ANÁLISE ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL COM ÊNFASE NOS DANOS AMBIENTAIS.

Mariana Bezerra Farias Sales (IC)*, Endrigo Suehiro Obara ²

*Universidade de Fortaleza – Curso de Direito. ([email protected])

² Universidade Federal do Ceará – Curso de Direito. 

Palavras-chave: Responsabilidade. Poder Público. Dano. Reparação. Meio Ambiente. 

Resumo

O presente estudo pretende oferecer uma visão geral acerca das teorias da responsabilidade, com ênfase nos danos causados ao meio ambiente, tendo em vista que o tema está em processo contínuo de evolução e que repousa no princípio de que o dano merece reparação e que os custos devem ser arcados por quem lhe dera causa, direta ou indiretamente. Diante desta realidade, percebida a degradação ambiental e as suas conseqüências para o homem, medidas normativas foram elaboradas com o objetivo de harmonizar os interesses sociais. Em face do dano ambiental, além da penal e da administrativa, surge a responsabilidade civil, que no ordenamento jurídico brasileiro adota a tese objetiva sob a modalidade do risco integral.

Introdução

 A noção de responsabilidade está intimamente relacionada à ideia de “resposta”, que, por sua vez, tem origem latina. Nesse sentido, quando o Direito aborda a responsabilidade, presume-se, de plano, uma situação na qual alguém deve responder perante a ordem jurídica em razão de um fato (comissivo ou omissivo) anterior. Convém destacar que o fato gerador da responsabilidade poderá ser lícito ou ilícito, apesar de normalmente decorrer do último. 

Entretanto, o fundamento da responsabilidade patrimonial estatal dar-se-á a depender da natureza do fato. Nos casos dos atos lícitos, o fundamento será o princípio da distribuição igualitária dos ônus e encargos a que estão sujeitos os indivíduos. Existindo, todavia, um fato ilícito, ou seja, marcado pelo descumprimento da lei, o alicerce será a própria violação da legalidade.

Assim, a responsabilidade civil do Estado retrata a obrigação que lhe é atribuída de recompor danos causados a terceiros em decorrência de postura unilateral (comissiva ou omissiva; lícita ou ilícita; material ou jurídica) que lhe seja imputável.

Ademais, ressalte-se que um dos temas de maior enfoque atualmente refere-se à responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, exigindo-se que tais danos sejam sempre reparados, conforme o art.225,§3º da Constituição Federal. No ordenamento jurídico brasileiro existem inúmeros dispositivos concernentes à questão, dentre os quais se podem citar: Constituição Federal – art.225, §§2º e 3º; Lei Federal nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente); Lei Federal nº 6.453/1977 (trata da responsabilidade em virtude de danos nucleares); Lei nº 9.605/1998 – Art.3º.

A responsabilidade administrativa ambiental distingue-se da responsabilidade civil ambiental por algumas razões. Primeiramente, a administrativa é marcada pela imposição de uma sanção dessa natureza ao agente causador do dano; já a civil possui um caráter reparatório, buscando recompor o status quo do meio ambiente atingido (quando possível) ou indenizando. Além disso, a responsabilidade administrativa ambiental é extracontratual subjetiva (é a regra); ao passo em que a civil ambiental é objetiva (caráter excepcional).

Metodologia

Este trabalho requer conhecimentos em direito administrativo e em direito ambiental. A metodologia utilizada, para a realização desta pesquisa, foi o levantamento bibliográfico de fontes nacionais, e legislações federais, tentando compreender a relevância da responsabilidade civil com ênfase na questão ambiental. Ademais, foi realizada coleta de dados específicos em páginas especializadas na rede mundial de computadores (internet), bem como em revistas jurídicas que abordam o tema em questão.

Resultados e Discussão

 No que tange à obrigatoriedade que o Estado possui de recompor o patrimônio diminuído, a Administração Pública presenciou fases distintas, indo da irresponsabilidade para a responsabilidade com culpa, e desta para a sem culpa, nas modalidades do risco administrativo ou integral. Alguns estudiosos, como Celso Antônio Bandeira de Mello, entendem que a sociedade caminha no sentido da teoria do risco social, pela qual o Estado responde mesmo pelos danos que não lhe são imputáveis.

Em meados do século XIX, no mundo ocidental, entendia-se que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados pelos seus agentes, em respeito às condições políticas da época. Nos estados absolutistas, a Administração Pública não tinha qualquer obrigação de indenizar os prejuízos advindos, tendo como fundamento a tese de que o Estado não poderia causar males ou danos aos indivíduos. 

A teoria da irresponsabilidade do Estado cedeu espaço à do Estado de Direito, segundo a qual deveriam ser atribuídos ao ente estatal os direitos e os deveres comuns às pessoas jurídicas.

