Helison Cleiton dos Santos Ferreira*
Michelle Daniela Inácia Alves da Silva**
Robson Gerliandro da Silva***
Lucélia Eulália Cardoso****

Resumo

O presente trabalho analisa sob uma perspectiva sócio-pedagógica, os fatores que na relação entre a escola e os alunos do 3° do ensino médio têm contribuído para que estes tenham uma postura que está em desacordo com o meio em que se encontram.
Compreende o aluno como sujeito, que chega à escola marcado pelas influências culturais e familiares, que contribuem significativamente para o seu desempenho escolar. Seguindo esta linha, ele mostra como a ética e a moral são importantes no desenvolvimento da relação ensino-aprendizado e, acima de tudo, como a prática docente lida com a indisciplina na sala de aula.
Além disso, este artigo tenta (re) pensar o conceito de disciplina/indisciplina, tomando como referência sua origem histórica, social e etimológica, a fim de compreender como esta prática acontece na prática e como o professor deve trabalhar para combatê-la.

Palavras-chaves: Disciplina – Indisciplina – docente – ética.

Introdução

No decorrer da vida acadêmica muitos são os temas que chamam a nossa atenção e despertam em nós o desejo de aprofundar nossas leituras, contudo, devido à falta de tempo e condições somos forçados a optar por aqueles que temos mais afinidades e que julgamos ser mais relevantes para o contexto social em que vivemos.

Foi sob esta perspectiva que o surgiu o tema analisado neste artigo. Segundo silva (2004, p. 113), "a indisciplina foi considerada a grande praga do final do século passado para a educação brasileira (XX) e a violência o seu efeito mais nefasto". Esta citação, juntamente com algumas experiências de amigos que, após saírem da faculdade ansiosos para compartilhar o conhecimento, afirmaram estar frustrados com os ideais da educação brasileira, pois, segundo eles: "muitos alunos na escola não querem nada com a vida, não estão interessados no conteúdo dado na sala de aula e ainda atrapalham aqueles que se interessam".

Este tipo de discurso foi constante entre os professores das escolas pesquisadas. Nos intervalos das aulas, não poucas vezes os professores se reuniam para reclamar da "postura indisciplinada" dos alunos na sala de aula e era constante a busca de soluções que pudessem resolver o assustador problema da indisciplina escolar. Alguns, em seu discurso, externavam a frustração e o sentimento de impotência diante da realidade daqueles alunos, outros, por sua vez, manifestavam grande interesse em rever suas práticas a fim de poder alcançar melhor a realidade dos discentes.

Dentre estes alunos que recebiam o rótulo de indisciplinados, alguns eram estudantes do 3° Ano do Ensino médio. Este foi mais um dos fatos que chamou nossa atenção, pois sendo nossa sociedade pela ética neoliberal e capitalista, que prepara o estudante para o mercado de trabalho, para concursos e para o vestibular, era de se esperar que, seguindo esta ética pragmática, o aluno do 3° Ano estivesse bastante interesse no conteúdo, pois está em seu último ano no colégio e prestes a passar uma fase de transição, enquanto intelectual e profissional. Estes fatores nos levaram a alguns questionamentos: O que é ser um aluno indisciplinado? Quais fatores levam o aluno do 3° Ano do Ensino médio a ter uma postura que é considerada pelos professores como indisciplinada? E Quais as medidas que os professores têm tomado para resolver o problema da indisciplina escolar? No presente artigo tentamos responder de forma resumida, porém não superficial, a essas três importantes perguntas.

1.Indisciplina! O que é isso?

Segundo Antunes (2005), Indisciplina é um tema que está se tornando "moda" em educação. Há muitos artigos na internet que tem refletido sobre esse tema e que tentam instruir o professor sobre medidas preventivas e curativas diante dessa ameaça ao aprendizado. Porém, neste artigo antes de refletir sobre as causas e os efeitos da indisciplina escolar é necessário problematizar o próprio conceito de indisciplina.

