ALTERAÇÕES ENVOLVENDO O PROCESSO DE EXECUÇÃO NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: RESTRIÇÃO AO USO DA PENHORA ON LINE – AFRONTA AO PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFICIÊNCIA DOS ATOS EXECUTIVOS (ART. 612, CPC) OU GARANTIA DO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR (ART. 620, CPC)?


Sumário: Introdução; 1 Comparativo entre o processo de execução do atual Código de Processo Civil e as propostas de reforma do processo executivo no projeto do novo Código de Processo Civil; 2 Penhora on line; 2.1 Conceito; 2.2 Histórico da penhora on line no Brasil; 2.3 Instituto da penhora on line na legislação processual civil em vigência; 3 (In) Constitucionalidade da restrição ao uso da penhora on line: afronta ao princípio da máxima eficiência dos atos executivos ou garantia ao princípio da menor onerosidade para o devedor?; Conclusão; Referências.

RESUMO

O presente artigo pretende realizar uma análise crítica quanto à restrição ao uso de penhora on line, objeto de embates no Poder Legislativo nacional, bem como, ao final, chegar a uma conclusão se tal restrição configura uma afronta ao princípio da máxima eficiência dos atos executivos ou uma garantia do princípio da menor onerosidade para o devedor. Inicialmente, far-se-á um comparativo entre o processo de execução vigente no atual Código de Processo Civil e as propostas de reforma do processo executivo no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro. Posteriormente, tratar-se-á da penhora on line, abordado importantes temas tais como: conceito, histórico da penhora on line no Brasil e o instituto da penhora on line na legislação processual civil pátria em vigência. Por fim, adentrar-se-á naquilo que consiste no tema central de estudo do presente trabalho, isto é, averiguar a (in) constitucionalidade da restrição ao uso da penhora on line, bem como identificar se a referida restrição representa uma afronta ao art. 612, Código de Processo Civil ou uma garantia ao art. 620 do mesmo diploma legal.

PALAVRAS-CHAVE: Execução no Processo Civil brasileiro. Penhora on line. Princípio da Máxima Eficácia dos atos executivos. Princípio da Menor Onerosidade para o devedor.

INTRODUÇÃO

 

O Código de Processo Civil (Lei nº 5.869) vigente em nossa contemporaneidade data 11 de janeiro de 1973, sofrendo, ao longo de sua redação, inúmeras alterações. Algumas dessas reformas parciais trouxeram benefícios para o processo civil brasileiro, enquanto outras, ao contrário, pouco contribuíram para sua melhoria. Isso foi o que declarou o doutrinador Araken de Assis ao site da Justiça Federal – Tribunal Regional Federal da 4º Região (2013): "Essas reformas mais serviram para criar problemas do que resolver os antigos. Mesmo diante desse quadro, nunca foi feito um levantamento empírico que identifique quais os problemas a serem corrigidos".

Na busca por um processo mais célere e efetivo é que está em tramitação no Poder Legislativo Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal) o texto do Novo Código de Processo Civil, pretendendo estabelecer como inovação no processo de execução, dentre outras, a restrição ao uso da penhora on line. Diante de tal alteração questiona-se: a restrição ao uso da penhora on line consiste em uma afronta ao princípio da máxima eficiência dos atos executivos ou em uma garantia ao princípio da menor onerosidade para o devedor?

O presente trabalho é de extrema importância para que seja realizado um comparativo entre o processo de execução existente no Código de Processo Civil vigente e o possível processo de execução a ser implementado com o advento do Novo Código de Processo Civil, que ao mesmo tempo em que traz mudanças substanciais e relevantes, aborda temas divergentes e controversos. Apesar das modificações pontuais não serem vistas com “bons olhos” por alguns, há também quem discorde do Novo Código de Processo Civil, como é o caso do renomado doutrinador processualista civil Araken de Assis, que afirmou ao site da Justiça Federal – Tribunal Regional Federal da 4º Região (2013): "O novo Código de Processo Civil (CPC) pode ser considerado um 'puchero' cozinhado por diversos colaboradores, uma mistura feita sem diretriz definida". Diante desta categoria afirmação, o presente artigo pretende analisar as modificações propostas pelo Novo Código de Processo Civil brasileiro, bem como verificar quais destas inovações podem ser consideradas como avanços ou retrocessos.

