O mundo está nos últimos anos de olhos voltados para o Brasil, pois estamos em acelerado processo de desenvolvimento e nesse processo as estruturas básicas de melhorias sociais , como a saúde, a habitação e o saneamento e, claro, a educação representam grande visibilidade para a comprovação desse crescimento. Sem dúvida, tudo que envolve a melhoria da qualidade de vida da sociedade é indispensável para um país em desenvolvimento. Mas a verdade é que se a educação não for de qualidade, muito pouco se conseguirá. Porque, não se pode falar em qualquer tipo de desenvolvimento - científico e tecnológico, da organização do espaço e da gestão pública e princípios de cidadania, sem falar da educação real, não na numérica, que algumas vezes se faz tão presente em nosso país.
Nossos índices de alfabetização primária, estão cada dia melhores, infelizmente são apenas índices numéricos, já que como mostram varias pesquisas 75% de nossa população 15 a 64 anos é analfabeta, sendo 68% destes os chamados analfabetos funcionais, que são aqueles que até leem, mas não sabem o que leem. Segundo a UNESCO (1980) é analfabeto todo aquele "incapaz de exercer todas as atividades para as quais é necessário saber ler, para o bom funcionamento do grupo e da comunidade e também para que a pessoa continue a utilizar-se da leitura, da escrita e da aritmética em prol de seu próprio desenvolvimento e o da comunidade". Assim, a educação é uma ferramenta indispensável para estabelecimento das boas as relações sociais.
Os fatores que influenciam o analfabetismo são muitos, a educação básica deficiente é apenas uma delas, apesar da capacidade de utilizar a linguagem escrita para informar-se, expressar-se, documentar, planejar e aprender seja cada vez mais investida como um dos principais legados da educação básica. No entanto, é necessário levar em conta também a condição social da população. "Não existe democracia educacional sem democracia social" (Paini, 2005). Mesmo tendo a melhor escola do mundo, os processos de exclusão social irão condicionar a participação e o aproveitamento da criança na escola, pois ela será obrigada a sair para trabalhar, tomar conta dos irmãos, não terá recursos para o transporte, livros etc. Outro fator importante passa pela formação do professor/educador e pela valorização desses profissionais, desde ele mesmo passando pelo aluno até o gestor/governo.
Quando docente da esfera estadual de educação e, também, da rede privada, nos níveis fundamental e médio, pude vislumbrar na prática o caos que se encontra nossa educação, o desrespeito em seu sentido mais pleno. Na rede privada, em alguns casos, o profissional professor é tratado como "escravo", tem que fazer tudo e um pouco mais e aguentar desmando de todos, inclusive quanto ao salário ? do aluno, que tá pagando, ao gestor que quer bons resultados, porque precisar assegurar o aluno que paga. Evidentemente, que isso não tira o mérito da escola particular formar melhor os seus alunos, não sei se lhes fornece uma formação humana adequada. Na rede Estadual, a pública, a realidade castrou meus ideais de conhecimento. Em muitos momentos, o professor é obrigado a aprovar o aluno que visivelmente não tem condições alguma para isso. É preciso cumprir as metas e é feio para a escola deixar alunos reprovados. E a qualidade? Isso não tem muita importância, é consequência. Pelo menos foi o que mim pareceu naquele momento e ainda hoje. A verdade é que muito pouco do que aprendemos, os ideais que construímos na academia quase não são usados, ficam apenas no plano das ideias. Sem dúvida com essa cultura, nosso quadro de analfabetos funcionais corre risco iminente de crescimento.
O grande número de analfabetos funcionais, infelizmente, contribui para intensificar algo bastante preocupante, a exclusão social. A defasagem entre leitores e não leitores (aqui, especialmente os que leem e não refletem sobre o conhecimento e muito menos geram um novo conhecimento) parece está legitimando as diferenças entre classes sociais, quando tarefas são divididas entre aqueles que pensam e os que executam. Nesse sentido, a leitura aparece também como um instrumento de conquista de poder antes de ser meio de lazer, conhecimento e cultura. A sociedade atual é bastante dinâmica e requer pessoas ágeis, inovadoras e de fácil adaptação as mudanças. Como ser alguém assim se não tiver conhecimento e sabedoria para usá-lo? As dificuldades que nossa sociedade enfrenta pelo déficit educacional são sentidas em todos os campos sociais, mas, hoje o campo de trabalho estampa cruelmente a realidade, já que dispõe de vagas de trabalho e muitas vezes não encontra profissionais capazes de preenchê-las.
Então, podemos nos questionar: para que números tão bons como "98% das crianças na escola" se não há qualidade? Está passando da hora de pararmos e refletirmos. O caminho não é esse se realmente desejamos um país desenvolvido para todos. Em Azevedo (1995, p. 48), citado por PAINI 2005 destaca que "é necessário transformar o ledor em um leitor crítico, capaz de entrar em confronto com o texto para (re) construir o seu sentido ideológico e contra ideológico. Dessa forma, a leitura é sempre apropriação, invenção e produção de significados". Um analfabeto funcional não tem essa capacidade e muitos desses estão ocupando altos cargos públicos nos mais variados setores da administração pública. Isso traz grandes prejuízos para os serviços públicos. Não adianta muito um diploma na mão, se os proprietários dos mesmos não vivenciarem a práxis e a dialética do conhecimento.
A educação é, hoje, a principal preocupação do governo, podemos perceber isso nos investimentos destinados a ela, que aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Há uma preocupação real com a formação continuada dos professores e a melhoria salarial, o que é muito importante e, com a formação integral do aluno, não apenas baseando-se no repasse de conteúdos, mas há a preocupação com a formação do caráter ? formação para a vida. Apesar dos investimentos e boas intenções, muitos são os desafios a enfrentar, há muitos vírus a combater, como os professores e os gestores sem compromisso com suas funções. É certo que há um longo caminho a ser trilhado, mas temos força para fazermos as mudanças necessárias em busca do desejo de correspondência entre o quantitativo e qualitativo dos índices educacionais brasileiros. Na esperança de vislumbrar reais possibilidades de uma sociedade mais justa e igualitária.

REFERÊNCIA

GAZETA MERCANTIL. Educação: o analfabetismo funcional e a competitividade caderno "Fim de semana", outubro/1999. Disponível em: related:www.sergiovilasboas.com.br/rep/educa_analfabetimos.pdf

(JORNAL DO BRASIL - 03/09/2000)

PAINI, Leonor Dias, et Eliana Alves Greco, Ana Laura Azevedo, Maria de Lurdes Valino e Sebastião Gazola. Retrato do analfabetismo: algumas considerações sobre a educação no Brasil. v. 27, n. 2, p. 223-230, 2005. Disponível em: periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/.../150

RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e alfabetismo funcional no Brasil. Boletim INAF. São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, jul.-ago. 2006. Disponível em: www.cereja.org.br/arquivos.../vera_masagao_ribeiro_analf_alfa_func.pdf