Indisciplina é um conceito negativo e, por isso só pode ser compreendido à luz do termo que ele nega, que é a disciplina. Sendo assim, pode-se dizer que o conceito de indisciplina é relativo e sua aplicação depende das regras que são firmadas no grupo social.

Segundo Antunes, o sentido etimológico da palavra disciplina tem a idéia de "educar", "instruir", "aplicar" e "fundamentar princípios morais. Alguns dos sinônimos expressos no Dicionário Aurélio (2004) são: 1- "Regime de ordem imposta ou livremente consentida"; 2- Ordem que convém a um funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.); 3- "observância de preceitos ou normas"; 4- "Submissão a um regulamento". Todas estas definições têm em comum o fato de mostrar que o termo disciplina pressupõe uma ordem que é estabelecida e faz subordinar a estrutura biológica do ser humano à estrutura cultural. Ela pode ser espontânea como no caso dos monges do início da Idade Média, que após a fusão da igreja cristã com o estado se refugiaram no deserto e submetiam seus corpos a uma rígida disciplina com uma postura extremamente ascética, ou pode ser também uma disciplina imposta, como em casos de governos ditatoriais que sob pena de tortura tentam impor uma forma de vida a todos àqueles que estão debaixo de sua autoridade.

Sendo assim, quando tratamos da relação disciplina e indisciplina escolar, estamos nos referindo à expectativa de ação que professores têm em relação aos seus alunos na sala de aula. Porém, é importante ressaltar que o conceito de disciplina que será trabalhado aqui não está associado somente à repressão do aluno que conversa na sala de aula ou que desobedece às instruções do professor, mas procura-se entendê-la como um sinal que alerta o docente sobre a qualidade de sua aula e seu desempenho enquanto educador.

2.A (in)disciplina no âmbito escolar

Em nossas entrevistas como os professores analisados, pôde-se perceber que o problema da (in)disciplina é o que tem gerado descontentamento de muitos educadores nas escolas e o que tem levado muitos a não acreditar mais no poder libertador da educação provocando o desinteresse do aluno. Esta atitude do professor diante do obstáculo da indisciplina, ao invés de resolver o problema, gera outros muitas vezes piores para o aprendizado.

Esse tipo de reação dos professores diante da indisciplina escolar parte de um conceito negativo que eles têm desse problema. Segundo Paulo Freire (1996) muitos a prática educativa não é uma receita, que após ser aprendida, pode ser usada em qualquer contexto. Pelo contrário, este autor convida afirma que o professor deve (re)pensar sua prática docente constantemente para que assim ele possa estar sempre atingindo as necessidades educacionais do aluno.

Para Vasconcelos (2000), o problema da indisciplina não se limita apenas à escola, mas ele está na sociedade, na família, na escola, funcionários e alunos e não no fato de que os que trabalham no processo educativo quase sempre apontam um culpado como a família que não tem o devido interesse pelo seu filho na escola, o aluno que não tem vontade de aprender e o professor despreparado e descompromissado com a educação.

Este ponto é importante porque quando se analisa a indisciplina escolar, na maioria das vezes procura-se um "bode expiatório" para sanar este mal. Porém, torna-se difícil fazer isso quando se entende que a educação é construída por partes ligadas e interdependentes, que se demonstrar algum tipo poderá ser fatal para o início da indisciplina.

Vasconcelos, baseando-se no pensamento de Gramsci, afirma que a escola pode ser tanto um instrumento de manutenção de poder, como seu papel na sociedade é emancipar o sujeito dando condições de se formar um indivíduo crítico e construtivo de seus próprios conceitos. Se entendermos esses conceitos, enxergaremos de outra forma a disciplina no processo de aprendizado, pois ela deixa de ser pensada como uma exigência entre sujeitos e passa a ser uma disciplina em que respeita a autonomia do indivíduo e sua capacidade de criação.

3. Alunos do 3° ano do ensino médio e a (in)disciplina escolar

A educação no Brasil tem sido marcada pela forte ênfase da cultura neoliberal capitalista que norteia desde os propósitos da escola até as motivações dos alunos, ou seja, quando, em nossa pesquisa de campo, questionamos alguns alunos do 3° ano do ensino médio a cerca de suas perspectivas futuras e sobre a necessidade do ser humano ir à escola, percebemos que a maior parte de nossos entrevistados não vê a educação como um meio de poder crescer, enquanto indivíduos e cidadão que são co-responsáveis sobre o futuro de nosso país.