1 COMPARATIVO ENTRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO DO ATUAL CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS PROPOSTAS DE REFORMA DO PROCESSO EXECUTIVO NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

 

O direito processual civil, ao longo dos anos, sofreu reiteradas transformações, tanto em características, tanto em conteúdo, transformando-se para ser utilizado como uma ferramenta de realização do direito material. Dessa forma, embora o Código de Processo Civil atual tenha operado satisfatoriamente, a comunidade jurídica sentiu a necessidade de que lhe fossem aplicadas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais às mudanças da sociedade e ao funcionamento das instituições, em uma evidente preocupação de que o direito possa sempre ser instrumento moderno à disposição dos cidadãos (LACHER; PLANTULLO, 2012, p. 03).

Em busca de agilidade e efetividade da prestação jurisdicional, essas alterações ocorridas nas últimas décadas expõe que a tendência é ampliar o conceito de acesso à justiça e obtenção de uma ordem jurídica justa (LACHER; PLANTULLO, 2012, p. 03). Segundo Humberto Theodoro Junior: “A grande novidade do ano 2014, em termos de direito processual, foi a submissão ao Congresso do Projeto nº PL 166 destinado a implantar no país um novo Código de Processo Civil” (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 02).

O Projeto do Novo Código de Processo Civil aborda mudanças relevantes, dentre elas a que se refere à execução forçada. Humberto Theodoro Junior (2010, p. 03) dispõe:

O Projeto conserva o regime executivo do Código atual, segundo o qual a realização material do direito do credor não é mais objeto exclusivo do processo de execução. O processo de conhecimento quando atinge o nível da condenação não se encerra com a sentença. Prossegue, na mesma relação processual, até alcançar a realização material da prestação a que tem direito o credor e a que está obrigado o devedor. O cumprimento da sentença é ato do ofício do juiz que a profere (executio per oficium iudicis).

Em suma, para a sentença condenatória de títulos judiciais equiparados, o remédio executivo é o procedimento do “cumprimento da sentença”; em contrapartida, para o título executivo extrajudicial, caberá o processo de execução, provocável pela ação executiva, que é independente de qualquer acertamento prévio em processo de conhecimento (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 04). Isso ocorre porque, em relação aos títulos executivos judiciais já houve uma discussão prévia quanto à existência do título; ao passo em que quanto aos títulos executivos extrajudiciais, a primeira discussão em juízo ocorrerá somente neste momento, sendo necessário, então, averiguar a existência do título, bem como os requisitos essenciais para que este possa ser postulado em juízo, quais sejam: certeza, liquidez e exigibilidade. Obrigação certa é aquela que não admite dúvidas quanto a sua existência e é por isso que o legislador diz que ela deve estar consubstanciada em um título, porque, em regra, o processo de execução não admite análise probatória. Obrigação líquida é aquela que está definida quanto ao seu objeto, uma vez que no processo de execução o credor ingressa em juízo cobrando um valor certo ou pedindo a entrega de um bem determinado. Obrigação exigível, por sua vez, consiste naquela que está em condições de ser efetivamente cobrada, porque é possível que a obrigação seja certa, líquida, mas que não seja exigível por estar relacionada a uma condição ou termo. A consequência da não observação destes três requisitos é a nulidade do processo executivo.

O novo texto também aborda pequenas mudanças no que tange ao cumprimento de sentença. Sobre a impropriedade de divisão de matérias, Humberto Theodoro Junior afirma que o Título II do Livro II do Projeto, a atual Seção IV, destinada a regular a execução de sentença relativa a obrigações de fazer e não fazer, está disposta incorretamente como parte do Capítulo II, pertinente ao “cumprimento da obrigação de pagar quantia certa”. Não existe a possibilidade de subordinar o “cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer” ao capítulo das “obrigações por quantia certa”. Para correção do evidente equívoco, o autor impõe a abertura de um novo capítulo, qual seja: o “Capítulo III – Do cumprimento de obrigação de fazer e não fazer”, que nesse caso iria compreender os artigos 502 e 503 (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 04).

Outra mudança pertinente diz respeito ao rol dos títulos autorizadores do cumprimento de sentença. Os casos em que o cumprimento forçado da sentença é autorizado constam do art. 475-N do Código de Processo Civil de 1973. Segundo Humberto Theodoro Junior, o Projeto em seu art. 492 não cria, propriamente, novos títulos executivos judiciais. O autor aponta que o novo Código apenas desdobra as hipóteses já existentes, facilitando a compreensão dos títulos que, de alguma forma, já se achavam elencados no Código em vigência. Dessa forma, o caput do art. 492 refere-se ao padrão básico do título executivo judicial, qual seja a sentença condenatória. Sem usar esse nomen iuris, o dispositivo fala em “sentença proferida em ação de cumprimento de obrigação”, isto é, sentença que acolhe o pedido de cumprimento de obrigação, que outra coisa não é, senão a clássica sentença condenatória (THEODORO JUNIOR, 2010, p. 04).

