camuflado sob as várias facetas quer seja do sistema econômico, social ou político. Neste ponto minha linha de pensamento converge com a de Perry Anderson, pois para ele o absolutismo na verdade foi uma forma da aristocracia manter o poder porque a sua base se fundava em um Estado fundamentado na supremacia social da aristocracia tendo em vista a manutenção da propriedade fundiária confiando um poder à monarquia e ao mesmo tempo permitindo o enriquecimento da burguesia, mas não permitindo a esta última certa mobilidade social de caráter significativo, e em contrapartida, da mesma forma que os camponeses do período feudal, as massas continuariam à mercê da aristocracia. Sendo que esta colocação de Anderson tem pleno sentido devido ao fato do sistema absolutista não ter acabado com as várias dinastias existentes na Europa que perduraram até o início do século 20, dinastias estas que impelidas pela manutenção do poder, proporcionaram os diversos conflitos militares que ajudavam a manter o estado absolutista tanto ativo, bem como dominante (a visão arcaica de Maquiavel na sua obra, o príncipe, deixava claro a política belicista do estado absolutista). Em suma podemos destacar que o estado absolutista não necessariamente era um estado capitalista porque em palavras simples enfatizadas em sua obra, Perry Anderson afirma que, “o Estado absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia, e menos ainda um instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia: ele era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada”. É digno de nota ressaltar que a relação comercial advindas da expansão marítima contribuiu para o desenvolvimento comercial e o acúmulo de capitais, no entanto, vale ressaltar que o objetivo do estado absolutista não era necessariamente aumentar a relação comercial, pois os monarcas desejavam manter  poder, a riqueza e o controle político, tanto que o monopólio comercial instituído com as colônias era uma forma de fazer com que a produção da mesma fosse convertida em riquezas para metrópole, cujo os monarcas reivindicavam o quinto do que era produzido na colônia, sendo que neste caso temos a Espanha como exemplo, em especial no período da  União Ibérica. Destarte a atividade que hoje chamamos de capitalismo não foi planejada, mas surgiu gradativamente de acordo com as necessidades da época porque com o acúmulo de metais preciosos e a sua utilização constante no mercado vigente, além da intensa atividade comercial no período moderno, fez surgir inúmeras situações e algumas profissões para que as pessoas pudessem lidar com esta “nova” forma de fazer negócios; a título de exemplo, os banqueiros, contadores, letras de câmbios e demais instrumentos necessários para o desenvolvimento deste comércio que se tornara bem latente.

O Estado absolutista e sua formação são precedidos da formação de uma nova monarquia renascentista, como isso aconteceu? Com a difusão distorcida do direito Romano, começando na Itália e se espalhando pelo resto da Europa, em especial com a concepção clássica deste direito que enfatizava a propriedade privada. Por este motivo, é interessante ressaltar que na formação de uma nova conjuntura, quer seja social, quer econômica, quer seja política, na verdade o “novo” nunca parece existir, mas sim o “velho” que se transforma no novo, ou seja, o interesse de certo grupo ou sociedade dominante é o que mais interessa; não que se possam controlar totalmente os acontecimentos humanos, pois alguns acontecimentos podem tomar rumos totalmente inesperados, não obstante, a tentativa da manutenção de certa situação por aqueles que anseiam o poder ou desejam manter a manutenção do mesmo, na maioria dos casos vai além do que nós seres humanos, “simples mortais”, possamos entender. Nesse contexto Perry Anderson nos dá uma explicação plausível sobre esta manipulação do direito Romano na questão do uso da propriedade e suas finalidades. Perry deixou claro que o ressurgimento da ideia de propriedade privada absoluta da terra foi produto do início da época moderna, logo, quando a produção e a troca de mercadorias atingiram níveis globais os conceitos jurídicos criados puderam ganhar influência. Com a máxima de Ulpiano; “a vontade do príncipe tem força de lei”, deixou bem a mostra que reis e príncipes estariam isentos de restrições legais, visto desta forma, pode-se dizer que o direito romano realmente era uma poderosa arma intelectual para que pudesse ocorrer uma integração territorial e um centralismo administrativo. Vale ressaltar que a Igreja foi justamente a primeira a usar desta prerrogativa, sendo que tal posição adotada em especial pelo papado criou jurisprudência para que príncipes e reis usassem da mesma prerrogativa, por este e outros motivos apresentados, é imperativo citar que a formação e atuação do estado absolutista não foi correspondente ao sistema capitalista, pois podemos destacar algumas diferenças que podem colocar em cheque a afirmação de alguns teóricos do estado absolutista. Em tese, é sempre bom lembrar que o estado absolutista era alimentado pela guerra com seu sistema de exércitos de mercenários e que segundo Bodin, se os nobres treinassem os exércitos de camponeses os mesmos poderiam se virar contra eles, já no sistema capitalista os exércitos são compostos de voluntários em sua grande maioria da própria nação, a centralização do sistema administrativo é também uma característica do absolutismo, com um alto e complexo sistema burocrático que não facilitava o livre comércio e não era uma estrutura propriamente mercantilista na qual a relação comercial permeava em torno da balança comercial favorável(superávit) ou desfavorável(déficit), bem como não era propício a política do  laissez-faire,  laissez aller, laissez passer, ou seja, deixai fazer, deixai ir e deixai passar.