Alguns, em seu discurso, expressam que não sabem o motivo pelo qual estão na escola e, por isso, não expressam qualquer intenção de crescer intelectualmente, pois para estes, o ensino médio é apenas um meio pelo qual poderão, talvez, ter um emprego melhor ou fazer algum tipo de concurso para que tenham um "emprego fixo".

Outros alunos, considerados mais atentos ao conteúdo dado em sala de aula, quando questionados, respondem de forma frustrante, pois, embora sejam alunos dedicados e que buscam a aquisição do conhecimento na sala, afirmam fazer isso apenas porque tais assuntos serão importantes para sua futura prova de vestibular, portanto, parece normal ouvir desses alunos a seguinte resposta sobre os cálculos matemáticos: "eu não sei pra que serve, mas precisamos estudar porque pode cair no vestibular.

Esses dados não dizem que todos os alunos do 3° ano do ensino médio vêem a educação como meio pragmático para conquistas profissionais. Nas escolas também há alguns alunos que vêem na escola um ambiente que pode ajudá-los a crescer, não apenas intelectualmente, mas também enquanto seres humanos dotados de direitos e deveres em nossa sociedade.

Este último grupo marca uma ruptura com a visão de educação tida no Brasil e, embora nem sempre tenham as melhores notas são aqueles que, certamente estarão mais cientes de suas responsabilidades de cidadãos na sociedade brasileira.

Essa concepção que os alunos têm sobre o real motivo de existir a escola e, conseqüentemente, sobre a necessidade de estudar nesse ambiente. Como já mostramos no texto, nem sempre essas concepções são corretas, às vezes por parte do aluno, outras vezes por parte da escola. Esses fatores terão grande contribuição sobre o comportamento disciplinado ou indisciplinado do aluno.

4.Alunos indisciplinados ou professores indisciplinados?

Até agora temos enfatizado somente o descontentamento dos professores diante da indisciplina do aluno, porém é hora de questionar o que os professores para cativar seus alunos.

Atualmente, segundo Paulo Freire(1996), muitos professores estão desenvolvendo uma educação bancária em sua prática de ensino, ou seja, não vêem o aluno como seres capazes de construir o conhecimento, o conhecimento na aula e, por isso preparam a aula de forma mecânica apenas com o objetivo de depositar na mente do educando. Para esses professores, o aluno é um agente passivo que apenas sofre a ação do ensino depositado pelo professor.

Diante das atitudes de alunos que conversam na sala de aula, ou não prestam atenção ao conteúdo dado, esses professores, normalmente tentam resolver tais problemas apelando para gritos, ameaças, batidas no quadro e até agressões verbais. Estas medidas podem até conseguir o silêncio dos alunos por alguns minutos, porém não o conscientiza da real necessidade de estudar. Segundo Rubem Alves (1980), o professor deve ser não apenas alguém que passa conhecimento, mas, acima de tudo, Ele deve ser um encantador, ou seja, alguém que desperta no aluno o interesse pelo estudo e desejo de aprender. Diante disso, pode-se dizer que a função do professor é conquistar a atenção dos alunos, não sua vontade através de ameaças.

Muitas vezes, o professor que reclama uma mudança do aluno em sala de aula, não se dispõe a refletir e a mudar sua prática docente. Desta forma, é necessário pensar a indisciplina não somente como rebeldia, mas como também uma forma de o aluno chamar a atenção do professor para que este mude sua prática educativa. Diante disso, questionamos: quem é mais indisciplinado, o aluno que não muda de atitude para obedecer ao professor ou o professor que não muda de atitude para cativar o aluno? Nosso objetivo não é esquivar o aluno da culpa da indisciplina, apenas estamos mostrando que o professor, enquanto educador, precisa ser disciplinado em seus estudos, em sua prática docente e, acima de tudo, em sua intenção de compartilhar e construir o conhecimento através da imposição de suas idéias, ao invés de tentar impô-las.