O projeto acaba com a discussão existente na doutrina acerca do termo inicial do cumprimento de sentença e, com isso, a incidência da multa de 10%, caso o devedor não cumpra a obrigação. A posição atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que no cumprimento de sentença se faz necessária a intimação do devedor na pessoa de seu advogado para que corra o prazo de 15 dias previstos no artigo 475-J do CPC (LACHER; PLANTULLO, 2012, p. 10).

O Projeto acompanhou a orientação atual preconizada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo estatuído em seu art. 509, §1º (correspondente ao art. 495 do Projeto original), que após a planilha de cálculo apresentada pelo exequente, o executado será intimado para pagamento em 15 dias, sendo a esse valor acrescido de custas e honorários. Na hipótese da negativa do pagamento no prazo, haverá incidência da multa de 10% (LACHER; PLANTULLO, 2012, p. 11).

Dentre as novidades, uma em especial causou grande divergência na doutrina e será objeto de pesquisa do presente artigo, em sua fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, e se refere à nova mudança que visa restringir o uso da penhora on line (Emenda 614), limitando-a aos casos nos quais tão somente não exista mais qualquer recurso no tocante à decisão que está sendo executada, ou seja, tornando sua efetiva aplicação somente em últimos casos (JÚNIOR; ROQUE; GAJARDONI; DELLORE, 2013). Essa discussão será analisada nos tópicos seguintes.

2 PENHORA ON LINE

Este ponto destina-se à conceituação, abordagem sobre o histórico e considerações gerais sobre o instituto da penhora on line na legislação processual civil brasileira. Endente-se que a sua compreensão é de fundamental importância para que no final seja possível chegar à conclusão se a restrição do referido instituto configura-se uma afronta ao princípio da máxima eficácia dos atos executivos (art. 612, CPC) ou uma garantia do princípio da menor onerosidade para o devedor (art. 620, CPC).  

 

2.1 Conceito

A penhora é o primeiro ato desapropriatório na execução por quantia certa contra devedor solvente. Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 168) leciona:

A penhora, em princípio, consiste na apreensão, pelo juízo, de bens que vão responder pela execução, mas ela só se considera efetivamente feita, quando se tratar de coisa, com o depósito (art. 664). Isto equivale a dizer que a penhora sem depósito é ato incompleto, ainda sem os efeitos específicos que dela decorrem.

Assim sendo, e pela leitura do próprio Código de Processo Civil, pode-se observar que a penhora poderá recair sobre créditos e outros direitos patrimoniais do devedor (art. 671), bem como sobre estabelecimentos comerciais ou agrícolas, semoventes ou edifícios em construção (art. 677). Os arts. 671 e 677, Código de Processo Civil dispõem, respectivamente:

Art. 671. Quando a penhora recair em crédito do devedor, o oficial de justiça o penhorará. Enquanto não ocorrer a hipótese prevista no artigo seguinte, considerar-se-á feita a penhora pela intimação:

I - ao terceiro devedor para que não pague ao seu credor; 

II - ao credor do terceiro para que não pratique ato de disposição do crédito.

Art. 677. Quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em semoventes, plantações ou edifício em construção, o juiz nomeará um depositário, determinando-lhe que apresente em 10 (dez) dias a forma de administração.

§ 1o Ouvidas as partes, o juiz decidirá.

§ 2o É lícito, porém, às partes ajustarem a forma de administração, escolhendo o depositário; caso em que o juiz homologará por despacho a indicação.

Em relação especificamente à penhora on line, Demócrito Reinaldo Filho (2012) explica que “trata-se de sistema informático desenvolvido pelo Banco Central que permite aos juízes solicitar informações sobre movimentação dos clientes das instituições financeiras e determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de investimento”. Com isso, ainda conforme explanação de Demócrito Reinaldo Filho (2012):

elimina a necessidade de o Juiz enviar documentos (ofícios e requisições) na forma de papel para o Banco Central, toda vez que necessita quebrar sigilo bancário ou ordenar bloqueio de contas-correntes de devedores em processo de execução. As requisições são feitas através de site próprio na Internet, onde o Juiz tem acesso por meio de senha que lhe é previamente fornecida. Em espaço próprio do site, o Juiz solicitante preenche uma minuta de documento eletrônico, onde coloca informações que identificam o devedor e o valor a ser bloqueado. A requisição eletrônica é enviada diretamente para os bancos, que cumprem a ordem e retornam informações ao Juiz.

