O governo brasileiro está em franca negociação para dar seguimento ao Plano Nacional de Banda Larga, que tem como objetivo levar infraestrutura de telecomunicações à maior parte dos municípios, tendo como fundamentos cobertura, velocidade e preço, para atender a demanda de acesso à Internet pela população. Diante do alto índice de analfabetismo no Brasil, estaria a sociedade brasileira preparada para essa nova realidade?

Um ato digital é uma ação objetiva, voluntária ou não, individual ou coletiva, realizada no mundo real, por meios digitais, mediada por ambiente simulado ou virtual, com resultados e desdobramentos concretos e reais. Popularmente dizendo, coisas não mandam em pessoas. São pessoas que determinam quando, onde, como e o que as coisas devem fazer.

Considerando essa premissa, computadores, ainda, não podem ser vistos de forma diferente ? contrapondo a evolução que lhes é peculiar ?, visto que referimo-nos a conjuntos de componentes eletrônicos que controlam o fluxo de energia que nestes trafega e que promove um resultado esperado, por meio de simples instruções demandadas por quem constrói programas para esses dispositivos. Portanto, não têm vida própria, não pensam, apenas processam comandos ? são controláveis.

É comum perceber o quanto as pessoas tornam-se impermeáveis diante de assuntos que não lhes são facilmente digeríveis: hipóteses, temas ficcionais ou dantescos, segurança e prevenção. São assuntos, invariavelmente, dispensáveis, principalmente quando os elencamos como possíveis protagonistas ou coadjuvantes.

Grande parte dos brasileiros é desprovida de educação cidadã gradual, continuada e de boa qualidade. Percebe-se isso, claramente, quando analisamos dados estatísticos brasileiros que demonstram descabidos 70% de analfabetos totais e funcionais (níveis 1 e 2), diante de uma população de quase 191 milhões de pessoas.

Esse cenário nos leva à presunção de que cerca de 95% da população é composta por analfabetos digitais, visto que sabem lidar com softwares de baixa complexidade ou utilizam uma ínfima porção do que estes têm como funcionalidades, mas não compreendem, não se interessam ou não sabem de pormenores que podem protegê-los.

A evolução das tecnologias é significativamente maior que a capacidade de o ser humano absorvê-la e acompanhá-la, bem como é mais evidente o conhecimento e a sabedoria daqueles que se erguem contra os princípios da liberdade e das boas práticas no uso das ferramentas digitais.

É incontestável a escalada no uso de computadores e da internet. Sua popularização tende a ser diretamente proporcional à lacuna que se caracteriza pelo despreparo da quase totalidade dos cidadãos em lidar com este meio de comunicação, aos quais deve ser dada a mínima noção de que o mundo virtual nada mais é que uma extensão do mundo real e que suas ações "virtuais" resultarão em reações reais.

Aos cidadãos, faz-se premente o seu preparo aos parâmetros sociais que ora se instalam, visto que estão sujeitos ao potencial uso de seus recursos tecnológicos por indivíduos que têm a capacidade de fazê-los meros instrumentos de suas vontades para a prática de ilícitos e a sua conseqüente responsabilização. Passam-lhes despercebidas as vulnerabilidades existentes e por existir.

Frentes de ação devem ser abertas de forma a dar vazão às demandas do "querer saber" da população brasileira. Não somente envolvendo segurança da informação e comunicações, mas envolvendo todo um planejamento de formação cidadã para as próximas duas ou três gerações.

Na implantação de políticas públicas de popularização dos meios digitais e na contenção da criminalidade digital devem-se evitar a improvisação e posturas meramente reativas, valorizando, portanto, a prevenção.

Lidamos com um contexto complexo, que exige multidisciplinaridade e pessoas multifacetadas ? plurais. Não podemos comparar computadores com veículos automotores. Afinal, carros não têm controle remoto, computadores podem ser usados como tal.

É um tema que merece a coalizão entre diversas ciências, numa relação "simbiótica comensalista", que propicie projetos audaciosos para a construção de um futuro menos caótico e que, por meio de pesquisa e desenvolvimento, sejam abertas múltiplas frentes de ação que minimizem os impactos causados pelas desproporções ocasionadas pela preponderância de quaisquer das áreas de conhecimento envolvidas e que visem ao cidadão, tornando-o cidadão digital.

Para tanto, deve-se atentar à devida cautela, diante da inevitável digitalização do mundo. Empreender formação adequada e de vanguarda a todos os envolvidos nos procedimentos investigatórios e interpretativos dos fatos e das leis, para que não incorram em equívocos que podem levar cidadãos a terem que se mudar e/ou trocar seus nomes.

Diante do exposto, surgirão novos personagens, para o bem e para o mal, bem como a necessidade de perceber verdadeiros valores e competências para compor assessorias técnicas e forças-tarefa que, bem formadas, informadas e relacionadas, deverão ser implantadas, aparelhadas e mantidas de forma coesa e uníssona com as forças de Justiça, com a finalidade de estarem, ao menos, na "cola" da criminalidade digital.

* Este artigo é uma sinopse do que será apresentado em palestra durante o seminário PNBL, analfabetismo digital e responsabilidade objetiva & segurança da informação e comunicações ? SIC, promovido pela Comissão de Crimes de Alta Tecnologia da OAB-SP, na quinta-feira, 19/05/2011, no Salão Nobre da OAB-SP. Informações: (11) 3244-2013/2014/2015. Inscrições: http://bit.ly/gJbGol