Será que o conceito de Marx realmente sobre o fortalecimento da burguesia através do estado absolutista é realmente condizente? Diante do exposto é imperativo notar que a burguesia conseguiu certa projeção e certo fortalecimento não ao ponto de conseguir uma expressiva mobilidade social, porque a aristocracia continuou a manter o poder , em especial na colocação e retirada dos monarcas, que no fundo não possuíam todo este poder mencionado por vários historiadores, pois se assim o tivesse, não seriam eleito pelos nobres e com certeza não pediriam as sua “benção” para exercerem o seu suposto direito de reinar e o extensivo histórico das guerras de sucessões causadas pelos nobres em suma dá o verdadeiro significado de quem realmente ditava as normas durante o absolutismo.

 Foi mesmo o absolutismo a transição do Feudalismo para o capitalismo? Não necessariamente porque durante esta dissertação foram destacadas algumas significativas diferenças de finalidade dos sistemas mencionados, mas até certo ponto, podemos fazer um correlacionamento dos sistemas porque durante certo período da Idade Moderna, o absolutismo operante contribuiu sistematicamente para o surgimento do capitalismo porque a sua prática comercial de expansionismo ajudou, mesmo que não proposital o desenvolvimento do comercio, a ampla circulação de metal e a necessidade de nova composição nas atividades comerciais em especial na Europa, no entanto muitos observadores deixam de enxergar que a máxima absolutista na verdade é mais voltada para o socialismo contemporâneo do que ao capitalismo mercantilista destacado por vários autores.

 O Feudalismo deixou de existir mesmo? Não acredito, pois da mesma forma que destaca Perry Anderson, os sistemas andaram em paralelo durante um bom período, mas segundo meu entendimento o sistema feudal é ainda operante na contemporaneidade de uma forma camuflada, não obstante bastante parecida com sistema da Idade Média. Neste sentido não é muito difícil apontar semelhanças desta afirmação. Vejamos como isso pode ser feito. Composição básica do Sistema Feudal: clero, nobreza e os camponeses, na sequência a burguesia. Como podemos tipificá-los hoje usando o próprio exemplo do Brasil? A aristocracia dominante pode ser hoje representada pelo poder executivo, legislativo e judiciário; os renascentistas podem ser representados pelo “quarto poder”, a imprensa, juntamente com a classe artística que também possui um grande poder de influências; os camponeses seriam a povo em geral, a base da pirâmide social; e a burguesia não precisa de representatividade porque ela continua a mesma dos tempos passados, é claro que com muito mais força e maior mobilidade social, mas nunca atingindo o topo, por mais que queiram, porque a aristocracia atual nunca permitiu que isso acontecesse por este motivo os burgueses atuais estão tentando através das delações premiadas atingirem a estrutura da aristocracia dominante, mas que em certo sentido não será de todo eficiente porque é justamente esta aristocracia é quem dita às normas legais vigentes neste país, quem as aplica e quem as julga. Enfim, mesmo não desejando caracterizar a história como linear, pois com a escola dos Annales e o estudo da Historiografia, incluindo os pensamentos de Hayden White, percebemos que o comportamento do ser humano é bastante importante para a composição da História, mas dizer simploriamente que na História só mudam os figurantes porque o cenário aparentemente é o mesmo  e grotescamente dizendo, a História é a mesma com suas variantes não é nenhum absurdo.

Em que tipo de sociedade nos dias de hoje podemos perceber de fato a influência direta do absolutismo? Voltando em Marx e Engels, é interessante observar que os seus comentadores atuais às vezes cometem certo anacronismo porque quando analisam estes autores, infelizmente o fazem baseado em suas épocas. E justamente por causa disso, pode-se ocorrer uma compreensão errada sobre justamente aquilo que o autor queria dizer. Tomemos por base o próprio no Renascimento. Quem deu este nome para o movimento? Foram os autores da época, contemporâneos dos acontecimentos, pois segundo a visão deles, daquela época, aquele movimento era como se fosse realmente um renascimento. Então, não seria interessante entender o que os contemporâneos de Marx e Engels falaram sobre eles, em vez de tentarmos adivinhar o que eles pensavam? O interessante é que Marx falava sobre o controle do povo sobre o Estado, não o Estado controlar o povo, daí, pode ver uma má aplicação nos dias de hoje de alguns países que se dizem comunistas, pois a palavra comunista por si só já fala sobre a questão do comum, igual para todos. Ora se o Estado se sobrepõe ao povo, como esse Estado poderá falar sobre igualdade, ou comum para todos? Se este mesmo Estado confisca a produção de seu cidadão mesmo que ele trabalhe em outro país, onde estará ali a igualdade? Ou seja, os princípios marxistas aplicados ao absolutismo como base do capitalismo parecem ser falhos porque como Marx não está no presente momento entre nós, infelizmente ele não teve a oportunidade de observar que nos dias de hoje que  modelo absolutista está mais próximo dos países ditos comunistas do que os ditos capitalistas. Por que tal afirmação? Não é muito difícil observar semelhanças nas ditas nações comunistas com o absolutismo, tais como: a centralização do poder, o uso das forças militares (a diferença atual é que o exército não é composto de mercenários, mas de qualquer forma é obrigatório) para se manter o estado, o controle da terra , a sublevação dos direitos do povo através de normas extensas e não flexíveis, a difícil mobilidade social, a existência de um “clero e nobreza” dominante que de certa forma determina o rumo da nação. Não obstante estas mesmas nações que se dizem comunistas, até certo ponto desenvolvem características que são conhecidos como capitalistas, fazendo-nos lembrar da natureza híbrida do absolutismo que até certo ponto, e segundo o entendimento de vários historiadores, tinha alguma característica mercantilista, ou ajudou no desenvolvimento das mesmas.