"É lamentável que os moradores de Boa Viagem não consigam se organizar para melhorar sua qualidade de vida. (...) infelizmente, é muito difícil trabalhar por um bairro em que as pessoas são tão pouco solidárias, em que os vizinhos mal se conhecem, em que não há laços sólidos entre as pessoas, e na maioria delas não se encontra nenhum brio para perseverar na democracia". Assim foi parte da carta de encerramento das atividades da Associação dos Moradores e Amigos de Boa Viagem, publicada em janeiro de 2005. A realidade foi que essa entidade foi derrotada pelo maior dos vícios sociais da população recifense, pernambucana e brasileira: a alienação, o conformismo, o individualismo, três palavras em um comportamento.

Foi uma vergonha para a população daquele bairro, embora poucos tivessem-na sentido. Uma associação dedicada a unir os moradores dali em torno das causas locais mais importantes ruiu porque o povo não estava nem aí para sua própria realidade. Não estava nem aí nem mesmo para os problemas coletivos mais próximos e eminentes. Aliás, o único pensamento coletivo que realmente predominou – e predomina – foi o de não pensar no coletivo, ser individualista ao máximo e cuidar apenas do próprio nariz.

"Canais, assaltos, mendicância, favelas, desigualdades sociais extremas, engarrafamentos, praia suja, erosão marinha, especulação imobiliária? O que é isso? Ah, que se dane. O que importa é curtir o cineminha do shopping, passar o fim de semana em Tamandaré ou Porto de Galinhas, assistir à Globo, teclar besteiras na internet". Assim traduzo o pensamento comportamental que matou a AMABV.

"Nosso bairro agora ficará à mercê dos fatos como assim desejam a maioria dos moradores", adianta o triste texto. "Não somos um todo unido. Uma só Boa Viagem, uma só AMABV. Nunca conseguiremos manter esta Boa Viagem, um bairro invejável como foi no passado. Na verdade, Boa Viagem tem hoje o que merece ter, ou pelo menos, o que a maioria dos seus moradores merecem. Os mesmo que acham que a atual situação do bairro é muito boa, obrigado. São milhares de pessoas politicamente castradas, que, refesteladas diante dos televisores e ficam excomungando as atitudes de governantes e empresários nos intervalos das novelas, sem tomarem a mínima iniciativa concreta no sentido de mudar as coisas." Sim, seu autor tem razão. E isso se estende a todo o território brasileiro. A verdade é essa, o povo vive na situação que merece, que é idealmente compatível com seus desejos práticos e valores. Se somos um país eternamente assolado por violência, degradação ambiental, corrupção, pobreza, é porque o povo assim quer. Considero mentira quando algum não-engajado diz que não é assim. Se realmente não quisesse, o povo cobraria, usaria aquela criatividade inerente ao brasileiro para pedir com mais afinco e força as melhorias desejadas. Em outras palavras, se a população daquele bairro quisesse mesmo um lugar melhor para se viver, aderiria ou ao menos apoiaria explicitamente a hoje finada associação, jamais desprezaria a ela e a seus esforços.

Esse caso emblemático denuncia a alienação como um mal que prejudica não só aqueles que não se preocupam com o seu redor, como também aqueles que querem lutar por uma terra natal melhor. O povo matou, derrotou a AMABV. E, se continuar manifestando esse comportamento alienado, vai derrotar, frustrar e matar muito mais tentativas de se estabelecer uma força popular ativa de reivindicações, denunciando que seus "desejos" inaplicados de um mundo melhor são nada além de falsos.

Que vergonha, povo de Boa Viagem.