Posteriormente, surgiram novas teorias que afastavam essa postura intangível, passando o Estado a ser responsabilizado pelos seus atos. Todavia, tal evolução deu-se de forma desorganizada, sem fases bem definidas e sequenciais.

A responsabilidade com culpa civil do Estado instaurou-se sob a perspectiva do liberalismo, que, para fins de indenização, equiparava a Administração Pública ao particular. Com base nisso, o ente estatal teria que indenizar sempre que seus agentes houvessem agido com dolo ou culpa. Ademais, cumpre mencionar que a reparação do dano exigia a ocorrência de três requisitos, a saber: a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre estes.

Em razão da evolução por que passaram as sociedades no decorrer do século XX, a ordem jurídica de certos Estados começou a perceber que a Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva padecia de males, pois, dentre outros motivos, não era justo condenar alguém a reparar um dano que, efetivamente, este não teve a intenção de causar a outra pessoa.

Assim, por volta de 1950, eclodiram movimentos sociais que impulsionaram uma nova responsabilidade civil, cujo principal foco era a reparação do mal, e não a busca pela responsabilidade pela prática do ato. Dessa forma, com base no fortalecimento da noção de supremacia do interesse público e da abordagem coletiva dos institutos jurídicos, com a crescente proteção dos interesses difusos, a responsabilidade apoiada na culpa perdeu espaço. Surgiram, então, as teorias objetivas.

A teoria da responsabilidade civil objetiva baseia-se na ideia de que toda atividade que origina um risco para outrem torna o seu autor responsável pelo dano que poderá advir, ainda que inexista culpa da sua parte. Não interessa se o ato foi lícito ou ilícito, assim como são dispensáveis os aspectos subjetivos do agente. Além disso, pode-se afirmar que a teoria objetiva buscou fundamentos na justiça social, reduzindo as desigualdades e impedimentos que o indivíduo teria que arcar quando prejudicado por condutas de agentes do Estado.

A responsabilidade objetiva admite duas modalidades extremamente discutidas nos tempos atuais, a saber: teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. A noção tradicional admite a exoneração do dever de reparar, através da comprovação da culpa exclusiva da vítima, o que retirava o nexo causal. Já para a teoria do risco integral, a responsabilidade advém de uma atividade potencialmente causadora do dano, ou seja, aquela que tem potencial ofensivo, tornando-se o agente responsável pelos eventuais danos ocorrentes.

No que tange à proteção ambiental, é adotada a teoria do risco integral, haja vista a necessidade de um mecanismo que garanta o máximo de eficácia na reparação do meio ambiente, que deve ser equilibrado e sadio. O fundamento de tal teoria está na importância da natureza, um bem indisponível, de caráter difuso e que tem estreita relação com o direito à vida. Mais uma vez, vale lembrar o respeito à equidade, pois não é justo o sofrimento da sociedade quando existe alguém que causa o risco e que se satisfaz da atividade perigosa.

O dano ambiental carecia de tratamento mais direto e, em virtude disso, pode-se afirmar que ocorreu uma redescoberta da responsabilidade ambiental. Primeiramente, vale destacar que o meio ambiente é um recurso finito, escasso, motivo pelo qual deve ser protegido e valorizado. Além disso, a intervenção somente do Poder Público não é suficiente para amparar e defender esse direito difuso. Ressalte-se que por mais que existam medidas preventivas os danos ambientais poderão sempre ocorrer. Ademais, o “órgão” mais sensível do empreendedor é o “bolso”, o que implica na importância de uma indenização civil.

Surge, assim, um novo modelo de responsabilidade, voltado ao cuidado com a natureza, patrimônio comum da humanidade e que necessita de amparo constante.

Nesse aspecto, é notória a responsabilidade civil, penal e administrativa do poluidor, tendo em vista que a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, §3º, preocupou-se com os danos nucleares e decorrentes de atividades de mineração. Reforçou de forma expressa o dever de reparar os danos ao prever um direito subjetivo ao meio ambiente sadio e equilibrado e ao afirmar que o mesmo é um “bem de uso comum do povo”. 

Diante disso, diz-se que a responsabilidade civil ambiental da administração pública reflete a responsabilidade objetiva estudada com base na teoria do risco integral.

É pertinente analisar, ainda, o comportamento unilateral omissivo ou comissivo do Poder Público, legítimo ou ilegítimo, jurídico ou material, capaz de causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Em face disso, convém ser o Estado obrigado a recompor integralmente tais gravames? Na obrigatoriedade, ou não, de restaurar o patrimônio atingido encontra-se o problema da responsabilidade civil do Estado.

Depreende-se do art.225 da CF/88 que as pessoas de direito público interno podem ser responsabilizadas pelos danos que causarem ao meio ambiente, em razão de uma ação ou de uma omissão. O Estado tem o dever de cuidar os recursos naturais para as atuais e para as futuras gerações, revelando-se, com isso, a possibilidade de particulares e poder público serem solidariamente responsáveis pelos danos ambientais. 

