O tráfico humano é um problema multidimensional que requer o envolvimento de vários agentes públicos e privados, objetivando a sua erradicação, assim o Brasil formulou a Política e o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas, envolvendo vários entes, inclusive, da sociedade civil. Para melhor elucidação do que é considerado tráfico de seres humanos no ordenamento nacional e internacional, o Protocolo Adicional à Convenção de Palermo, Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres  e crianças, ratificado no Brasil pelo Decreto nº 5.017/2004, no artigo 3º, alínea “A”, assim define:

A expressão “ tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaças ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à frade, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamento para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras forma de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.

O Tráfico de Seres Humanos é classificado em três modalidades, quais sejam: Tráfico para fins de prostituição sexual, o mais lucrativo e em alta proliferação; o tráfico para fins de extração de órgãos e tráfico para fins de trabalho escravo. Dessa forma, as leis ora mencionadas no presente artigo são de aplicabilidade às modalidades de tráfico mencionadas.

Deve-se considerar, a priori, os seguintes princípios na elaboração da legislação e combate do TSH[1]:  dignidade da pessoa humana e a cidadania, que são princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema  jurídico brasileiro. No que se refere ao enfrentamento ao tráfico de pessoas, os princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania se revelam como a base constitucional unificadora e direcionadora da atuação do Estado e da sociedade.

Com essa finalidade, houve duas importantes alterações ao Código Penal Brasileiro pelas leis 11.106/2006 e a 12.015/2009, que acrescentou nova redação ao art. 231, e acrescentou o art. 231- A.

Então, ficou da seguinte forma: o art. 231, refere-se ao tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, cuja pena é de reclusão de 3 a 8 anos.

Chamo a atenção ao parágrafo 2º, que prescreve as causas de aumento da pena, no inciso III.

 III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.

  A  pena será aumentada da metade, além disso, se houver o fim de obter vantagem econômica aplica-se também a pena de multa. Isso é muito importante por que muitas vezes o aliciador, agenciador faz parte da família, como muito tem acontecido.

Já no art. 231- A, refere-se ao tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual, cuja pena é de reclusão e a pena é de 2 a 6 anos e há as mesmas causas de aumento da pena do art. anterior.

Após tudo o que foi explanado até agora, constata-se que o tráfico de pessoas é uma grande afronta aos direitos humanos, logo, à dignidade da pessoa humana, que é princípio de enfrentamento ao tráfico humano, além disso princípio fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no art. 1, inciso III.

A dignidade da pessoa humana, segundo Miguel Reale, é um princípio vetor que deve pautar todo o ordenamento democrático.

Foi Kant quem melhor conceituou o princípio da dignidade da pessoa humana, como sendo um valor absoluto que está acima de outros componentes axiológicos, um valor que irradia todos os demais outros, intrinsecamente do homem, como ser racional, existente como fim em si mesmo, não podendo ser tratado como coisas ( que são meios). No tráfico humano, as pessoas são coisas, objeto de renda.

Como já dito, o trabalho escravo está previsto no art. 149 do CP, mas o que pode ser considerado trabalho escravo? Da leitura do referido art., entende-se por trabalho escravo submeter alguém à condição análoga a de escravo, ou seja, a sujeição da vítima a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, à condições degradantes, a restrição da liberdade do trabalhador em razão da dívida contraída; retenção no local de trabalho sob constante vigilância.

As leis brasileiras incriminam ferozmente o trabalho escravo. A Lei 10.608/2002, que concede o beneficio do seguro –desemprego aos trabalhadores resgatados do trabalho escravo, o que é relevante, pois essas pessoas serão amparadas por alguns meses do benefício.

Concluo afirmando que, se o Estado não tomar as providências para coibir o tráfico humano, ser omisso, deixando de promover a assistência às vítimas, como ele é garantidor dos direitos fundamentais e sociais, já caracteriza uma violência, ou melhor, haverá um domínio de ninguém, como afirma a doutrinadora Hanna Arendt, por que não haverá  responsáveis e nem a quem questionar, como acontece com a impunidade.

Portanto, cabe a toda sociedade trabalhar em junto para erradicar a proliferação do tráfico de seres humanos, pois as Organizações Criminosas do tráfico humano agem em redes, assim, devemos nós, da sociedade civil e governo agirmos também em rede, mas para o bem, informando e divulgado às mais baixas camadas da sociedade às mais elevados desse crime bárbaro presente em todos os lugares da sociedade e no mundo.



[1] Tráfico de Seres Humanos.

Bibliografica.

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