FADERGS

 

PSICOLOGIA DAS RELAÇÕES HUMANAS

PROFª MÁRCIA CALAVANS

ALUNOS: LUCILENE ESTIVALLET, DIEISON PEREIRA, VIVIANE BEATRIZ SOARES

 

DATA: 09/09/2011

 

Texto elaborado após discussão do grupo sobre o contexto político que transformou os seguidores de Antônio Conselheiro em inimigos nacionais, levando em consideração elementos tais como: construção de identidade, civilização x barbárie.

Após longa discussão, pudemos entender que o movimento de Canudos – criação de um vilarejo com regras sociais, econômicas e políticas próprias – não pode ser considerado radical, não merecendo o confronto sangrento em seu fim. O que houve foi à união de sertanejos oprimidos pela fome ocasionada pela pobreza e o crescente infortúnio causado pela opressão que surgiu com um novo regime político no Brasil: a República. Essa nova forma de governo buscou estabelecer o seu poder para todo o território nacional e, em contrapartida, necessitava de fundos para isso. Nada mais óbvio para os governantes do que a cobrança de impostos. No filme “A Guerra de Canudos”, pode-se evidenciar em dois momentos a cobrança de impostos: na primeira, a família protagonista que perde o gado (que já havia sido negociado, como solução para a fome a qual passavam), na segunda, quando um funcionário do governo queria recolher imposto de uma idosa (mesmo ela dizendo que não possuía condições), iniciando um quebra-quebra promovido pelos sertanejos. Se, para a República, o recolhimento de impostos serviria para dar base ao progresso do Brasil, a miséria pela qual o povo do Sertão estava passando nada mais era do que uma mudança dramática da situação daquela gente.

Além de esforços para fortalecer o Brasil nas questões política e econômica, também era necessária a criação de uma nova identidade nacional, voltada ao modelo europeu. Para isso, era essencial a formação de um sentimento republicano, baseado no lema trazido pela bandeira nacional: ordem e progresso.

Para confrontar esse momento novo da política brasileira, um grupo liderado por Antônio Conselheiro – que peregrinava pelo sertão nordestino e arrebatava seguidores que eram encorajados a iniciarem uma nova forma de vida: se refugiar em uma comunidade, acreditando que este líder poderia salvá-los da situação de extrema pobreza na qual se encontravam causada pela seca e o descaso do Estado. Assim, o beato (como era chamado pelos sertanejos) fundou Belo Monte, na região conhecida como Canudos, na Bahia.

Contudo, o grande número de seguidores – formados também por pessoas que deixavam de trabalhar para os coronéis e se refugiavam em Canudos – de Antônio Conselheiro e a relação de oposição ao governo vigente, pois criticava o recolhimento de impostos e o casamento civil preocupava as elites locais, os líderes religiosos e os governos estaduais e federais. Num contexto novo, inflamado por conflitos nas diferentes regiões do Brasil, era necessário dar fim a um movimento religioso que defendia a monarquia, mesmo de forma violenta, para servir de exemplo e prevenir o surgimento de novas rebeliões.

Para fazer frente a esse conflito, inicia-se a transformação destes sertanejos - que buscavam uma alternativa para enfrentar as dificuldades do cotidiano - em inimigos nacionais, pois passaram a representar um ideal atrasado (a monarquia) num período onde as repúblicas eram destaque nas diferentes partes do mundo, principalmente na Europa Ocidental, modelo no qual a elite brasileira buscava se espelhar. Mas como criar uma identidade de inimigo para um povo – que assim como grande parte da população rural do Brasil passava por dificuldades – que buscava apenas uma alternativa de sobrevivência?

Com base em estudos teóricos chamados de “evolucionismo social”, representados por Darwin e Spencer, acreditava-se que a sociedade, assim como os demais elementos da natureza, passavam por processos ao longo do tempo, reagindo as mais diferentes situações, provocando a evolução de uns e a extinção de outros. Neste caso, a Europa seria um exemplo de evolução da sociedade (como um exemplo de auge) e as sociedades consideradas primitivas (menos complexas em relação à Europa) poderiam (deveriam) ser forçadas a “evoluir”, ou seja, ser colonizada e “aprender” a “civilidade” com os europeus. Assim, caracterizaram as diferentes etnias, denominadas por eles de raças, classificando-as (erroneamente) em escala dos mais e dos menos evoluídos intelectualmente, sem levar em consideração os diferentes processos históricos sob os quais cada povo passou.

Tendo em vista essa teoria evolutiva da sociedade, buscou-se perpetuar a ideia de que o movimento de Canudos foi fruto de fanatismo religioso ocasionado pela baixa intelectualidade dos sertanejos provocada pela mestiçagem, ou seja, pela diversidade étnica existente naquele local, como sendo um fenômeno perfeitamente explicável em uma localidade “atrasada”. Esse mesmo grupo “atrasado” e “patologizado”, mais tarde, por Nina Rodrigues, deveria ser combatido pela República.

Os estudos que deram base a explicação de Nina Rodrigues para tornar o movimento de Canudos como um grupo intelectualmente prejudicado por sua origem mestiça e liderado por Antônio Conselheiro, considerado um louco (mesmo tendo realizado a craniometria do beato e os resultados serem “normais”, relatos coletados por Rodrigues levaram a considerar Conselheiro um lunático), já foram superados. Pelo menos na teoria.

Ainda hoje podemos perceber que há preconceito étnico, considerando algumas culturas menos privilegiadas de intelecto de outras, e que é usado para explicar o “atraso” econômico de diferentes regiões do Brasil. E assim como ocorreu em Canudos, não há um cuidado em analisar os diferentes elementos sociais, políticos e econômicos que fazem cada local ser diferente do outro, estar num momento diferente do outro. E como falar em cidadania plena se ainda há preconceito étnico? Como sanar as dificuldades enfrentadas pela população hoje no Brasil se o foco dos governantes continua sendo o mesmo (mesmo que camuflado) de lá no início da República? Movimentos ou mobilizações como a de Canudos ainda persistem, ora combatidos com força bélica, ora combatidas com o descaso.