Dessa forma, além da significativa economia de papel por parte do Poder Judiciário, percebe-se também maior celeridade e economia processual, não apenas em relação aos custos, mas também em relação à duração do cumprimento da ordem de bloqueio. A penhora on line confere maior eficiência e eficácia às ordens judiciais de bloqueio de contas bancárias.

Segundo informação extraída do site do Banco Central do Brasil:

As ordens judiciais de bloqueio de valor têm por objetivo bloquear até o limite das importâncias especificadas. Essas ordens incidirão sobre o saldo credor inicial, livre e disponível, apurado no dia útil seguinte ao que o arquivo for tornado disponível às instituições financeiras, sem considerar, nos depósitos à vista, quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida etc).

O procedimento da penhora on line é simples. Basta que seja digitado o CPF (Cadastro de Pessoas Físicas), no caso do executado se tratar de pessoa física, ou o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), caso o executado seja pessoa jurídica, para que o sistema rastreie toda a movimentação financeira existente nas contas daquela pessoa e, realize o bloqueio do valor determinado se for o caso.

2.2 Histórico da penhora on line no Brasil

Segundo Luiz Guilherme Marinoni (2008, p. 01):

A penhora de dinheiro é a melhor forma de viabilizar a realização do direito de crédito, já que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada transformação de bem penhorado – como o imóvel – em dinheiro, eliminando a demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro.

A penhora é o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução por quantia certa. Por esse ato executivo é possível uma individualização da responsabilidade patrimonial, mediante apreensão física, direta ou indireta, de uma parte específica e determinada do patrimônio do devedor. A penhora em dinheiro em conta corrente ou aplicação financeira do devedor já era realizada pelo juiz mesmo antes do Sistema Bacen Jud, através de ofícios enviados aos bancos (COSTA, 2012, p. 01).

Os ofícios enviados aos bancos criaram um volume significativo, já que eram enviados por juízes de todo País, para realizar bloqueios em contas correntes pertencentes a alguma parte envolvida em litígio judicial. Contudo, as respostas eram demoradas e, consequentemente, prejudicava o andamento do processo, pois o executado era alertado pelos gerentes de seus bancos e retirava de imediato toda a quantia da conta, frustrando todo o ato processual. Dessa forma, o processo de execução era caracterizado como um processo que não alcançava o resultado prático visado (COSTA, 2012, p. 02).

Foram diversas tentativas para encontrar uma alternativa que agilizasse o procedimento de informação. Contudo, somente no final do ano de 2000, o Banco Central montou um sistema específico para atender as solicitações dos juízes, com o objetivo de colaborar com o Judiciário na busca da Justiça (COSTA, 2012, p. 02).

Segundo Kalleo Castilho Costa (2012, p. 03) o atual Bacen Jud foi reestruturado pelos seguintes passos:

O modelo de atendimento recebeu o nome de Bacen Jud e foi estruturado nos seguintes passos: foi criado um site de acesso restrito entre o Poder Judiciário e o Banco Central pelo qual o juiz emitia a “ordem eletrônica”; o Banco Central fazia o encaminhamento automático das ordens ao Sistema Bancário e este respondia via correio ao Poder Judiciário. Assim, o banco, ao receber a solicitação por via eletrônica do Banco Central, respondia diretamente ao juiz, por escrito, via correio.

Para Luiz Guilherme Marinoni, contudo, foi somente com a implementação da Lei 11.232/2005, que acaso o devedor não pague o valor objeto da condenação foi implementada, que o exequente teria o direito de indicar bens à penhora (art. 475-J, § 3º). Dessa forma, inexistente a previsão de que o executado deve ser citado para pagar ou nomear bens à penhora. Assim, o executado tem apenas o dever de pagar - embora possa apresentar impugnação para tentar demonstrar a inexistência deste dever - e não o direito de nomear bens à penhora  caso não deseje pagar imediatamente (MARINONI, 2008, p. 01-02).