A revista Escola de Maio de 2005 mostra que alguns professores, na intenção de conter a indisciplina escolar, fizeram contrato que com os seus alunos. Segundo Peter Berger, o ser humano, quando se junta em sociedade cria regras e após criá-las se submete à sua própria criação. Isto é o que acontece com esses professores, eles não criam as regras sozinhos, mas em conjunto com seus alunos, fazendo-os participar desse processo de regulamentação e depois de terem criado as regras, não apenas os alunos se submetem a elas como os professores também se submetem às penalidades pela infração das mesmas.

Em uma entrevista com um professor, ele expressou que estava usando esta regra tática para conter a indisciplina e que seus alunos de 5° série sempre se esforçavam pra não infringir as regras que eles mesmos ajudaram a criar. Ele expressou que passou muito tempo lutando contra a indisciplina através do grito e das ameaças até que, finalmente, estudando estratégias teve êxito com esta nova tática. Contudo, ele adverte: "para ensinar é necessário paciência, estudo e dedicação".

Conclusão

Podemos constatar, a partir desse artigo, que o problema da indisciplina escolar é muito maior do que apenas o desrespeito do aluno para com o professor na sala de aula e outras práticas afins. Este conceito de indisciplina é muito resumido, pois na maioria das vezes, não tem uma visão holística da resolução do problema, ou seja, fica sempre procurando culpados individuais e esquece que a educação é composta de partes complexas e interligadas.

Nessa busca errada pelo "bode expiatório" para a resolução da indisciplina escolar, não são poucos os professores que se utilizam do autoritarismo na sala de aula, tentando dominar os alunos e sujeitá-los a uma submissão irrefletida. Nessas condições, o professor grita, ameaça, vinga-se nas provas e ainda acha que com todas essas práticas está cumprindo seu papel de educador.

Diante desta rápida reflexão sobre as condições da educação brasileira e como os alunos do 3° ano do ensino médio lidam com o processo educativo, percebemos que se é do interesse do educador que em sua sala seja construída um sólido aprendizado, é necessário não apenas ter domínio do conhecimento acadêmico, mas, também ele deve conhecer a realidade cultural e familiar do educando, estar sensível para mudar sua didática de acordo com a necessidade da turma e, sobretudo, ser um encantador, ou seja, alguém que atrai o aluno para suas aulas e que através destas, consegue convidá-los a uma constante reflexão do mundo em que vivemos.

Ser educador é um desafio constante, que deve ser encarado com seriedade e dedicação. Às vezes não vemos os frutos imediatos, mas sabemos que estamos plantando a semente da educação e que o tempo é responsável pela frutificação na vida do educando. 


Summary

This study examines in a socio-pedagogical factors that the relationship between the school and the students of the 3rd high school have contributed to their having a posture that is at odds with the environment in which they find themselves.
Understands the student as a subject, who comes to school marked by cultural and family influences, which contribute significantly to their academic performance. Following this line, it shows how the ethics and morals are important in the development of the teaching-learning and, above all, as the teaching practice dealing with indiscipline in the classroom.
Additionally, this article attempts to (re) think the concept of discipline / indiscipline by reference to its historical, social and etymological, to understand how this practice occurs in practice and how teachers should work to combat it.


Keywords: Discipline - Disruptive behavior - teaching - ethics.


 

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Conversas Com Quem Gosta de Ensinar, Cortez, São Paulo, 1980

ANTUNES, Celso. Qual disciplina deseja quem reclama da indisciplina. Disposto no site: http://www.educacional.com.br/articulistas/celso_bd.asp?codtexto=613; acessado em 01 deoutubro de 2009 às 15hs.

CARVALHO,J.F. os sentidos da (in) disciplina: regras e métodos como práticas sociais. In: Aquino, j.g. (org) indisciplina na escola: alternativas teóricas práticas. são Paulo, summus:1996.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 3° edição, Curitiba, PR, Positivo, 2004

FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1994.