A ideia de responsabilidade solidária está relacionada, no caso do direito ambiental, à dificuldade de se demonstrar a parcela de responsabilidade de vários agentes causadores do dano ecológico. Nesse sentido, trata-se de uma socialização da responsabilidade, cujo intuito é evitar possíveis falhas na instrução processual, que inviabilizariam a reparação almejada. 

Assim, é perfeitamente cabível a responsabilização do Estado de forma solidária com o particular, pois o Poder Público será compelido a agir de forma prudente e atenta no vigiar, obtendo-se uma ampla tutela dos recursos naturais.

Cumpre destacar que a vitima do dano do Estado pode conseguir a indenização através de procedimento administrativo (amigável) ou judicial. Em seguida, a Administração Pública deve voltar-se ao agente causador direto do dano para restaurar o seu patrimônio. Assim, o Estado pode reaver o que desembolsou à custa do patrimônio do agente causador do dano, que tenha agido com dolo ou culpa no desempenho de suas funções. Tal medida, conhecida como ação de regresso, encontra-se prevista no art.37,§6º da CF/88 e exige alguns requisitos, a saber: a condenação do Estado a indenizar, por ato lesivo do seu agente; o pagamento da indenização; e a conduta que causou o dano, seja ela dolosa ou culposa.

Como visto, no que tange ao direito ao meio ambiente (direito difuso), o ordenamento jurídico do brasileiro ganha posição de destaque, em razão da sua modernidade, pois defende o direito à sua tutela, e impõe a obrigação de prevenir e de reparar os danos com base na responsabilidade civil objetiva (teoria do risco integral).

No intuito de tornar inteligível o tema abordado, faz-se necessário desvendar o conceito, as características e as peculiaridades do dano ambiental que fizeram o legislador brasileiro voltar-se de forma diferenciada no que concerne à responsabilidade civil a ser aplicada.

Dano ambiental retrata uma lesão a um bem ambiental, resultante de uma atividade exercida por uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que tenha contribuído de forma direta ou indireta para tal agressão. A abrangência deste conceito deve ser bem larga, protegendo-se o meio ambiente e a saúde humana de lesões materiais e imateriais. 

É importante mencionar que os danos ambientais são de difícil reparação principalmente em virtude de suas características, quais sejam: são irreversíveis; a poluição traz efeitos cumulativos; os prejuízos dos danos podem atingir áreas que não são vizinhas; são danos coletivos e difusos; têm repercussão direta nos direitos coletivos e indireta nos individuais, etc.

Além disso, há a possibilidade de aplicação do princípio da inversão do ônus da prova, ou seja, diante da hipossuficiência das vítimas, caberá à Administração Pública a prova de que atuou na tutela ambiental.

Conclusão

Com base no exposto, resta evidente que a responsabilidade subjetiva constitui a regra no ordenamento jurídico brasileiro, implicando, assim, na ideia de que o indivíduo que, culposa ou dolosamente, tenha contribuído para os danos, deverá arcar com os seus ônus. Todavia, no contexto das lesões causadas no meio ambiente a perspectiva muda um pouco, passando-se adotar a responsabilidade civil objetiva, com fulcro na teoria do risco integral.

A teoria do risco integral, apesar de não ser perfeita, atende às exigências maiores da sociedade moderna, afinal não se pode ficar adstrito a entendimentos, teorias e conceitos ineficazes. O Direito é uma ciência social e, portanto, não pode ficar inerte, precisa acompanhar a evolução das relações sociais que regula.

O dano ambiental constitui um fenômeno difuso e coletivo, sendo a responsabilidade, neste caso, equacionada pela utilização da teoria objetiva, que reclama para a sua configuração a prova do dano ou risco de dano e o nexo causal. Dessa forma, o causador do dano fica obrigado a reparálo, prescindindo de culpa, sendo irrelevante a licitude da atividade e afastando as excludentes da responsabilidade civil.

Em razão do Poder de Polícia do Estado e a sua obrigatoriedade de atuação na proteção ao meio ambiente, pode a Administração Pública ser responsabilizada por ação ou omissão diante dos danos ambientais, inclusive de forma solidária.

Por fim, todas as peculiaridades da responsabilidade civil no âmbito ambiental são importantes, na medida em que visam conferir maior segurança jurídica, tendo em vista que o poluidor assume todo o risco que poderá advir da sua conduta. Nesse sentido, a existência da atividade somada à do nexo causal reafirma o dever de indenizar. Entretanto, tão importante quanto a certeza da imputação é o caráter preventivo da responsabilidade civil. 

Referências

 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 45ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 28ed. atual. Por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

Agradecimentos

Este trabalho foi possível graças ao incentivo, ao apoio e à orientação da Dra. Tarin Cristino Frota