Com isso, discutiu-se se o problema evidente da penhora de dinheiro passaria a ser como saber se o executado tem dinheiro em suas contas. Contudo, com a Lei de 11.382/2006 com o artigo 655-A, esse problema fora eliminado:

Art. 655-A: Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

Dessa forma, tomou-se providencias as quais tinham o objetivo de reduzir o prazo de processamento das ordens judiciais com o intuito de garantir maior eficiência administrativa, possibilitando dessa forma uma maior agilidade com a minimização máxima do trâmite de papeis (COSTA, 2012, p. 03).

Em 2014 a proposta do Novo Código aborda um tema bastante controverso que é a limitação do uso da penhora on line. Com base nessa controvérsia, discute-se os próximos tópicos.

2.3 Instituto da penhora on line na legislação processual civil em vigência

Conforme fora visto no item 2.1 do presente artigo, a penhora on line consiste, basicamente, na utilização pelo Poder Judiciário de um sistema intermediado pelo Banco Central que permite a realização da penhora em dinheiro de forma eletrônica, através do envio de ordem judicial ao banco no qual o executado é correntista e possui saldo em sua conta. Vale ressaltar ainda que tal rastreio e consequente bloqueio das contas do executado é repassado a todas as instituições integrantes do sistema Financeiro Nacional, sendo a ordem judicial cumprida instantaneamente em todas as contas em que o executado tenha saldo suficiente.

O modo como está disciplinado o processo de execução no Código de Processo Civil, leva a entender que a penhora deve recair preferencialmente sobre dinheiro em espécie, com preferência a outros bens cuja propriedade seja do devedor. Tal afirmação pode ser confirmada a partir da leitura do art. 655, I, do Código de Processo Civil, que estabelece: “A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”. Essa ordem de preferência é tão importante que, caso não seja observada, poderá tornar ineficaz a penhora, salvo se com o consentimento do credor. Isso é o que dispõe o art. 656, I, Código de Processo Civil “A parte poderá requerer a substituição da penhora: I - se não obedecer à ordem legal”.

Entretanto, apesar de toda essa preferência do dinheiro no processo de execução, é necessário que sejam observadas as restrições aos bloqueios judiciais. Isso porque não é todo e qualquer bem que pode ser bloqueado, haja vista que o legislador processual garantiu a impenhorabilidade de alguns bens. Em relação à impenhorabilidade, Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 169) assegura que “a impenhorabilidade pode decorrer da natureza do próprio direito, ou de sua situação relativamente ao executado, como ocorre com os bens que estão previstos nos arts. 649 e 650”.

O art. 649, Código de Processo Civil elenca os bens que são absolutamente impenhoráveis:

São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no §3º deste artigo;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

§1º: A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.

§2º: O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.

Além dos bens anteriormente citados, a impenhorabilidade também abrange os direitos de uso e habitação, em razão da exclusividade de quem os detém, bem como as servidões prediais, em decorrência da sua natureza de acessoriedade (SANTOS, 2011, p. 169-170). Por fim, é possível encontrar mais uma hipótese de impenhorabilidade, sendo que esta não se encontra prevista no Código de Processo Civil. A Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, em seu art. 1º estabelece:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Apesar da penhora on line possuir previsão na legislação processual civil brasileira, há quem entenda que tal instituto representa uma afronta ao princípio da menor onerosidade para o devedor. Este será o objeto de estudo do item posterior.

 

3 (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO AO USO DA PENHORA ON LINE: AFRONTA AO PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFICIÊNCIA DOS ATOS EXECUTIVOS OU GARANTIA AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR?

O princípio da máxima eficácia dos atos executivos, ou princípio do resultado, conforme classifica o renomado doutrinador processualista civil Araken de Assim, encontra-se previsto no art. 612, Código de Processo Civil, cuja redação é a seguinte “Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”. Sobre o referido princípio, Araken de Assis (2012, p. 113-114) leciona:

Segundo reza o art. 612, a expropriação, meio executório assaz divulgado nas usanças do tráfico, se realiza em proveito do credor. Independentemente dos pendores individualistas, no devido tempo examinados (infra, 220), a norma pouco disfarça a ideologizado sistema executivo. O conjunto dos meios executórios, integrado pela expropriação (art. 646), tem o único objetivo de satisfazer o credor.

Entretanto, não se pode afirmar com absoluta certeza que o processo de execução tem como único objetivo satisfazer o credor, pelo menos não a qualquer custo. Isso porque, não são raras as vezes em que o princípio da máxima eficácia dos atos executivos entra em zona de colisão com outro princípio de igual importância e previsto no Código de Processo Civil: o princípio da menor onerosidade para o devedor. Este princípio encontra-se disposto no art. 620 do Código de Processo Civil, e tem como redação: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Sob o referido princípio, Fredie Didier Jr (2011, p. 56) ensina:

Trata-se, como se vê, de norma que protege a boa-fé, ao impedir o abuso do direito pelo credor que, sem qualquer vantagem, se valesse de meio executivo mais danoso ao executado. Não parece, porém, que tal princípio destine-se a proteger, ao menos primordialmente, a dignidade do executado, suficiente e adequadamente protegida pelas regras que limitam os meios executivos, principalmente aquelas que preveem as impenhorabilidades. Esse princípio protege a ética processual, a lealdade, impedindo o comportamento abusivo do exequente. Trata-se da aplicação do principio da boa-fé processual. A identificação do valor protegido é muito importante para a ponderação que se precise fazer entre esse princípio e o princípio da efetividade.

Diante desta afirmação, deve-se entender que a escolha pelo meio menos gravoso pressupões que os demais meios disponíveis sejam igualmente vantajosos, assegurando ao credor os mesmos resultados que o meio “mais gravoso” obteria. Essa escolha visaria impedir a execução abusiva, uma vez que haveria outros meios menos onerosos ao executado que assegurariam efetiva e adequadamente a tutela jurisdicional do credor.

Ante o exposto é possível concluir que ambos os dispositivos/princípios devem ser interpretados de maneira conjunta. A compatibilização dessas duas previsões legais nos leva a extrair duas conclusões: o processo de execução precisa ser eficiente, adequado (atendendo ao interesse do credor). Embora essa tutela jurisdicional executiva deva ser eficiente, não se pode perder de vista de que ela tem que atender, de alguma maneira, o interesse do devedor também, devendo ser a execução a menos onerosa possível para o devedor. O art. 612 faz a ressalva porque quando ocorre a insolvência, não há mais a prevalência de um credor sobre o outro, salvo se algum tiver uma prevalência legal. A prevalência civil ocorre quando o devedor tiver mais dívida do que patrimônio. Existem créditos que são preferenciais e esses credores recebem primeiro. Uma vez estabelecida essa ordem no concurso universal, passamos aos credores quirografários, os quais o título concorre em igualdade de condições (interesse do credor – prevalecendo o direito de penhora para aquele que primeiro penhorar o bem)[1].

CONCLUSÃO

O Novo Código de Processo Civil inovou. Como foi demonstrado ao longo do trabalho, as reformas no que tange ao processo de execução, foram substancias e de bastante relevância possibilitando mais celeridade e eficiência do judiciário. Contudo, algumas dessas reformas foram recepcionadas de forma divergente pela doutrina.

O projeto do Novo Código de Processo Civil, em sua fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, propõe uma nova mudança que visa restringir o uso da penhora on line (Emenda 614), limitando-a aos casos nos quais tão somente não exista mais qualquer recurso no tocante à decisão que está sendo executada, ou seja, tornando sua efetiva aplicação somente em casos extremos.

Conforme o que foi discutido e analisado nesse texto conclui-se que o instituto da penhora on line é de fundamental importância para o processo executivo, uma vez que garante maior celeridade aos bloqueis judiciais. Entretanto, apesar da importância para o processo executivo, sua utilização deve ser realizada com a devida cautela. Isso porque o referido instituto deve assegurar dois princípios que constantemente colidem entre si: o princípio da máxima eficiência dos atos executivos e o principio da menor onerosidade para o devedor. Sendo assim, sua limitação seria um real retrocesso e verdadeiro contrassenso que visaria a ineficiência de todo processo de execução. Portanto, conclui-se o problema não está no instituto em si, mas em como os magistrados brasileiros tem se utilizado dessa importante ferramenta que se encontra a sua disposição. É necessário que os magistrados tenham mais cautela ao determinar a penhora ou o boqueio de bens do executado. Uma vez feita esta cautela, seria possível assegurar ambos os princípios, sem que estes entrassem em rota de colisão novamente.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

ASSIM, Araken de. Manual da Execução. 14. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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BRASIL, Lei nº 5. 869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Presidência da República.  Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm> Acesso em 27 abr. 2014.

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BRASIL. Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução e a outros assuntos. Presidência da República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11382.htm> Acesso em 23 mar. 2014.

COSTA, Kalleo Castilho. Penhora "on line" e a eficácia dos meios eletrônicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, ago 2012. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12078&revista_caderno=21>. Acesso em 28 abr. 2014.

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